Mohamed Morsi |
Cem dias depois da posse de Mohamed Mursi, o primeiro membro da Irmandade Muçulmana a ser eleito presidente no Egito, está na hora de fazer um primeiro balanço de sua ação diplomática. Pilar da influência americana no Oriente Médio desde os anos 1970, estaria o Egito, país mais populoso do mundo árabe, repentinamente mudando de lado? O líder dos “Árabes Moderados” poderia se tornar um inimigo do Estado judaico e criticar os acordos de paz de Camp David? Será que o Egito escancararia a fronteira com a Faixa de Gaza e se aliaria ao Hamas, cujos líderes conheceram seus colegas egípcios nos bancos da Universidade de Zagazig [localizada da cidade egípcia de mesmo nome]? Passaria o Egito de uma aliança com o Ocidente para uma franca oposição, juntando-se ao “eixo da resistência”, liderado pelo Irã khomeinista [seguidor do aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica do Irã em 1979 e morto em 1989]?
Deve-se reconhecer que a chegada de uma força islamita à frente do Egito não levou a uma reviravolta diplomática e estratégica, mas a um início de realinhamento. Mohamed Mursi é menos submisso ao Ocidente que seu antecessor, Hosni Mubarak, mas nem por isso lhe dá as costas. “A Irmandade Muçulmana não é nem serviçal do Ocidente, como pretendia Nasser, nem seu inimigo implacável, como Mubarak queria fazer acreditar”, explica Jean-Pierre Filiu, ex-diplomata e professor no instituto Science Po. “Eles são antes de tudo egípcios e fazem a política de sua geografia”.
A esse respeito, o caso do ataque a um posto fronteiriço egípcio por um grupo jihadista provavelmente vindo de Gaza, no dia 6 de agosto, foi revelador. Aproveitando o choque com a opinião pública criado pelo pesado saldo – 16 guardas fronteiriços mortos -, o presidente egípcio ordenou uma ampla operação militar no Sinai, que Israel vinha pedindo de longa data. Ao mesmo tempo, ele mandou fechar o terminal de Rafah que ligava o Egito à Faixa de Gaza.
A defesa da soberania nacional prevaleceu sobre a promessa feita ao Hamas palestino e à opinião pública egípcia de reabrir a fronteira, que no entanto é símbolo da submissão passada de Hosni Mubarak a Israel. A reação egípcia foi tamanha que os dirigentes israelenses ficaram constrangidos com o pedido do Cairo de rever o acordo para aumentar sua presença militar para combater os grupos terroristas. O chefe da diplomacia israelense Avigdor Lieberman, preocupado em ver o Cairo reunindo tropas em sua fronteira, descartou essa possibilidade.
Ainda sobre as relações com Israel, Mohamed Mursi fez uma boa jogada ao pedir aos Estados Unidos que aplicassem plenamente os acordos de Camp David, dos quais eles são os garantidores, e que previam – o que costuma se esquecer – a autoadministração dos territórios palestinos. Após uma lua de mel que durou todo o verão, as relações entre EUA e Egito foram testadas pela manifestação, no dia 12 de setembro, de 2.000 a 3.000 pessoas que escalaram o muro de proteção da embaixada americana no Cairo para protestar contra o vídeo islamófobo colocado na internet por coptas extremistas na Califórnia. Washington, que havia apoiado Mohamed Mursi quando ele isolou parte do estado-maior e afastou o Exército das questões políticas durante o verão, ofendeu-se com a passividade da polícia egípcia e as 48 longas horas de silêncio do presidente egípcio.
Barack Obama, em plena campanha eleitoral e sob a pressão dos republicanos, aproveitou a ocasião para colocar Mohamed Mursi sob pressão ao declarar que o Egito não era “nem um aliado nem um inimigo”. Ele sabe que o presidente egípcio, que precisa administrar uma grave crise econômica e social, precisa de ajuda – US$ 2,1 bilhões anuais (R$ 4,24 bilhões), sendo 1,3 bilhão em auxílio militar – e de investimentos americanos. A resposta de Mohamed Mursi, no “New York Times”, às vésperas da Assembleia Geral da ONU, foi: os Estados Unidos podem estender a mão aos muçulmanos – como fez Barack Obama em seu discurso do Cairo, em 4 de junho de 2009 – ou apoiar as revoluções árabes, mas eles não restaurarão sua imagem no mundo árabe enquanto apoiarem a ocupação israelense da Palestina.
Ao fazer isso, Mohamed Mursi volta a colocar a questão palestina no centro, ao contrário do que anunciavam aqueles que queriam ver, na “primavera árabe”, uma mistura de “política da barriga vazia” e de adesão aos valores universais – em outras palavras, de espírito ocidental – que são a liberdade e a democracia.
Liberal na economia, apreciada pelo Fundo Monetário Internacional por sua ortodoxia orçamentária, a Irmandade Muçulmana não está prestes a romper com o Ocidente, mas ela quer reequilibrar essa relação. Com relação a isso, a viagem de Mursi à China, no final de agosto, é um forte sinal. Assim como a decisão de aproveitar para fazer uma parada em Teerã – algo inédito desde a queda do xá em 1970 – para comparecer à Cúpula dos Não-Alinhados. Mursi esfriou as esperanças deles ao condenar inequivocamente o regime sírio de Bashar Assad.
Resumindo, o novo Egito quer se afirmar como a grande potência regional, e não se alinhar a outro eixo. Esse é o motivo de sua iniciativa para um grupo de contato sobre a Síria com o Irã, a Arábia Saudita e a Turquia. Ele tem poucas chances de sucesso, uma vez que esses países são motivados por uma ambição similar e fizeram da Síria o terreno de sua rivalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário