sexta-feira, 6 de julho de 2012
Der Spiegel: Para onde vão as revoluções do Oriente Médio?
Um ano e meio após o início da primavera árabe, islamistas assumiram o poder em alguns países, os governos do Golfo estão suprimindo a dissenção com dinheiro, e a Síria está escambando para uma guerra civil. As revoluções árabes estão em um ponto decisivo, mas os horrores promovidos por Damasco podem inspirar moderação em outras partes.
Os rebeldes avançaram para o centro de Damasco, chegando até a garagem do Palácio de Justiça e uma base da Guarda Republicana ao lado palácio presidencial. A Síria e a Turquia colocaram em posição tanques e baterias antiaéreas, enfrentando-se nos dois lados da fronteira norte do país. "Estamos em guerra", disse o presidente sírio, Bashar Assad, nesta semana, quando reuniu-se com seu novo gabinete.
No Cairo, o recém-eleito presidente Mohammed Morsi deixou claro que não fazia questão que seu retrato fosse pendurado nos escritórios de governo do Egito no futuro. O índice do mercado de ações egípcio subiu 7,6% no dia após o anúncio dos resultados das eleições. Foi a maior alta em nove anos.
Um tribunal na cidade de Monastir, na Tunísia, manteve uma decisão contra os blogueiros Jabeur Mejri e Ghazi Béji, condenados a sete anos na prisão por "transgressão da moralidade, difamação e perturbação da ordem pública". Eles tinham publicado cartuns do profeta Maomé em suas páginas de Facebook.
Um ano e meio depois do vendedor de rua da Tunísia Mohameed Bouazizi tirar sua vida, e com isso interromper o torpor do despotismo árabe, o otimismo gerado por aqueles primeiros meses agora está obsoleto. Os líderes de quatro nações -o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, o presidente egípcio Hosni Mubarak, o líder líbio Moammar Gaddafi e o presidente iemenita Ali Abdullah Saleh- foram derrubados, sentenciados ou mortos. Um quinto líder árabe, o presidente sírio Bashar Assad, parece estar travando uma batalha perdida pela sobrevivência.
Esperança e medo
A esperança que o mundo árabe se torne democrático tão rapidamente quanto a Europa Oriental há 20 anos não se cumpriu. Mas, tampouco, se materializaram os temores que os países do Norte da África e do Oriente Médio -do Marrocos no Oeste a Omã no Leste -afundariam em caos.
Em vez disso, o retrato é mais confuso do que nunca. Em Damasco e Aleppo, uma burguesia secular -a mesma classe que apoiou os levantes em outras partes -teme as consequências se Assad for deposto. A família real que governa a vizinha Jordânia se comporta como se não fosse afetada pela inquietação geral. O Iêmen, um país tribal que derrubou seu presidente de longa data, está sendo elogiado como modelo de transição pacífica, apesar de a Al Qaeda algumas vezes controlar províncias inteiras. E na Tunísia, terra da Revolução Jasmim, os cinemas estão sendo destruídos e os bordéis, incendiados.
Tão confuso quanto os eventos possam parecer à primeira vista, há alguns padrões reconhecíveis. Após vivenciar um terremoto político, o Oriente Médio islâmico pode ser dividido grosseiramente em três zonas sísmicas. Primeiro, há as "zonas de emergência"- Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen- países que já sobreviveram aos choques iniciais e agora estão tentando se reconstruir. As pessoas nesses países querem se reorganizar e encontrar a estabilidade com os elementos da sociedade que ainda estão funcionando, mesmo que sejam os militares.
A segunda região contém os "países inabaláveis" -os regimes aparentemente estáveis da Arábia Saudita, das outras monarquias do Golfo, do Marrocos e da Jordânia. Esta é a zona dos reacionários, que estão tentando solidificar suas posições com dinheiro, repressão e reformas cosméticas.
Depois, tem a zona "traumatizada". Esta inclui países como Argélia, Iraque, Líbano e, à margem dos eventos, Irã e Sudão -países que já viram o abismo da guerra civil em sua história recente e que agora preferem uma abordagem cautelosa.
A ascensão do islamismo
Entre os países da primeira categoria, a Tunísia foi relativamente longe. O país elegeu um parlamento, um governo dominado pelo partido islâmico Ennahda, um presidente secular e o exército está monitorando o processo de transição sem impor sua vontade.
Ironicamente, é precisamente na Tunísia, onde a Primavera Árabe começou, que está se tornando claro que a liberdade política não é necessariamente acompanhada de liberdade cultural.
A Tunísia sempre foi o mais ocidentalizado dos países árabes, um firme bastião contra a onda islamista da história árabe mais recente.
A poligamia e o casamento infantil foram proibidos, a educação sexual foi ensinada nas escolas, e o sistema educacional foi considerado o melhor na região. Filmes pornô suaves foram exibidos nos cinemas em Túnis, e as prostitutas na seção antiga da cidade pagavam impostos e tinham seus documentos emitidos pelo Ministério do Interior.
Poucos dias após a deposição de Ben Ali, a autodeclarada polícia da moralidade apareceu no distrito vermelho de Túnis, onde jogou coquetéis molotov nos bordéis e ameaçou as mulheres. Semanas atrás, um grupo de salafistas invadiu uma exibição chamada "Primavera das Artes". O ataque foi movido por um retrato em que formigas formavam as palavras "louve a Deus".
Instituições competem no Egito
No Egito, que seguiu os passos da Tunísia, o islamismo político emergiu mais forte após uma revolução na qual não tomou parte, ao menos não no começo. A Irmandade Muçulmana e os radicais salafistas venceram a primeira eleição parlamentar livre do país, com uma grande maioria. Seus representantes extremistas querem transformar o país em uma república islâmica, com a introdução incondicional da sharia, ou lei civil e criminal islâmica.
Contudo, a vitória limpa dos islâmicos está sendo questionada pelo Conselho Supremo das Forças Armadas e por juízes nomeados pelo ex-presidente Mubarak. A corte constitucional, em uma decisão que foi politicamente controversa, mas formalmente correta, declarou que as eleições parlamentares foram inválidas, e o conselho militar cortou a autoridade do presidente, mesmo antes de Morsi, da Irmandade Muçulmana, assumir o cargo.
Ainda assim, o exército não arriscou um golpe aberto, que instalaria como presidente o rival secular de Morsi, como imaginou a maior parte dos especialistas da região. E o próprio Morsi, desde sua vitória, chamou a atenção por um tipo de retórica moderada que dificilmente se esperava dele. Na semana passada, Morsi disse que pretendia cumprir todos os tratados internacionais, inclusive o tratado de paz com Israel, e que ele planejava nomear uma mulher ou um cristão para ser seu vice. Ele também negou categoricamente ter dado uma entrevista na qual teria defendido reforçar laços com a República Islâmica do Irã.
O Egito está vendo uma batalha entre instituições que poderia muito cautelosamente ser descrita como a forma egípcia do conceito de equilíbrio dos poderes, uma situação na qual as entidades constitucionais podem limitar o poder umas das outras.
Sede por democracia na Líbia
O ex-ditador líbio, Moammar Gaddafi, deixou para trás um Estado que não é nem minimamente operacional. No sábado (6), o país planeja fazer eleições para uma assembleia constitucional que nomeará um governo interino e um conselho encarregado de redigir uma nova constituição. A eleição já foi adiada uma vez. Mas o país não teve partidos políticos por 40 anos.
O que prosperou sob a grotesca fachada do "Estado das massas" de Gaddafi foram redes de regiões, cidades e tribos que formam a imagem caótica do país hoje. No início de junho, uma brigada armada ocupou o aeroporto na capital Trípoli e, poucos dias depois, outra milícia prendeu funcionários da Corte Criminal Internacional. Eles tinham visitado o filho do ex-ditador Saif Al-Islam, que está preso na cidade de Zintan desde novembro -um dos mais de 4.000 líbios presos por milícias no país.
O ativista de direitos humanos Hana Al-Gella admite que o país está em um ciclo vicioso. "Não estamos prontos para fazer eleições, mas precisamos de um governo legítimo para superar o caos", dia Al-Gella.
Os líbios aparentemente estão determinados a ter uma democracia. Cerca de 80% dos cidadãos aptos a votar se registraram como eleitores; 2.500 candidatos estão competindo assim como 1.200 representantes de mais de 140 partidos, que foram virtualmente estabelecidos da noite para o dia. Eles estão competindo por 200 assentos em um "quase parlamento" que vai ser eleito por 18 meses e terá duas metas: nomear o primeiro-ministro e uma comissão constitucional de 60 membros. Pareceria um bom começo, à primeira vista.
Contudo, um olhar mais cuidadoso revela alguns aspectos preocupantes. Em uma pesquisa conduzida pela Universidade de Oxford, um terço dos líbios entrevistados disse que preferiria ser governado por um homem forte. Muitos dos candidatos individuais são empresários ricos, enquanto outros são fachadas dos partidos, muitos representando a Irmandade Muçulmana, que também é vista como forte e bem organizada na Líbia.
Antes mesmo de ficar aparente como são fortes os partidos religiosos, e fracos os seculares, um conflito surgiu que pode ameaçar a própria eleição. O país consiste de três regiões: Tripolitania, no Oeste, Cyrenaica, no Oeste e Fezzan, no Sul. Os políticos no Leste se sentem pouco representados, porque terão apenas 60 assentos, enquanto 101 foram alocados para o Oeste. Na semana passada, um comboio de jipes carregando armas antiaéreas bloqueou a estrada costeira entre Trípoli e Benghazi. Os motoristas deixaram claro que a província oriental estava determinada e boicotar as eleições se suas demandas não fossem cumpridas.
Supressão da dissenção
Um desdobramento similar está ocorrendo no Iêmen, o quarto país na zona de emergência. No Iêmen, a linha de falha mais importante ocorre entre o Norte e o Sul, que era comunista até 1990 e no qual combatentes da Al Qaeda se infiltraram em tribos por meses. O sucessor do presidente Saleh conseguiu adiar o colapso iminente do país, mas o equilíbrio de poder no Iêmen é mais frágil do que no resto da região. O país mais pobre da península árabe não tem um instrumento de poder que seus vizinhos têm em abundância: dinheiro.
Os levantes do ano passado foram aterrorizadores para as famílias reais aparentemente inabaláveis da Arábia Saudita e das monarquias do Golfo. Elas ainda se beneficiam do fato que as pessoas não são tão rápidas em tomar as ruas contra os monarcas legítimos e conseguiram manter seus países calmos com aumentos salariais e programas de bem estar. Mas em locais onde isso não foi suficiente, como no Bahrein, os tanques tomaram às ruas.
Os governantes dos Emirados Árabes Unidos (EAU) também estão tratando com severidade sem precedentes qualquer um que até mesmo pense em causar problemas. Pelo menos 10 islamistas foram presos nos últimos dois meses, inclusive um membro da família governante do emirado de Ras Al-Khaimah.
Os EAU, que supostamente seriam um dos "parceiros estratégicos" oficiais da Alemanha, expulsaram a Fundação Konrad Adenauer, uma fundação política alemã ligada à União Democrática Cristã e reduziram a cooperação com organizações culturais ocidentais a um mínimo. No Kuwait, o emir dissolveu o parlamento. E qualquer um que imaginou que a morte do príncipe Nayef Bin Abdul-Aziz Al Saud, há duas semanas, promoveria uma liberalização política na Arábia Saudita desapontou-se.
Intocado pela inquietação
Os reis do Marrocos e da Jordânia conseguiram ficar no poder recorrendo à cosmética. Mohammed 6º emendou a constituição do Marrocos e determinou novas eleições, enquanto Abdullah 2º, da Jordânia, demitiu dois primeiros-ministros em um ano. Um terceiro primeiro-ministro renunciou, dizendo: "Fui chamado para dirigir o país, não para receber ordens do palácio".
A Jordânia, que faz fronteira com Israel, Cisjordânia, Síria, Iraque e Arábia Saudita, não é apenas pobre e cercada por vizinhos difíceis. Também tem um problema que, curiosamente, tem um efeito estabilizador: a competição entre os beduínos e os palestinos que controlam a economia, mas são politicamente marginalizados. Os beduínos, que dominam as forças armadas e os serviços de inteligência, estão se tornando mais pobres, porque seus salários não estão acompanhando o ritmo da inflação. Como resultado, membros palestinos da Irmandade muçulmana e ex-generais frustrados estão participando das mesmas manifestações em Amã -o que ajudou a garantir que quase não haja mortos.
Não foram apenas as monarquias, com a exceção do Bahrein, que permaneceram impressionantemente intocadas pela inquietação política. Cinco outros países na região estão em posição similar. Eles não compartilham a circunstância de serem controlados por dinastias com mais legitimidade do que autocratas que foram destituídos nas revoluções da região. O que têm em comum é outra experiência, que tem a mesma possibilidade de conter o desejo por mudança política radical.
"Uma pilha de cinzas não pode ser queimada"
A Argélia teve conflitos locais breves desde o início da crise. O desespero com o despotismo, a injustiça e a corrupção não é menos prevalecente na Argélia do que em outros países do Norte da África, mas não gera a força para que se levante contra as circunstâncias. A Argélia não está em chamas.
Mesmo antes das eleições em maio, o presidente, Abdelaziz Bouteflika, prometeu aumentar os salários para muitos grupos profissionais, assim como empréstimos livres de juros e empregos no governo para graduados desempregados. A Argélia, maior produtor de gás natural da África e terceiro maior fornecedor da Europa, é rica. Mas a Líbia que produz petróleo também era rica sob Gaddafi.
Não são as promessas que calam os 35 milhões de habitantes da Argélia, e sim a memória da guerra civil que irrompeu em 1992, depois que os argelinos elegeram um partido islâmico e foram punidos com um golpe militar como resultado. O conflito tomou cerca de 150.000 vidas. Os argelinos preferem aceitar o status quo, diz um operador de câmbio em um café em Argel, do que ver "cabeças decepadas nas ruas" novamente. "Uma pilha de cinzas não pode ser queimada", diz o poeta argelino Kamel Daoud.
No Iraque, milhares foram às ruas no início da Primavera Árabe para protestar contra a falsa democracia do primeiro-ministro Nouri Al Maliki, cujos serviços de segurança prendem e torturam à vontade. Mas os tanques rapidamente foram chamados para Bagdá, os manifestantes foram espancados e presos e os escritórios da mídia foram incendiados.
Contudo, o que teve maior impacto sobre a população foi a advertência do governo que havia suicidas entre os manifestantes. A memória dos horrores da guerra civil ainda está muito fresca no Iraque. Os manifestantes assustados fugiram como cachorros assustados. O Iraque tampouco está em chamas.
Memórias da guerra
Apesar do Líbano, Sudão e até o Irã diferirem da Argélia e do Iraque, suas populações têm na lembrança traumas similares. Quase não se encontra famílias em Beirute, na capital do Sudão do Sul, Juba, ou em Teerã que não tenha perdido pelo menos um membro em conflitos violentos nas últimas décadas, inclusive na guerra civil do Líbano (1975 a 1990), na inquietação no Sudão (1983 a 2005) e na Guerra Irã-Iraque, que irrompeu pouco depois da revolução iraniana.
O trauma da violência que permeia a história mais recente do Oriente Médio vai desenhar o futuro da revolução ainda mais do que a questão de legitimidade de seus governantes e todo o dinheiro que possam distribuir.
Como os oprimidos reagem à violência? Por décadas, as pessoas da região sucumbiram à violência. Se não fosse assim, os ditadores não teriam ficado no poder por tanto tempo. Mas eventualmente, cada conflito da região atingiu um ponto em que o medo mudou de lado e no qual o efeito da violência se reverteu. Em vez de produzir subjugação, gerou revolta. Aconteceu sob o xá do Irã em 1978, na Tunísia em 2011 -e agora está acontecendo na Síria.
Os que estão no poder muitas vezes não conseguem reconhecer isso e se convencem que só o que precisam fazer é aumentar a dose. Mas o equilíbrio entre o medo e a fúria é um fator crítico. Se houver pouco medo, talvez porque os últimos excessos de violência aconteceram há gerações, a centelha de revolução se incendeia mais facilmente. Mas se a experiência de horror for mais recente na memória da população, é mais provável que esta hesite, como é o caso na Argélia e no Iraque.
Lições da tragédia síria
Algumas vezes, o destino de um povo afeta a determinação de outros. Hoje, as mesmas imagens estão sendo observadas nas salas de estar e cafés de Casablanca a Dubai, enquanto milhões de árabes observam os eventos na Síria.
Como os horrores de Damasco vão influenciar o que acontece nos países vizinhos?
Para os oprimidos, a lição é: talvez o governo queira matar a todos. E para os governantes, a lição é: apesar de tudo, o povo não está desistindo.
No final, o sofrimento do povo sírio e a queda previsível de Bashar Assad podem promover uma mudança moderada em outras partes -porque os dois lados sabem o que está em jogo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
A Líbia está afundada em caos sim, pior do que está lá é difícil, trocentos grupos armados espalhados pelo país, perseguição racial etc...
ResponderExcluirDerrubar o Assad não será nada simples, a OTAN não quis entrar, provavelmente temendo se deparar perante uma guerra longa em país de pouco petróleo, a Síria não é Libia nem Iraque nem Afeganistão, tem um arsenal decente, além de que o Irã iria no mínimo manter fornecimento de armas... o Assad tem a minoria Alauita q sabe q está ferrada se ele cair, ás vinganças vão ser q nem na Síria, q democracia o cacete o pau vai é comer que nem está na Líbia, eleições quase todo mundo quer fazer porque rolam muita grana, dai respeitar direitos civis são outros 500... essa minoria vai continuar lutando, outra questão a artilharia síria até hoje não ouvi dizer q ninguém desertou carrengando foguetes, obuses etc..., guerrilha e ineficaz perante artilharia, a artilharia síria é de um tamanho bom comparado ao que vemos em muitos países, a Síria parece e q vai virar um novo Sudão isso sim, daqui 20 anos vão estar lá se matando.
ResponderExcluir