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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Governo alemão admite ter mandado destruir arquivos de inteligência sobre investigações de extremistas


À direita o ministro do Interior da Alemanha, Hans-Peter Friedrich

O Escritório para a Proteção da Constituição (BfV) da Alemanha, a agência de inteligência doméstica do país, reconheceu ter destruído arquivos adicionais ligados às investigações da cena extremista de direita. Um novo relatório da agência revela que seis arquivos das operações de interceptações secretas de comunicações foram destruídos em resposta a uma ordem, de 14 de novembro de 2011, do Ministério do Interior em Berlim.

A ordem foi dada poucos dias depois das revelações de que a célula terrorista de extrema direita conhecida como Clandestinidade Nacional Socialista (NSU) foi responsável pelo assassinato de seis pequenos empresários de origem turca e grega.

O novo incidente expõe novamente o estado aparentemente caótico da investigação do trio homicida de direita. Por semanas, o BfV esteve sob escrutínio público após a descoberta de que um alto funcionário da agência picou vários arquivos relacionados aos informantes da cena de extrema direita por iniciativa própria, apenas dias após a descoberta da célula NSU. O episódio, tratado pela imprensa alemã como “Caso Confete”, provocou a queda do diretor da agência, Heinz Fromm.

O BfV diz que os dois incidentes não estão relacionados e que os arquivos apagados não eram de grande importância. Segundo três relatórios da agência, todos obtidos pela “Spiegel Online”, nenhum dos dados perdidos continha informação relacionada ao trio da NSU. Os relatórios dizem que os arquivos tratavam de investigações separadas da cena de extrema direita. Ainda assim, o reconhecimento e o momento da eliminação dos documentos provavelmente provocará novo questionamento sobre o profissionalismo da agência e a eficácia de seus líderes.

O Ministério do Interior da Alemanha, que supervisiona o BfV, alega que a destruição de documentos é uma prática rotineira e justificada, segundo as regras que regem por quanto tempo documentos de vigilância podem ser guardados. O fato de os arquivos terem sido destruídos logo após a descoberta do trio da NSU, diz o ministério, é mera coincidência --uma alegação aparentemente corroborada pelo fato do Ministério do Interior ter informado por conta própria, no início desta semana, sobre a eliminação dos documentos ao comitê parlamentar que investiga o Caso Confete.

A maior crise em sua história
Os novos relatórios da agência seriam discutidos em uma sessão especial do comitê parlamentar na manhã de quinta-feira. O ministro do Interior, Hans-Peter Friedrich, deverá falar ao comitê sobre os arquivos destruídos. Friedrich repetiu na quarta-feira (18) seu compromisso com uma ampla investigação sobre a forma como o BfV lidou com o caso de terror de extrema direita. Meses de revelações sobre sérios erros do BfV durante sua investigação da série de homicídios --que durou de 2000 a 2007-- deixaram a agência na maior crise de sua história.

Segundo documentos da agência, os arquivos destruídos tratavam de seis operações de vigilância na cena de extrema direita. Um tratava da formação de um grupo de extrema direita que visava adversários políticos no Estado de Brandemburgo. Outro se concentrava em um grupo separado, criado para distribuir propaganda de extrema direita. E outro tratava de um possível evento de um apresentador extremista de direita, Horst Mahler, que planejava a leitura de um manifesto no antigo campo de concentração de Auschwitz, em meados de 2003. O trio da NSU não esteve envolvido nem nenhuma das operações de vigilância.

A pesquisa do BfV também expõe as circunstâncias que cercaram a súbita renúncia na semana passada de Reinhard Boos, o chefe de inteligência doméstica do Estado da Saxônia, no leste. Boos pediu para ser substituído em 1º de agosto, após virem à tona transcrições de conversas telefônicas dentro da cena de extrema direita, grampeada por sua agência em 1998. As transcrições colocaram enorme pressão sobre Boos, que tinha garantido anteriormente ao Parlamento estadual da Saxônia que o comitê estadual de investigação responsável tinha fornecido todos os documentos relevantes.

Os documentos na Saxônia incluíam 163 páginas de transcrições dos grampos do BfV de conversas entre membros suspeitos da banda de rock neonazista “Landser”, a primeira banda a ser classificada como uma organização criminosa pelo Tribunal Federal de Justiça da Alemanha. As conversas foram gravadas entre junho de 1998 e abril de 1999. Mas, por seis meses, as atividades de vigilância se concentraram em Jan W., que foi brevemente suspeito de fornecer armas ao trio terrorista. Mas autoridades do BfV disseram não ter encontrado qualquer evidência apontando para envolvimento da NSU e que só conseguiram determinar que W. estava vendendo CDs proibidos do Landser.

Cada vez mais embaraçoso
Como parte de suas operações de interceptação de comunicações, os investigadores estavam interessados em reunir informação sobre o trio clandestino NSU, que posteriormente realizaria sua série de homicídios pela Alemanha. Após receberem a dica de um informante de seus colegas de inteligência no Estado de Brandemburgo, de que Jan W., um neonazista de Chemnitz, podia estar em contato com os três extremistas que escaparam do radar, as autoridades na Saxônia decidiram também grampear W.

Mas eles souberam por autoridades do BfV que W. já estava sob vigilância, por sua afiliação ao Landser como parte de uma operação conhecida como “AO 774”. As autoridades federais forneceram aos seus colegas na Saxônia várias transcrições de suas interceptações de comunicações.

Para as autoridades de inteligência, as investigações dos arquivos se tornaram cada vez mais embaraçosas. Os documentos deixavam claro quão caótico se tornaram o expurgo e troca de arquivos. Isso resultou, por exemplo, em discrepâncias entre a lista de arquivos que as autoridades do BfV enviaram para a Saxônia e a lista daqueles que chegaram lá.

Esses novos relatórios podem muito bem levar os parlamentares do comitê investigativo a se perguntarem se arquivos adicionais, com possível relevância ao trio da NSU, também podem ter sido destruídos. Uma lista dos arquivos apagados indica que um número comparativamente grande de dossiês ligados ao extremismo de direita foi destruído após o ressurgimento da célula terrorista. A lista diz que ocorreram sete casos de destruição de documentos em novembro de 2011, 12 em dezembro e mais sete no início de 2012.

Por sua vez, o BfV não vê esses casos recém-descobertos de destruição de documentos como erros. Em vez disso, ele os apresenta como casos rotineiros de descarte de arquivos. Em um documento assinado por Fromm, o diretor de saída do BfV, a organização aponta que, dada a ligação potencial de Jan W. com o trio da NSU, ela enviou duas transcrições adicionais não editadas para o Estado da Turíngia, com pistas apontando para um possível esconderijo secreto do trio. O documento não dá indicação de como ou se essas pistas potencialmente significativas foram usadas.

Por ora, o BfV suspendeu a destruição de arquivos adicionais ligados a operações semelhantes de vigilância. Em seu briefing sobre os novos relatórios, Fromm escreve que, em 4 de julho de 2012 e “por iniciativa própria”, seu escritório ordenou a suspensão da destruição de quaisquer dossiês ligados a investigações de extremistas de direita.

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