Mohammed 6º, um dos monarcas mais ricos do mundo, promove reformas limitadas, mas que evitam revolução
País do norte da África ainda tem protestos diários, mas que são reprimidos com dureza; ONGs denunciam tortura
Mohammed VI (centro) |
É a demonstração física, por parte dos manifestantes, de que os frutos da Primavera Árabe talvez venham a azedar por ali. Por parte da polícia, é indício da violência com que o rei Mohammed 6º responde à pressão popular.
No mês que vem, será celebrado um ano das eleições parlamentares marroquinas, antecipadas como maneira de acalmar os ânimos em meio à derrocada sucessiva de regimes árabes em 2011.
Na ocasião, o Marrocos foi louvado como exemplo de resolução pacífica para a insurgência, conforme o rei Mohammed 6º apresentou uma nova Constituição -segundo a qual, porém, ele mantém direitos como o controle das Forças Armadas e do Judiciário, além da escolha e demissão do premiê.
Um ano depois, a manutenção e piora dos índices econômicos ruins -que primeiro levaram protestos às ruas- faz do Marrocos, na opinião de analistas, um modelo de como a Primavera pode ter sido manobrada.
Apesar de o país ter acertado empréstimo de US$ 6,2 bilhões (R$ 12 bilhões) com o Fundo Monetário Internacional, 49% da população entre 15 e 29 anos não trabalha ou estuda, de acordo com o Banco Mundial. Eles representam 30% do total do país.
Por outro lado, o gasto diário do palácio de Mohammed 6º é estimado em quase US$ 1 milhão (R$ 2 mi), entre roupas e conserto de carros.
TORTURA
A situação precária ainda leva grupos às ruas, mas em pequenas quantidades. Recebidos a pancadas pela polícia e sem organização, eles não têm apoio da população.
O estado de vigilância e punição, sob o qual entrevistados pedem para não conversar em espaços públicos com a reportagem por medo de represálias, é uma das ferramentas eficazes para minguar as manifestações.
A ONU e a HRW (Human Rights Watch), ONG de defesa dos direitos humanos, recentemente condenaram o uso de tortura no país.
"Há relutância no Ocidente em criticar a persistência da repressão e o fracasso em implementar reformas", disse à Folha Eric Goldstein, porta-voz da Human Rights Watch.
"O maior desincentivo aos protestos é a presença maciça de policiais prontos para reprimir demonstrações ou prevenir que elas cresçam, dispersando manifestantes."
A pesquisadora americana Allison McManus, atualmente no país para estudar a insurgência, elenca diversas razões para o que chama de "inverno marroquino", como o fato de que "há pessoas se beneficiando da máquina do governo", inclusive o rei.
Mohammed 6º é dito um dos monarcas mais ricos do mundo. A revista "Forbes" o coloca na frente da rainha Elizabeth 2ª, do Reino Unido.
Também está em jogo, para analistas, a apatia da população, em todo habituada à monarquia.
Se no Egito a sociedade viveu diversas rupturas no século 20, como a chegada de Gamal Abdel Nasser ao poder nos anos 1950, no Marrocos a política se mantém estável há quatro séculos.
A dinastia alauita, que traça origens ao profeta do islã Maomé (entre os séculos 7º e 8º), está no poder no Marrocos desde o século 17 e é tida como símbolo nacional.
"A política é vista como assunto do Parlamento", diz McManus, "e a população nem sempre relaciona questões sociais à monarquia".
SÍMBOLO
A estabilidade, porém, não é garantia de manutenção do estado da coisas. "Ninguém está confiante de que os marroquinos estão satisfeitos e de que um levante não irá acontecer", disse à Folha a pesquisadora Marina Ottaway, associada sênior do grupo Carnegie Endowment for International Peace.
"O rei é símbolo da história do Marrocos e um líder religioso, mas isso não garante que as pessoas não possam se voltar contra ele", afirma. "Grupos islamitas estão à espera, nas beiradas, e as coisas podem mudar."
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