Fidel Castro: o "velho incorrigível" está à margem da história

Aos 84 anos, doente, martelando no passado, Fidel Castro mais uma vez surpreendeu os analistas. Achavam que ele havia saído definitivamente de cena. Mas ele volta a aspirar ao papel principal, em detrimento de seu dublê, seu irmão Raúl, de 79 anos. Diziam que ele havia se calado para sempre. Ei-lo aqui, fazendo declarações estrondosas, se deleitando com suas provocações como se não fosse nada demais.

O Líder Máximo ainda está no comando. É essa a mensagem que sugerem suas últimas aparições em público após mais de quatro anos de ausência. Elas mostram que o cadáver da revolução cubana ainda está se mexendo, e a prova disso é que o líder trocou seu abrigo de aposentado por uma farda verde oliva. Essa é a aparência. Na prática, suas recentes saídas em público dizem o contrário daquilo que querem provar. Elas pintam um “Fidel” à margem de uma História que tanto o adulou.

O grande astro dos fervilhantes anos 1960 já não é mais o mesmo. Do ícone da revolução, resta somente um ditador desorientado, que o escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez descreveu intuitivamente há mais de trinta anos, em “O Outono do Patriarca”(1976). Em uma pequena ilha do Caribe corroída pela miséria, um tirano sem idade – ele tem “entre 107 e 232 anos” – vê, com a memória embrumada, o poder e a vida lhe escaparem.

Essa referência a Garcia Márquez, amigo de “Fidel”, sugere que as últimas declarações do Líder Máximo pertencem mais ao campo do romance do que da política. Nessa ficção de si mesmo, Castro interpreta um personagem tragicômico que corre, em vão, atrás da sua glória passada.

Nostálgico da época em que seus caprichos passavam por genialidade, ele começou com as declarações desconcertantes desde que reapareceu em público no dia 7 de julho. Comparou a situação dos ciganos na França a um “holocausto racial”. Afirmou que “o modelo cubano não funciona” (antes de explicar que foi mal interpretado). E está reescrevendo a história: foi por “sacrifício” pelo campo socialista, repete, que teria aceitado, em 1962, que os soviéticos instalassem em Cuba foguetes com ogivas nucleares, a 150 quilômetros da costa americana.

Essas divagações não impedem que os observadores imaginem sobre o que estaria por trás dessa reaparição. Será que ele pretende retomar as rédeas do poder que foi obrigado a abandonar em 2006, debilitado por uma grave doença intestinal da qual escapou milagrosamente? Raúl Castro, que assumiu o cargo, aproveitou para lançar uma série de reformas que os observadores se perguntam se Fidel quer frear, sabotar ou cobrir com sua autoridade.

Até 1º de abril de 2011, 500 mil funcionários públicos (dentre 11 milhões de habitantes) serão demitidos, decretou Raúl, com este comentário: Cuba “é o único país do mundo onde se pode viver sem trabalhar”. O setor privado será ampliado (em Cuba, a economia é 90% controlada pelo Estado). O pequeno comércio será incentivado, a fim de aliviar o orçamento dos cubanos, que ganham em média 20 euros por mês (mas que têm assegurados pelo Estado, mais mal do que bem, a educação, os cuidados médicos e a moradia). Cerca de cinquenta prisioneiros políticos serão libertados, sendo que vinte deles já tomaram o caminho do exílio na Espanha, nos Estados Unidos e no Chile.

Teriam os Castro tomado jeito? Não é a primeira vez que eles fingem que vão desarrochar. Fidel por diversas vezes soltou dissidentes, em 1969, 1979 e 1998. Idem para a economia. Desde que esta passou para o controle do Estado, em 1968, por vezes ele fez concessões – especialmente quando a União Soviética o abandonou. Antes de, pouco mais tarde, se reconciliar com um estatismo dos mais rígidos.

Em uma palavra, Raúl, ainda que guiado por Fidel, não seria Gorbachev, mas sim um Andropov, que à frente da URSS sabia que o sistema estava perdendo fôlego, mas pensava em como reformá-lo (na verdade, ele não era reformável).

Fidel Castro, que viveu a perestroika como um pesadelo, sabe que sua obra é um todo. Ele também prefere reavivar o passado a deixar que estragos sejam feitos.

No dia 26 de julho, dia da festa nacional de Cuba, ele foi até a Praça da Revolução, em Havana, colocar flores sobre o monumento em memória de José Marti, pai espiritual da nação. E no dia 7 de agosto, revivendo seus anos dourados, fez um discurso diante da Assembleia Nacional.

Que contraste com sua grandiosidade do passado! Ele, que outrora discursava para uma multidão entusiasmada na Praça da Revolução, foi até lá quase escondido. Ele, o orador que ninguém cala, se contentou com um comunicado de onze minutos diante do Parlamento, nadando em um uniforme de batalha que se tornou grande demais.

O mais tocante foi o reflexo pavloviano com o qual a imprensa do Estado montou essa ressurreição. No entanto, em “O Outono do Patriarca”, Gabriel Garcia Márquez previu como terminaria a epopeia: “Difícil admitir que esse velho incorrigível era o resíduo de um homem cujo poder havia sido tão grande que um dia ele perguntou: ‘Que horas são?’ ‘A hora que o senhor quiser, meu general’, responderam”.