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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Jornalista do "Der Spiegel" relata regime islâmico que aterroriza norte de Mali


Há meses que um regime islâmico vem aterrorizando o norte de Mali. Centenas de milhares de habitantes já fugiram da região, e os que ficaram para trás sofrem a cada dia com novas formas de crueldade. Um repórter do "Spiegel" documenta uma viagem de duas semanas pela região, que a Europa teme que possa se tornar a próxima Somália.

O norte de Mali é virtualmente inacessível para os jornalistas atualmente. A sharia está em vigor desde a última primavera, quando fundamentalistas assumiram o controle de uma grande parte do país, que até então era considerado modelo. Os fundamentalistas apedrejam os adúlteros, amputam membros e reprimem toda oposição. Eles destruíram túmulos em Timbuktu reconhecidos como sítio de herança mundial pela Unesco.

Apesar dos riscos, Paul Hyacinthe Mben, 39, um funcionário do "Spiegel" e jornalista na capital de Bamako, que ainda não está sob controle islâmico, aventurou-se para o norte de Mali. Antes da viajar, passou semanas negociando um salvo conduto com os líderes islâmicos. Em troca, foi obrigado a aceitar certas condições. Durante sua estadia de quase três semanas no norte, ele teve que aceitar o código islâmico de vestimenta, assim como se submeter a uma série de revistas e interrogatórios. Mesmo assim, ele nunca revelou aos islamitas onde estava dormindo e nunca ficou no mesmo lugar por mais de um dia. Ele estava constantemente com medo de ser sequestrado. Ele mal tinha voltado a Bamako quando soube que sete homens armados o seguiram no norte, com a meta de levá-lo preso.

Um ponto de revista da polícia islâmica na estrada para Gao marca o início da região controlada pelos novos governantes do norte de Mali. Adolescentes com Kalashnikovs estão na barreira, de pernas abertas. O mais velho fica repetindo as mesmas instruções em um megafone: "Cigarro é proibido; CDs são proibidos; rádios, câmeras ou joias são proibidos". Uma repetição infinita de proibições, uma lista de tudo que é "haram", ou impuro, com a qual se inicia esta viagem para o norte. Os homens vigiam em nome do profeta Maomé.

Com gestos arrogantes, eles param os poucos ônibus interestaduais que ainda vêm do sul de Mali. Um dos homens entra no veículo com a arma a postos, e inspeciona o ônibus andando pelo corredor e verificando se todo mundo está cumprindo as normas islâmicas: as mulheres e homens estão sentados em locais separados? As mulheres estão usando o “hijab”? E os homens estão usando calças até os tornozelos, do tipo que os muçulmanos radicais acreditam que o profeta preferia? Agora são obrigatórias em Gao.

O motorista e os passageiros se submetem ao procedimento em silêncio. Quando termina, o inspetor sai pela porta de trás, ainda carregando sua Kalashnikov, e grita "Salam alaikum", o cumprimento comumente usado no mundo muçulmano. O ônibus foi liberado.

Uma nação dividida
Mali é um país dividido desde abril, quando os islâmicos assumiram o controle de uma região no norte maior que a França, enquanto o Sul ainda é administrado por um governo incapaz de se defender.

Nesta primavera, as forças do grupo étnico tuaregue expulsaram o Exército de Mali das regiões ao norte do país em poucas semanas. Eles proclamaram a nação tuaregue de Azawad, que nenhum Estado do mundo reconheceu.

Então vieram os islâmicos armados até os dentes, com o que sobrou do arsenal do antigo regime de Gaddafi na vizinha Líbia. Os islâmicos também têm conexões com os combatentes da Al Qaeda que, por alguns anos, encontraram porto-seguro na região do Magreb, do norte da África, e nos países da zona de Sahel, ao Sul do deserto do Saara.

Os tuaregues que não se uniram aos islâmicos foram expulsos. As fachadas das casas em Gao ainda demonstram os traços da luta pelo poder entre os dois grupos, inclusive buracos de tiros e paredes enegrecidas e destruídas. O mundo agora está profundamente preocupado que Mali possa se tornar outra Somália ou Afeganistão.

Em princípio, o Conselho de Segurança da ONU já aprovou o envio de tropas internacionais contra o norte. A União Europeia decidiu enviar assessores militares, e os EUA estão até considerando o uso de sondas não tripuladas para combater os líderes islâmicos. O norte de Mali, a menos de cinco horas de voo de Paris, não pode se tornar um novo canteiro de terroristas ou uma segunda Somália, diz o ministro de relações exteriores alemão, Guido Westerwelle. Sua colega norte-americana, a secretária de Estado Hillary Clinton, acredita que os islâmicos em Mali estavam por trás do ataque que levou à morte do embaixador americano na cidade de Benghazi, na Líbia, há sete semanas.

Um lugar sem vida
Gao, uma cidade de 100.000 habitantes, se tornou um lugar sem vida desde que os islâmicos assumiram o poder. O lugar era um ponto de parada para turistas a caminho de Timbuktu, mas agora as barracas em torno da estrada desapareceram; bares e restaurantes foram lacrados e a música é proibida. Os novos mandantes proclamam seu credo em cartazes pregados nas esquinas, escritos em árabe contra um fundo preto: "Não há Deus que não Alá, e Maomé é seu mensageiro".

Para piorar as coisas, a coleta de lixo foi suspensa, e o lixo fica apodrecendo nas ruas a uma temperatura de 40 ºC. Em torno de 400 mil pessoas já fugiram dos islâmicos. A maior parte dos que partiram eram da faixa mais educada da força de trabalho, como engenheiros que mantinham a usina elétrica e o fornecimento de água em operação. As organizações de ajuda humanitária internacionais se foram, assim como os representantes do governo que estavam em vias de implementar um novo programa de construção de estradas.

"Gao é uma cidade morta", diz Allassane Amadou Touré, mecânico, enquanto bebe seu chá à sombra. Ele está desempregado, como muitos na cidade, e diz que a produção econômica de Gao "caiu em 85%" desde a primavera.

A polícia islâmica tornou-se a maior empregadora da cidade. Ironicamente, sua sede fica na rua Washington, no centro de Gao. Dali, os membros da polícia armada, que na maior parte é jovens quase crianças, são enviados para os bairros para imprimirem sobre os moradores o que é considerado "haram" e o que é "halal", ou puro.

Punições medonhas
Até recentemente, as sentenças dos tribunais da sharia também eram executadas na rua Washington, mas agora a polícia islâmica ficou mais cuidadosa. Desde que uma multidão revoltada conseguiu resgatar pessoas que tinham sido condenadas, mãos e pés agora estão sendo cortados em segredo.

A justiça islâmica usa uma antiga base militar fora da cidade para executar suas punições medonhas. Uma de suas vítimas é Alhassane Boncana Maiga, que foi considerado culpado de roubar gado. Quatro guardas arrastaram Maiga, que vestia uma túnica branca, para uma sala escura, e o amarraram a uma cadeira, deixando apenas uma mão livre. Um médico dá à vítima uma injeção para a dor.

Depois, Omar Ben Said, que é o principal carrasco, puxa uma faca da bainha. "Em nome de Deus, o mais gracioso, o mais misericordioso", ele diz e pega a mão do condenado e começa a cortá-la, enquanto o sangue esguicha. O esforço se torna mais difícil quando Said atinge o osso e demora mais de três minutos até a mão cair no balde. O carrasco pega o celular, chama seu superior e diz: "O homem foi punido".

Maiga manteve os olhos fechados o tempo todo, sem gritar. Os homens o levam para outra sala, onde seu braço é atado, e depois de 15 minutos é solto e tropeça para a rua. "Sou inocente", diz. "O que devo fazer agora? Não posso mais trabalhar".

Poucos dias depois, Maiga está morto, provavelmente por excessiva perda de sangue ou por uma infecção.

Um mandante por trás do terror islâmico
Um dos cérebros por trás do terror islâmico em Mali é lyad Ag Ghali. Ele mora em Kidal, a 320 km a nordeste de Gao, em uma casa opulenta perto do aeroporto, que agora está fechado. Um homem baixo com uma barba longa e óculos escuros, Ag Ghali vive cercado de um bando de homens altamente armados, do grupo Ansar Dine, ou "Defensores da Fé".

O Ansar Dine é uma nova organização. Até o ano passado, Ag Ghali era conhecido como principal separatista tuaregue. Ele oscilava entre procurar dialogar com Barnako e declarar um Estado Tuaregue independente. Ag Ghali tinha fama de fumar e beber, mas também era considerado pouco confiável, e os rebeldes tuaregues o marginalizaram politicamente em novembro último. Provavelmente, este foi o momento em que Ag Ghali descobriu o islamismo.

Dali em diante, em vez de convocar uma nação tuaregue, ele promoveu a sharia, dizendo: "Todos aqueles que não andam pelo caminho de Alá são infiéis". Sua mudança assegurou-lhe o apoio da Al Qaeda e de outros extremistas do Magreb.

Seu grupo também está envolvido no tráfico de drogas no Saara. Carteis sul-americanos enviam cocaína por navio até Guiné-Bissau na África Ocidental. Dali, as drogas viajam para o norte por terra, transportadas -em troca de uma boa parte dos lucros- por rebeldes, revolucionários e bandidos, como os combatentes do Ansar Dine. Os sequestros são outra fonte de renda para os "Defensores da Fé". Quando a ONU aprovou o emprego de tropas no norte de Mali, em meados de outubro, o Ansar Dine ameaçou matar reféns franceses sob seu controle.

Ag Ghali tem pouco a dizer ao visitante. "Bem vindo à cidade islâmica de Kidal", diz ele, antes de embarcar em sua SUV e sair correndo, seguido por seu séquito.

Polícia islâmica em toda parte
Mas Kidal de fato não é nada acolhedora. Metade de seus moradores fugiu para a Mauritânia ou Níger e a polícia islâmica patrulha as ruas montada em caminhonetes. O mercado está fechado, e as mulheres não podem mais andar sozinhas na cidade.

Os homens receberam instruções para deixarem a barba crescer. Os que não obedecem ao chamado dos muezins à prece são chicoteados ou presos por três dias. É proibido ouvir rádio, e os novos governantes simplesmente serraram as antenas parabólicas dos telhados das casas.

Yacouba Mahamane Maiga está dormindo sob uma árvore. Ele está usando uma camiseta desbotada e short. Ele foi um dos homens mais ricos da cidade antes de os islâmicos chegarem a Kidal.

"Não aguento mais nada disso", diz ele, com um punho fechado apontado na direção dos garotos com Kalashnikovs. Antes da tomada do poder, sua empresa de construção acabara de ser contratada para construir uma nova prisão e uma novo tribunal, dois contratos do governo no valor de milhões. Maiga investiu US$ 1,9 milhão (em torno de R$ 4 milhões) em novos tratores e guindastes.

Mas não houve construção em Kidal desde que os islâmicos chegaram, e Maiga é forçado a ficar de lado enquanto seu país desmorona. Suas máquinas estão cobertas de areia do deserto, e seus funcionários fugiram. "Trabalhei com essas mãos minha vida toda", diz ele.  "Esses salafistas estúpidos". Ele se recusa a levá-los a sério e não é enganado por sua pretensa fé. Ele os chama de bandidos, não de agentes da guerra santa.

Críticas em público podem ser perigosas. A polícia islâmica está em toda parte, mais ainda assim Maiga não faz mais esforços para esconder sua revolta. Há mais de 20 grupos étnicos em Mali e, até agora, muçulmanos, cristão se animistas coexistiram em paz. A religião sempre foi questão privada, diz Maiga. Ele está convencido que os islâmicos não têm apoio popular e ele diz que os moradores de Kidal estão cansados de serem empurrados por adolescentes.

Empurrados por adolescentes
Maimouna Wallet Zeidane, 27, é uma das pessoas que estão tentando organizar a resistência que está surgindo em toda parte. Quando ainda era permitido, ela era muito atlética e dividia um apartamento de dois quartos com seu namorado no bairro de Etambar.

Agora, ela mora sozinha. Os capangas do Ansar Dine queriam cortar as mãos do namorado dela porque estavam morando juntos. Desde então, ele fugiu para a Argélia. "Estamos em 2012. Como eles podem nos jogar de volta para os tempos do profeta?", pergunta Zeidane.

Em casa, ela usa jeans e camiseta, mas se usasse essas roupas fora de casa seria acoitada com uma vareta. Ela espalha pela sala folhas grandes e começa a escrever cartazes. Um deles diz: "Islâmicos = traficantes de drogas".

Alguém bate na porta, e ela rapidamente esconde os papéis. "Se a polícia islâmica encontra isso aqui, eles queimam o prédio". Ela coloca um véu sobre a cabeça e abre a porta, somente uma fresta, a princípio. Depois, abre totalmente, e três mulheres, suas colegas de campanha, entram no apartamento. Elas dizem ser as "amazonas de Kidal". O grupo consiste de 250 mulheres e cresce a cada manifestação, dizem elas.

Elas voltarão às ruas em alguns dias, segurando seus cartazes, no meio da cidade islâmica de Kidal. Elas poderão ser açoitadas, pelo menos 40 chibatadas com uma vara ou chicote, e levadas à prisão.

Mas Zeidane está determinada a assumir o risco. Os islâmicos destruíram a vida dela, e ela não tem mais medo dos homens de barba e armas. "Eles deveriam queimar todos no inferno", diz ela.

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