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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

China debate efeitos da transparência do julgamento de Bo Xilai

O melodramático julgamento de Bo Xilai, ex-autoridade da elite do Partido Comunista da China, tem sido alardeado pela mídia estatal local como um sinal claro de que os cidadãos chineses desfrutam dos benefícios de um sistema legal sadio.

Na segunda-feira passada, o Study Times, jornal semanal do Partido Comunista, publicou um artigo intitulado "Um olhar sobre a transparência judicial por meio do julgamento de Bo", muito representativo da linha editorial adotada por outros meios de comunicação estatais locais. O texto argumentava que a transparência e o processo utilizado durante o julgamento, que durou cinco dias, "exibem confiança da China: a confiança no Estado de Direito; a confiança nos fatos, a confiança na capacidade de distinguir o certo do errado".

Poucos analistas jurídicos e políticos fariam afirmações tão grandiosas assim. Mas atualmente há um debate na China sobre se o julgamento --durante o qual Bo foi acusado de recebimento de propina, peculato e abuso de poder-- contribuiu para que houvesse algum tipo de progresso no estabelecimento de um sistema judiciário independente e cumpridor dos devidos procedimentos legais no país, onde o partido controla os tribunais, ou se ele foi pouco mais do que um mero teatro político.

Talvez o sinal mais claro de que o julgamento foi um show --um show espetacular, diga-se de passagem, estrelado por um testemunho lascivo sobre um triângulo amoroso, uma casa de veraneio multimilionária na França e um jato particular para a Tanzânia-- tenha emergido na forma das implacáveis manchetes e dos artigos publicados pela mídia oficial, que condenaram Bo enquanto o julgamento ainda estava se desenrolando.

A maioria dos chineses acompanhou o julgamento por meio dessa cobertura, e eles viram manchetes como a seguinte no site do Diário do Povo, publicação que é porta-voz do partido: "Ministério Público: Bo Xilai afirma que não é culpado e, por isso, ele deve ser rigorosamente punido".

Além disso, o partido sustentou as acusações relacionadas principalmente às transgressões financeiras de Bo desde o início de sua carreira e não abordou os abusos contra os direitos humanos cometidos por ele durante sua recente passagem pelo cargo de chefe do Partido Comunista da cidade de Chongqing, pois isso mexeria com a política partidária. Para analistas políticos e membros do partido, o veredito de culpado recebido por Bo já estava quase que certamente pré-definido antes do término do julgamento.

Alguns juristas liberais, no entanto, elogiaram a transparência relativa do julgamento, pois os líderes do partido inesperadamente permitiram que muitas das transcrições editadas do julgamento fossem postadas em um microblog do tribunal, apesar de depoimentos cruciais que implicavam outros dirigentes terem sido mantidos em sigilo.

"Foi transparente, e os direitos do réu foram bem protegidos", disse Zhang Qianfan, professor de direito da Universidade de Pequim. Outro acadêmico, Tong Zhiwei, disse: "O julgamento de Bo foi mais transparente do que qualquer outro julgamento por crime de corrupção praticado por altos funcionários do governo da China".

O julgamento poderia convencer alguns chineses sobre a importância dos procedimentos legais, disseram analistas. Visto por esse prisma, o julgamento foi extraordinário: várias testemunhas de acusações importantes compareceram ao tribunal, dando a Bo a chance de interrogá-las. Além disso, os juízes permitiram que Bo afirmasse que gostaria de retirar uma confissão que ele havia feito sob estado de "tensão mental", e as transcrições proporcionaram ao público uma espécie de janela (um tanto desfocada) para o tribunal.

Todos esses são elementos que não estão presentes na maioria dos processos criminais chineses. A duração do julgamento também foi uma surpresa para muitas pessoas --julgamentos anteriores e semelhantes a esse, incluindo as deliberações legais relacionadas ao processo de Bo, como o julgamento da esposa do político, Gu Kailai, e o do ex-chefe de polícia de Chongqing, Wang Lijun, ocorridos no ano passado, duraram apenas um ou dois dias. Gu foi condenada pelo assassinato de um empresário britânico e Wang por deserção e outros crimes.

Uma pessoa com contatos no sistema judiciário chinês disse que, no dia em que o julgamento de Bo terminou, na semana passada, altos funcionários do governo chinês já estavam divulgando ordens internas para que os sistemas judiciário e de segurança nacional do país analisassem o processo utilizado nas deliberações do caso de Bo. As autoridades sugeriram que os processos judiciais e as ações utilizadas pelos juízes nesse caso poderão servir de modelo para estabelecer procedimentos legais adequados, disse essa pessoa.

Mas não ficou claro o que a medida significará para as mudanças de longo prazo a serem implementadas no sistema judiciário chinês nem como isso poderá coincidir com a nova tentativa de levar a cabo as reformas judiciais anunciadas no mês passado por Zhou Qiang, presidente do Supremo Tribunal Popular.

Até mesmo os juristas que aplaudiram o novo estilo exibido durante o julgamento de Bo reconhecem que o caso constitui uma exceção, e acreditam que ele não é necessariamente um modelo a ser seguido. Diante da popularidade de Bo entre os chineses comuns --que ele reforçou ao implementar políticas neossocialistas em Chongqing-- e da posição de sua família revolucionária dentro do partido, não resta dúvidas de que os líderes se sentiram obrigados a permitir que Bo contasse seu lado da história, desde que ele se mantivesse dentro de parâmetros estreitos.

O julgamento poderia, em tese, persuadir os mais céticos, que estavam convencidos de que o expurgo de Bo no ano passado foi resultado de rivalidades políticas. Permitir que o público visse Bo interrogando testemunhas acrescentou legitimidade ao julgamento e, quanto mais exaltados seus argumentos ficavam, mais o público acreditaria que ele havia recebido uma chance justa para se defender.

Pelo menos essa parecia ser a intenção, mas muitos dos aliados de Bo, especialmente os moradores de Chongqing, cidade do sudoeste da China, ainda não se convenceram dessa versão dos fatos.

"Nós todos concordamos que ele é vítima de uma luta pelo poder político e que a queda dele não teve absolutamente nada a ver com meros 20 milhões de renminbi", disse Li Meishu, jovem professor de música de uma escola primária de Chongqing, referindo-se, grosso modo, ao valor da propina que Bo e sua família são acusados de ter recebido.

Muitos outros repetiram a opinião expressa por Li. Mas os líderes do partido obviamente esperavam que os chineses comuns ficassem muito irritados com a corrupção endêmica, e acreditavam que adicionar a cifra de US$ 3,5 milhões às propinas que Bo foi acusado de receber seria suficiente para manchar a reputação do político. Mas a corrupção tornou-se tão comum na China que muitos chineses encaram a quantia como uma espécie de acobertamento hipócrita para um expurgo político.

Juristas dizem que o julgamento Bo provavelmente não será replicado no atacado por todo o sistema judiciário chinês, apesar de o líder do partido, Xi Jinping, ter prometido fazer o que fosse preciso para implementar medidas para coibir a corrupção. Desde a investigação sobre Bo, ocorreram importantes investigações sobre outros políticos importantes acusados de corrupção, que são apelidados de "tigres", incluindo Jiang Jiemin, membro do Comitê Central e próximo de Zhou Yongkang, ex- chefe de segurança e aliado de Bo. Jiang foi demitido de seu posto de supervisor de empresas estatais na terça-feira passada.

Mas nenhuma dessas figuras têm o controle sobre o imaginário do público que Bo demonstra possuir, e os processos deles, caso eles vão a julgamento, não exigirão necessariamente tantos subterfúgios para que seja exibida uma legitimidade legal.

Da mesma maneira, pouco há de processo legal justo na recente repressão à liberdade de expressão, que inclui detenções de cidadãos chineses de pensamento liberal. Xu Zhiyong, proeminente advogado de defesa direitos, foi preso formalmente no mês passado sob a acusação de "reunir um grupo para perturbar a ordem pública", medida que muitos viram como um pretexto para silenciá-lo.

Essa crítica também foi empregada durante a recente prisão de Charles Xue, empresário sino-americano que foi detido por suspeita de requisitar o serviço de prostitutas. Em vez de demonstrar claramente a culpa dele, a transmissão de sua confissão pela TV estatal chinesa levantou, para muita gente, dúvidas sobre os direitos legais dos cidadãos. O mesmo foi solicitado em relação à confissão televisionada de Peter Humphrey, um investigador de crimes financeiros britânico.

Bo teve liberdade para falar no tribunal, mas havia limites óbvios. Os principais comentários feitos por ele estavam relacionados ao estilo de vida de sua família e a suas finanças. As transcrições públicas não continham nenhum questionamento por parte dele sobre a luta política que muitos dizem que levaram a sua queda. De acordo com registros escritos e não-oficiais, tomados por um observador presente no tribunal, Bo falou sobre a rivalidade existente dentro do partido e a disputa pelas principais posições e sobre o recebimento de ordens de uma agência do partido dirigida por Zhou Yongkang em um plano de acobertamento, mas essas observações ficaram de fora das transcrições oficiais, assim como os trechos em que ele falou sobre ameaças específicas feitas pelos investigadores.

"Bo Xilai serviu ao partido muito bem durante o julgamento", disse via e-mail Chongyi Feng, professor adjunto de estudos sobre a China da Universidade de Tecnologia de Sidney, na Austrália. "Ele 'demonstrou' o progresso do Estado de Direito na China com a sua defesa rigorosa. Ele também obedeceu todas as regras estabelecidas e protegeu o partido ao não revelar nenhum escândalo de seus antigos colegas de Politburo. Compreensivelmente, o veredito negociado antes do julgamento será divulgado no seu devido tempo, independentemente dos procedimentos legais".

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