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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Jovens artistas alemães corajosamente definem o "novo judeu"


Jovens artistas judeus na Alemanha estão mexendo nos clichês e preconceitos com renovada confiança, criando uma identidade para si mesmos que não está mais ligada ao passado – e deixando que os alemães lidem com sua questão de quem são exatamente.

Os monstros ocasionalmente assumem uma aparência completamente inesperada. Subitamente, Adolf Hitler surge no palco usando um conjunto Adidas e Havaianas e seu nome não é Hitler; é Oliver Polak. E o monstro não é realmente Adolf Hitler, é a risada do público, que começa um pouco engasgada, como se estivesse tentando se livrar de suas amarras. Mas então explode, como se fosse subitamente liberada.

Esses são os momentos nos quais Polak se aproxima muito da verdade. É uma verdade complicada, porque tem a ver com algo que se tornou um dado há muito tempo: que os alemães devem ter vergonha e tristeza pelo que fizeram aos judeus. E que de alguma forma isso é suficiente.

Mas o que acontece quando alguém sobe ao palco em um clube de humor em Berlim fazendo piadas sobre judeus e o Holocausto? Quando a mera menção do sistema ferroviário provoca uma transição para o assunto das deportações? Então ele acrescenta maliciosamente: “Eu posso fazer isso. Sou judeu.” E quando o público ri primariamente porque não sabe bem se é correto rir?

O "novo judeu"

Polak tem 35 anos e é comediante. Poucas semanas após sua exibição, ele está sentado no apartamento de um amigo no bairro de Mitte, no centro de Berlim. A escuridão começa a cobrir as ruas lá fora.

Sua apresentação versa sobre os novos judeus, a nova autoimagem judia, velhas inseguranças alemãs e o significado da publicação quase simultânea de dois livros que tratam habilmente das questões da identidade judia e preconceitos antissemitas.

O “New Jewish Manifest” (“Novo manifesto judeu”), publicado no Reino Unido há algum tempo, descreve esta nova geração, confiante, que diz: “oi, eu sou judia”, com voz alta e orgulhosa, e é composta de pessoas que não “falam mais de sua identidade judaica em sussurros geralmente reservados para doenças terminais”. Elas tampouco querem deixar que antissemitas digam quem são, não têm problema em dizer a palavra “judeu” e se recusam a deixar que 5.000 anos de história os distraia do fato que o futuro está aí.

Mas isso também descreve os sentimentos dos judeus que moram na Alemanha? Ou o Holocausto os mantém presos ao passado? Em outras palavras, o que significa ser um judeu em um mundo no qual os judeus fazem piadas sobre o Holocausto e os alemães em geral riem de suas piadas?

Representantes da nova geração 

E então, é claro, há a questão de quem pode ser chamado corretamente de “novo judeu”? Seria alguém como Polak, comediante que cresceu sozinho, como o único menino judeu na cidade de Papenburg, no Noroeste da Alemanha, que sobe ao palco fazendo piada de sua mãe, de seu prepúcio e do Conselho Central de Judeus na Alemanha e cujo público ri ainda mais porque não tem bem certeza se o seu riso de fato pode ser qualificado como discurso de ódio sob a lei alemã?

Ou seria alguém como Sophie Mahlo, advogada de 36 anos e organizadora de eventos culturais que tem mãe tunisiana e pai alemão, foi criada em Berlim e sempre quis ir embora, mas ainda assim voltou, e que diz que “identidade judaica é pensar sobre como outras pessoas querem matá-lo”?

Ou seria alguém como Lena Gorelik, autora de 30 anos que emigrou da Rússia com seus pais quando criança e só soube do Holocausto quando estava na Alemanha, que a cada três dias dizia para seus professores na escola que era um feriado judaico só para ver como eles reagiriam, e que “sentia a pressão de ter que cair no padrão da vítima”?

Ou seria alguém como Daniel Josefsohn, fotógrafo de 50 anos que batizou seu cão de Jesus, cujo estúdio em Berlim se orgulha de ter um AK-47 com as palavras “amo os judeus” e que uma vez subiu no jardim da antiga casa de Hermann Göring, importante figura nazista, para erguer uma bandeira israelense?

Identidade judia ritualizada 

Por outro lado, se há um “novo judeu” na Alemanha, então quem são os antigos? De fato, o que distingue os jovens judeus dos velhos judeus, tais como o jornalista e o ensaísta Henryk Broder ou Marcel Reich-Ranicki, crítico literário alemão famoso que sobreviveu ao Holocausto? Essa distinção já significa a “historização do Holocausto”, que sempre parece um tanto alarmista? Em outras palavras, será que é uma ameaça, por levar à relativização do Holocausto?

Ou será de fato liberalizante porque os jovens judeus não querem mais ser o “judeus sofredores”, como diz Lena Gorelik, ou os “judeus de 9 de novembro”, como diz Sophie Mahlo em referência à noite dos cristais de 1938, quando muitas casas e empresas de judeus foram atacadas e destruídas? Nem tampouco eles querem ser como os judeus proeminentes chamados a participar das cerimônias anuais memoriais e depois esquecidos pelo resto do ano.

Era assim a lógica paradoxal do crime: os judeus devem dizer aos alemães quem são. Ou, em vez disso, nas palavras do autor Maxim Biller, eles eram “necessários” para emprestar legitimidade moral ao país.

Em seu livro, “The Impossible Return” (em tradução livre, “A Volta Impossível”), o jovem historiador e jornalista francês Olivier Guez usa uma linguagem dura para descrever esse relacionamento maldito. Guez escreve que “a idealização das vítimas judias” assumia a forma de um “ritual”, que muitas vezes nem era para os judeus, que os alemães “raramente tinham oportunidade de encontrar”. Em vez disso, Guez acredita que o ritual tinha um propósito diferente: o “Philo-semitismo fornece aos seus seguidores uma inocência moral e social, uma autoimagem melhor. Ajudou-os a superarem sua insegurança”.


Parece perigoso? Como francês e judeu, Guez tinha uma imagem menos sentimental da grande história de sucesso da Alemanha no pós-guerra. Em “Impossible Return”, ele descreve em termos muito concisos o que significa voltar à terra dos perpetradores como “um estrangeiro em seu próprio país”. Esse foi o título da antologia de 1979 na qual Henryk Broder ridicularizou o Conselho Central dos Judeus na Alemanha como “uma ópera de anãos em tela grande” e usava expressões como “judeus profissionais” e “álibis judeus”.

Entretenimento, e não absolvição 

Naquela época, os judeus não estavam certos de suas próprias identidades na Alemanha. Mas, atualmente, são os alemães que estão inseguros. “Muitos alemães ainda não gostam de si mesmos”, diz Polak, o humorista. É precisamente esse desconforto que ele explora em seus programas.

O título da atual comédia e livro de Polak é “I’m allowed to do that. I’m a jew” (“Posso fazer isso. Sou judeu”). O truque de Polak é levar os clichês judaicos à beira do antissemitismo. Ele brinca com uma série de preconceitos –por exemplo, sobre os judeus ricos, os que reclamam, os que têm mãe hiperprotetora – e o público. Somente quando eles começam a rir que entendem que não sabem o que estão fazendo. Eles se perguntam se estão aliviados ou chocados.

“Ah”, diz Polak, abrindo bem os olhos, visivelmente apreciando seu relato de como os alemães têm medo de seu próprio riso. Em seu show, quando ele pergunta “se tem permissão para fazer isso”, ele diz que muitas pessoas olham em volta antes de começarem a rir.

Também está claro que esse riso é altamente contraditório e pode ser mal entendido. Ele diz que as pessoas vão procurá-lo após a apresentação na qual ele faz piadas sobre os campos de concentração de Buchenwald e Auschwitz e dizem: “Foi bom ouvir essa história de você para variar; foi tão engraçado.”

Ainda assim, ele nota que seu humor “não garante a absolvição”. Humor é simplesmente o que ele faz, o que ele sabe fazer. Sua vida é seu material, e ele não tem a menor intenção de educar as pessoas. “As pessoas me fizeram perguntas estúpidas durante minha vida”, diz ele, “e agora estou dando respostas estúpidas”.

Liberação das imagens dos outros 

Há também outra coisa por trás da alegria de Polak. É como se a criança solitária de Papenburg estivesse falando consigo mesma quando ele diz: “Os judeus alemães são um pouco como os ursos pandas gigantes. Não sobraram muitos de nós, então as pessoas estão vindo nos ver antes que seja tarde demais”.

É certo que, nos últimos anos, a comunidade judaica na Alemanha cresceu de 30 mil para 100 mil. Mas isso se deve primariamente aos muitos judeus que emigraram da Rússia, o que alterou como os judeus na Alemanha se identificam.

Mas também é fato que alemães não judeus ainda transmitem certa estranheza e inibição. “Me sinto olhada”, diz Sophie Mahlo. “Tenho a sensação que as pessoas estão constantemente tentando me fazer entrar no retrato que querem ter de mim. Mas eu não quero lidar com questões que não são minhas.”

Por exemplo, Mahlo diz que ela teve que aguentar perguntas como: você é judia alemã ou alemã judia? Como você se sente sobre o que aconteceu aqui? Se você pudesse escolher, ainda seria judia? “Tomei a decisão de me libertar da coisa toda”, diz Mahlo, fazendo um gesto como se estivesse afastando algo.

Para tanto, Mahlo abriu a filial alemã do Limmud em 2005, uma organização que promove o aprendizado sobre a herança judaica. “O judaísmo não é algo triste”, diz ela. “Há mais na vida do que o Holocausto e o Shoah”. Ela diz: espero que “alemães não judeus possam nos aceitar como sendo ao mesmo tempo iguais e diferentes, em vez de nos colocarem constantemente em um pedestal”.

O ressurgimento gradual da identidade 

Se não fosse uma palavra tão boba, não se poderia dizer que o que realmente está faltando para esses judeus na Alemanha é a normalidade? E neste caso, o que isso significaria?

O processo de autodescoberta para os judeus na Alemanha progrediu em ondas, assim como as mudanças no relacionamento entre judeus e não judeus. Um momento marcante inicial ocorreu em 1985, com a controvérsia em torno da peça do diretor Rainer Werner Fassbinder, “Garbage, the City and Death”. A peça, que só pôde ser montada em 2009, retrata judeus como corretores imobiliários, e muitos pensaram que refletia os sentimentos antissemitas dos esquerdistas que participaram de uma série de protestos de habitação em Frankfurt no início dos anos 70.

Um segundo momento de virada foi o filme de Dani Levy de 2004 chamado “Alles auf Zucker!” (em tradução liberal, “força Zucker!”), um grande sucesso que mostrava um lado mais humano dos judeus. A comédia apresentava a vida comum dos judeus de forma que não mais parecia estranha ou estrangeira.

Chocantemente, esse tipo de coisa faltava no cenário cultural até então. Certamente que uma série de obras populares tinham tocado nesses mesmos assuntos. Por exemplo, houve a sátira de 1988 de Rafael Seligmann, “Rubinstein’s Versteigerung” (“O Leilão de Rubinstein”), e o brilhante romance de Robert Schindel de 1992 “Begürtig” (“Nascido Onde”). Da mesma forma, houve a história de Maxim Billers “Harlem Holocaust (“Holocausto do Harlem”) em 1990, na qual ele demonstrava como se pode tocar em preconceitos e sentimentos de culpa alemães – e como se pode usar essa insegurança para reunir a força para vencer o círculo vicioso do alemães de antissemitismo e Philo semitismo. Mas, de alguma forma, não foram suficientes.

De fato, essa insegurança persistiu por décadas após a guerra. Há judeus na sociedade e alguns deles muito proeminentes. Por exemplo, há o crítico literário Marcel Reich-Ranicki, cuja autobiografia “Mein Leben” (“Minha vida”) é um sucesso de vendas, e há os judeus provocadores, tais como o jornalista Henryk Broder, que gosta de discutir com todo mundo. O primeiro minimizou seu judaísmo, enquanto o último tornou-o o ponto focal de sua personalidade pública. Mas apesar da fama, eles continuaram estranhos, porque não havia outras presenças judias.

Havia também os velhos judeus, discretos e cheios de segredos, como o “Novo Manifesto Judeu” os descreve, aqueles que ficavam constantemente tentando adivinhar quem seria judeu e quem queria que o oligarca russo Roman Abramovich fosse judeu – “mesmo que fosse só pelo dinheiro”. Por outro lado, os novos judeus estão mais interessados no “diálogo judaico-budista” e passam seu tempo “salvando a última sinagoga em Calcutá”. Os novos judeus não são passivos, temerosos ou defensivos. E eles não permitem que ninguém além deles mesmos definam sua identidade.

Um relacionamento que evolui com o Holocausto e os clichês 

Essa forma de se identificar também tem consequências políticas e sociais. Sempre há a questão de qual papel o Holocausto ainda deve ter e como o país e um povo devem se definir. É claro, essa é uma questão que a Alemanha e Israel se perguntam, mas o mesmo é verdadeiro para os judeus alemães. Quase 70 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, suas últimas testemunhas estão morrendo, o ritual de lembrança está mudando e o papel dos mortos e sobreviventes está evoluindo. Como resultado, o relacionamento entre o Holocausto e a identidade está sendo redefinido.

“Talvez seja hora para um tom diferente”, diz Lena Gorelik, autora. Ela está se referindo ao humor que falta na Alemanha. “Talvez possamos falar menos do passado”, diz ela, expressando a esperança que os judeus algum dia não precisem mais ser a resposta a algumas questões alemãs.

O livro de memórias de Gorelik chama-se “Querido Misha... você quase foi chamado Shlomo Adolf Grinblum. Sinto muito ter que lhe dizer isso: você é judeu...”. É um exame honesto e engraçado de todos os preconceitos e clichês que –ela diz isso com um sorriso- é claro são verdadeiros.

No livro, Gorelik oferece uma lista “dos dez mais”, preconceitos antissemitas que ela alega serem verdadeiros. Entre eles: os judeus têm nariz curvo; os judeus são carecas; os judeus são avarentos; judeus têm um relacionamento problemático com suas mães; os judeus são mais inteligentes que outras pessoas; e os judeus são evasivos, perspicazes e astutos.

“Os clichês existem para que possamos continuar puxando-os para cá e para lá até que não saibamos mais onde o clichê termina e a verdade começa”, diz Gorelik. Ela conta que as pessoas que participam de seus encontros de leitura algumas vezes perguntam se podem rir e que algumas delas até confessam que não sabem como lidar com o fato que seus pais eram da SS.

“Como Jó”, escreve Gorelik no livro para seu filho, “você vai gritar por dentro: por que eu? Por que eu tenho que fazer parte do povo escolhido? Escolhido para quê?” Para emigrar para o país “onde o leite e o mel e a guerra e o calor prevalecem?” Por outro lado, ela escreve a Misha: “Você é judeu. Não há nada melhor para ser”.

Um debate "chocante"

Então o que aconteceu? O que aconteceu em todos os anos em que os alemães não sabiam o que dizer quando eles encontravam um judeu? Quando o autor de peças judeu nascido na
Hungria George Tabori foi festejado por servir à imagem antiquada dos judeus do pré-guerra na Alemanha. Ou quando o romancista alemão Martin Walser, em um discurso aceitando o Prêmio Frankfurt Book Fair Peace em 1998 condenou a “indústria do Holocausto”, dizendo que Auschwitz tinha sido usado como “ameaça rotineira, instrumento de intimidação e pressão moral” contra os alemães de hoje. Ou quando o autor Botho Strauss famosamente afirmou que a forma como os alemães lidaram com seu passado nazista paralisou a sociedade e deve ser contida. O historiador Ernst Nolte começou uma enorme discussão entre historiadores quando ele descreveu preocupação similar em um ensaio de 1986, chamado “The past that will not pass” (“O passado que não passará”). Steffen Heitmann, político do Leste do país que foi o candidato do chanceler Helmut Kohl à presidência da Alemanha, atraiu críticas para seus comentários que o papel especial da Alemanha na era do pós-guerra tinha que terminar com o colapso do comunismo. “A Alemanha é um Estado normal entre Estados normais”, disse ele.

As opiniões de todos os quatro foram altamente controversas na Alemanha – com os maiores críticos acusando-os de relativizarem o passado ou tentarem enterrá-lo. Eles também levaram o discurso na Alemanha mais para a direita, até o ponto onde Thilo Sarrazin, político social democrático e então membro do conselho executivo do banco central alemão, até fez comentários que os judeus compartilhavam um gene especifico. E o que os judeus na Alemanha acharam?

Polak diz que foi um “choque” e que ele se sentiu sufocado pelo debate. Gorelik também achou chocante e se perguntou se a Alemanha ainda era seu país.

Contudo, lentamente está ficando claro que essas discussões nunca foram de fato sobre os judeus, imigração ou os turcos. Em essência, todos esses debates foram eventos extremamente alemães, nos quais os judeus e a história foram usados para ganhar um pouco de clareza sobre a identidade desse povo aparentemente insondável. O Holocausto sempre foi sua muleta. Se os judeus simplesmente excluem o Holocausto, tudo pode começar a cambalear.

Os "Novos Alemães"

É claro que Polak acha tudo isso divertido. Ele também achou engraçado quando 2.000 cristãos cantaram sua música “Lasst uns alle Juden Sein” (“Vamos todos ser judeus”) em uma convenção da igreja.

O que os alemães que não sabem se têm permissão para rir podem aprender com Polak e outros novos judeus é a autoconfiança, uma atitude em relação à vida que não é mais determinada pelo que outra geração decidiu há tanto tempo. De fato, em um nível fundamental, os novos judeus são iguais aos novos alemães.

Isso não é uma tentativa de apagar tudo ou de romper completamente com o passado. Mas o fato é que já houve tantas histórias sobre Hitler, o monstro, ou Hitler, o ser humano, que elas não têm mais significado.

Em vez disso, o tema é a curiosidade, autoconfiança, abertura e inteligência. É sobre pessoas formatando sua própria identidade e descobrindo quem são na Alemanha –como cristãos, judeus, muçulmanos, ateus e cidadãos. É sobre um país que mudou há muito tempo.
Isso parece sentimental demais? Soa quase como o famoso “multiculturalismo”? Pois bem, o que parece realmente é com o século 21.

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