quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Militares espanhóis auxiliam soldados afegãos contra grupo extremista
No mercado de Moqur, o mulá do batalhão do Exército afegão tenta tranquilizar os comerciantes, temerosos de que a aparente calma que se respira desapareça quando os soldados espanhóis forem embora, no início de 2013.
“Os talibãs não virão porque nós estamos aqui”, disse o capelão, com uniforme e insígnia de comandante.
“Mas vocês não tem aviões nem helicópteros”, responde o vendedor. “Temos canhões. Vocês não tem com que se preocupar”, insiste o religioso militar.
Em aparência, a patrulha dos soldados espanhóis é um passeio relaxado a pé, que inclui visitas a duas aldeias vizinhas. Mas a operação foi minuciosamente preparada. As peças de artilharia de calibre 122 do exército afegão apontam para a área onde a patrulha está sendo feita, assim como morteiros do contingente espanhol. Um helicóptero médico está em alerta caso tenha que evacuar algum ferido e a patrulha até dispõe, durante uma hora, da cobertura dos aviões de combate da Otan. Um Raven – semelhante a um aparato de aeromodelismo – sobrevoa a área vigiando-a. Não existe lugar para imprevistos. Ou talvez exista.
O comandante Alberto Fajardo descobre horrorizado que a coluna de militares afegãos com a qual os espanhóis devem se encontrar errou o caminho e que não há forma de avisá-los porque as transmissões não funcionam. O tenente coronel encarregado do “kandak” (batalhão) do exército afegão dá uma bronca monumental. “É preciso testar as transmissões um dia antes. Isso não pode voltar a acontecer. Nós jogamos com a vida, um dia vamos levar um tiro. Se o oficial no comando das transmissões é um incompetente, precisamos tirá-lo do posto”, diz Fajardo. Seu interlocutor aguenta o sermão sem perder o sorriso.
Como muitos comandantes do novo exército afegão, o tenente coronel é um profissional militar que combateu contra os muhajedeen durante o regime pró-soviético de Nayibulah. Agora leva um fusil M-16 e viaja numa Humvee norte-ameriana, mas é difícil para ele esquecer as táticas que aprendeu em sua juventude: política de terra queimada e destruição de núcleos rurais para privar os insurgentes de seu meio natural. Justo o contrário do que os militares espanhóis tentam inculcar-lhe agora: aproximar-se da população, ganhar seu coração.
Por isso, se fazem acompanhar por militares afegãos quando vão para as escolas distribuir brinquedos ou quando se reúnem com os líderes de uma aldeia para tomar nota de suas necessidades: água, grãos, cobertas para aguentar o inverno que se antecipa duríssimo. Mas, como disse um refrão local, “os afegãos não se vendem, só se alugam”. A lealdade têm data de vencimento.
Têm razão o comerciante do mercado. Até agora a Otan vem conseguindo conter a pressão dos talebãs graças à superioridade aérea. Quando uma patrulha se vê em apuros, aviões de combate ou helicópteros de ataque vão em seu auxílio e põem os agressores em fuga. Ainda assim não conseguiram derrotar a insurgência, só mantê-la distanciada das cidades e das principais vias de comunicação. O mesmo que os soviéticos antes de se retirar.
Quando uma unidade do Exército afegão se vê atacada, também pede apoio aéreo. Não o faz diretamente, mas sim através dos mentores designados para cada unidade; entre eles os espanhóis. Mas os afegãos carecem de controladores sobre o terreno para guiar os bombardeios até seus alvos (TACP) e a Otan desconfia de seu escasso cuidado com os danos colaterais, assim os aviões raramente disparam. Preferem passar algumas vezes para enganar.
Depois dos IED (artefatos explosivos improvisados, na sigla em inglês), os talibãs infiltrados no Exército são a principal ameaça para as tropas internacionais. Mais de meia centena de baixas até agora este ano. Na terminologia da Otan, eles se denominam “green on blue” (“verde no azul”), cada um que interprete como quiser. Os espanhóis tiveram um deles quando, em agosto de 2010, o motorista do chefe de polícia matou dois guardas civis e um intérprete em Qala-i-Naw.
O capitão Modesto Munhoz é um dos membros do exército afegão em Moqur. Sua tarefa exige que ele trabalhe lado a lado com os militares afegãos. Eles não podem entrar armados nas bases da Otan, embora ele possa fazê-lo nos quarteis afegãos. Além disso, ele sempre leva escolta e se ele suspeita de algum militar afegão, imediatamente o transfere. Mas nada garante que algum de seus subalternos não se revolte contra ele um dia. Sua fórmula: “confiar na intuição, estabelecer vínculos pessoais com eles, mostrar-se respeitoso em relação aos costumes e não ficar muito obcecado.”
Se a Otan chegou ao Afeganistão com o propósito de instaurar um regime aceitável pelos ocidentais, faz tempo que renunciou a isso. Em Moqur, as viúvas e órfãos do acicente deo Yak-42 (em que morreram 62 militares espanhóis) financiaram a construção de um colégio, que abriu suas portas em 2006 para meninos e meninas. Hoje só é frequentado por rapazes. O subtenente Ángel Ortega não reconhece que seja uma concessão aos talebãs. “É preferível que a escola continue aberta e, por fim, talvez as meninas voltem a estudar”. Se a transição para a Otan está perto do fim, para os afegãos está apenas começando.
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