Documentos secretos comprovam que a participação de autoridades brasileiras na Operação Condor foi fundamental para a aliança dos governos totalitários da América Latina
Não são apenas os brasileiros que vivem a expectativa sobre quais segredos a Comissão Nacional da Verdade, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff na sexta-feira 18, trará à tona. Ativistas de Direitos Humanos de Argentina, Paraguai e Uruguai esperam que, ao remexer os arquivos da ditadura brasileira, a Comissão esclareça fatos obscuros ocorridos naqueles países durante o regime militar nos anos 1970 e 1980. Especialmente no que se refere à Operação Condor, a aliança político-militar entre os governos ditatoriais sul-americanos nesse período. A surpresa pode ficar por conta de nomes de autoridades civis brasileiras que colaboraram com o regime ditatorial na América Latina. O correspondente em Brasília do jornal argentino “Pagina/12”, Dario Pignotti, que investiga a Operação Condor desde 1994, encontrou no Brasil documentos que comprovam a importante participação de diplomatas brasileiros na repressão, monitorando e revelando os passos de exilados, bem como agindo no interesse de conhecidos repressores vizinhos, como o capitão de fragata argentino Alfredo Astiz, conhecido como o “Anjo da Morte”. Essa atuação contradiz com a tese estabelecida de que o Brasil desempenhava um papel secundário e discreto na Operação Condor.
Astiz foi responsável pelas mortes das fundadoras da organização Mães da Praça de Maio, de duas freiras francesas e de uma estudante sueca, durante a repressão argentina, e tinha dois pedidos de extradição (França e Suécia). Se ele fosse mandado para a França ou Suécia, ele seria julgado por esses crimes, o que seria a pior solução para Astiz. Por interferência, porém, do então embaixador brasileiro em Londres em 1982, Roberto Campos, o “Anjo da Morte” acabou sendo devolvido pelos ingleses às autoridades argentinas. Na Argentina, ele ficou livre até 2006, quando foi detido. Mês passado, Altiz foi condenado em Buenos Aires à prisão perpétua.
A maior parte dos telegramas examinados pelo jornal argentino se refere ao aparato repressor dos mandatos de Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985). Essa cooperação se fortaleceu principalmente depois de 1975 (no início da fase conhecida como “abertura lenta e gradual” pelo governo Geisel) e não se limitou somente ao plano operacional. Outro episódio que evidencia a participação ativa das autoridades brasileiras é a prisão e o posterior desaparecimento, em 1971, do jornalista Edmur Péricles Camargo, 57 anos, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Camargo era um dos presos políticos banidos do Brasil em troca da libertação do embaixador suíço Giovanni Bucher. Ele foi para o Chile, mas resolveu se consultar com um oftalmologista no Uruguai. Quando o avião fez escala na Argentina, os policiais daquele país o prenderam, e ele foi enviado em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) de volta ao Brasil, mas simplesmente desapareceu. Em 1995, Camargo foi considerado oficialmente pelo governo brasileiro como desaparecido político durante a ditadura.
Na avaliação do secretário de Direitos Humanos da Argentina, Eduardo Duhalde, mais do que manter sua caixa-preta fechada, o Brasil foi o fiador da Condor. “Porque a Operação não poderia ter existido sem a vontade política do país hegemônico da região”, justifica.
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