Milhares de egípcios protestam no centro do Cairo pedindo que o presidente deposto Hosni Mubarak e outros membros de seu regime sejam julgados |
Por mais histórica que seja, essa onda de eleições deixa muitos egípcios céticos. "Isso não tem nada de especial em relação a antes", afirma uma jovem em uma rua do Cairo, repleta de faixas eleitorais. "A única diferença é que não vemos mais os figurões do Partido Nacional Democrático (PND) nos pôsteres e que, acima de tudo, não sabemos mais quem é quem".
De fato, é difícil de se orientar em meio à abundância de candidatos que concorrem a cadeiras individuais ou em listas (15 mil no total). Em uma semana, as ruas egípcias foram povoadas por uma selva de rostos, a maioria desconhecidos, e em quem muitos não imaginam votar. Às margens do Nilo, dois cocheiros fumam tranquilamente diante do gigantesco pôster de um certo Wael Adil. "Não, não o conhecemos, é a primeira vez que o estamos vendo... De qualquer forma, não vejo como eu poderia votar em um cara sem conhecer seu programa... Eles colocam todos seus programas na internet, mas eu não tenho internet..."
A perplexidade do povo reflete, sobretudo, a complexidade da votação. Entre os independentes, os candidatos às cadeiras individuais, os inscritos em listas, os candidatos ao Parlamento, à Câmara Alta e à presidência, não é fácil identificar com precisão para quem dar seu voto. Ainda mais pelo fato de que cada eleitor deverá já desde início votar duas vezes: em uma lista, mas também em dois candidatos individuais.
Os cartazes destes últimos transbordam em indicações: ao lado do nome, sobrenome e slogan do candidato, estão indicados seu número e o da circunscrição na qual concorre, bem como a lista de vários bairros que ela engloba. A isso se soma um símbolo (manga, maçã, pirâmide, busto de Nefertite, chave de fenda, etc.) atribuído a cada um deles para torná-lo identificável para os analfabetos. Essa medida não é um luxo, em um país onde o índice de analfabetismo ultrapassa os 40%.
Sem contar que os slogans, muitas vezes confusos, nem sempre ajudam o leitor. "Juntos, vamos construir a classe média", pode-se ler no cartaz de Mohammed Abu Hamad, candidato de um importante partido liberal. Ou ainda "vamos salvar o Egito do asilo", no de um candidato desconhecido à eleição presidencial, que, no entanto, nem agendada está.
Em uma campanha dominada pela diferença entre islamitas e liberais, o risco é de que a complexidade da votação leve os leitores a fazerem escolhas baseadas na aparência. Entre as mechas loiras das liberais, os hijabs coloridos das candidatas da Irmandade Muçulmana e as barbas abundantes dos salafistas, os cidadãos se deslocam por uma paisagem saturada de símbolos claramente mais fáceis de decifrar.
Os candidatos, por sua vez, constatam muitas vezes com amargor que as regras do jogo continuaram as mesmas. Os limites estabelecidos pela lei para o financiamento das campanhas foram transgredidos despreocupadamente por aqueles com verba, o monitoramento do tempo na TV não é garantido, e ninguém respeita a regulamentação sobre os cartazes. Essa anarquia e a insegurança, devido ao enfraquecimento da polícia desde a queda de Mubarak, alimentam queixas, ações e ataques.
O Cairo está repleto de cartazes rasgados levados aos quatro ventos. "No centro da cidade, quando você prega um cartaz, ele não está mais lá no dia seguinte", se queixa Mohammed Saleh, candidato independente pela sexta circunscrição do Cairo. "Em Zawiya Al-Hamra, salafistas entregavam panfletos com 50 libras egípcias (R$ 14) a taxistas, prometendo-lhes a outra metade nos postos de votação".
Há vários candidatos, às vezes obrigados a cancelar seus comícios por razões de segurança, que acusam adversários de usarem capangas para tentar intimidá-los. Os candidatos originários do antigo partido no poder -o Partido Nacional Democrático (PND)- têm enfrentado muitos ataques (cartazes queimados, candidatos espancados). Os liberais acusam os islamitas, que se gabam de terem distribuído toneladas de carne durante o Eid, de tentar corromper os eleitores. Os veteranos do partido de Hosni Mubarak acusam os jovens revolucionários de serem financiados por países estrangeiros.
Diante da permissividade da Alta Comissão eleitoral e da ausência da polícia, a sociedade civil tem se mobilizado. Um grupo de jovens ativistas, levados pelo Movimento 6 de Abril, estabeleceu uma lista negra e uma lista branca para informar o público sobre o passado dos candidatos "indesejáveis" que saíram do PND, e que a Alta Corte administrativa se recusa a excluir da eleição...
Até os artistas têm se mobilizado contra a morosidade geral, e estão prevenindo uma abstenção em massa. Ahmed Adawiya, um cantor muito popular, instiga o entusiasmo geral com uma música engajada: "Esqueça as eleições de antes/o Parlamento não é mais privado/para votar é preciso entender/não confiar em qualquer um/se você vender sua consciência/você trai a democracia".
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