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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Hollande diante das armadilhas da História: na França, evocar o passado é exercício de alto risco


A História, para um líder político, é um campo minado. Nicolas Sarkozy sabe uma ou duas coisas a respeito disso. Durante seu mandato, foram raras suas incursões à terra de Clio que não causaram polêmica: vêm à memória, entre outras coisas, debates que se seguiram à sua ideia de implementar nos colégios a leitura da última carta do resistente Guy Môquet, sua proposta de “confiar a cada aluno do CM2 [alunos na faixa dos 11 anos] a memória de uma criança vítima do Holocausto” ou ainda sua vontade de criar uma Casa da História da França que visasse “reforçar a identidade que é a nossa, a identidade cultural”.

Já François Hollande certamente terá uma relação diferente com o passado. Seu estilo, menos  efervescente que o de seu antecessor, prevê um mandato com poucas iniciativas estrondosas nesse domínio. Não importa. Apesar de sua prudência e de seu gosto pela História, especialmente a da Terceira República, o chefe do Estado sabe: evocar o passado, quando se preside a França, é um exercício de alto risco.

Ele pôde perceber isso por duas vezes, já. A primeira foi em 15 de maio, dia de sua posse. Para seu primeiro discurso pronunciado fora do Palácio do Eliseu, Hollande havia optado por prestar uma homenagem a Jules Ferry (1832-1893). Foi uma escolha criticada. Tanto à esquerda quanto à direita, houve quem lembrasse que o pai da escola gratuita, laica e obrigatória também havia sido um defensor ferrenho da colonização, convicto de que “as raças superiores (...) têm o dever de civilizar as raças inferiores”. O presidente ouviu. Em seu discurso, ele mencionou as “aberrações políticas” de Ferry: “Sua defesa da colonização foi uma falha moral e política”, ele diz. A polêmica, dessa maneira, foi cortada pela raiz.

Nos últimos dias, Hollande pôde novamente constatar que a História continua sendo uma “paixão francesa”, como se costuma dizer. Sua decisão de fazer um discurso para a comemoração do episódio do Velódromo de Inverno --desde Jacques Chirac, em 1995, essa foi a primeira vez em que um presidente o fez-- aguçou as expectativas. Duas semanas antes de sua intervenção, Serge Klarsfeld, presidente da Associação dos Filhos de Deportados Judeus da França, perguntou no “Le Monde” se o herdeiro político de François Mitterrand “confirmaria a visão de Chirac”, a saber: o reconhecimento da responsabilidade da França no Holocausto. No domingo (22), Hollande o tranquilizou. Mas, ao dizer que “o crime foi cometido na França, pela França”, ele atraiu a fúria dos arautos do soberanismo, tais como Henri Guaino ou Jean-Pierre Chevènement, para quem a responsabilidade de Vichy não envolve a França inteira.

No entanto, em comparação com o que espera por Hollande, as críticas que acompanharam sua homenagem a Jules Ferry e seu discurso do Velódromo de Inverno provavelmente parecerão brandas. Até 2017, três questões históricas e memoriais bem mais delicadas aguardam o chefe do Estado.

A primeira, por ordem crescente de intensidade, diz respeito à Grande Guerra, cujo centenário será celebrado em 2014. A julgar pela proliferação editorial dos últimos anos, tanto historiográfica quanto literária, pelo número de visitantes que continuam a percorrer os antigos campos de batalha e os museus dedicados ao tema da Primeira Guerra, tudo leva a crer que a comemoração terá uma verdadeira dimensão popular, como aconteceu com o bicentenário da Revolução Francesa, em 1989. Só que esse conflito continua a causar polêmica. Entre os historiadores, as controvérsias redobraram de intensidade nos últimos anos, e, fora do campo acadêmico, um assunto permanece espinhoso: a absolvição dos fuzilados. Só que Hollande sabe que a questão é potencialmente explosiva: ele liderava o Partido Socialista quando, em 1998, Lionel Jospin declarou que os “fuzilados como exemplos” deviam “reintegrar plenamente nossa memória coletiva nacional”. Na época, o primeiro-ministro foi vilipendiado por parte da direita.

Outra questão delicada: o genocídio dos armênios, cujo centenário cairá em 2015, e cuja negação Hollande prometeu criminalizar. Só que, para isso, ele terá de se deparar com três dificuldades. A primeira é jurídica: em fevereiro, o Conselho Constitucional censurou uma lei votada nesse sentido. A segunda é política: tanto à direita quanto à esquerda, não há consenso quanto à conveniência de tal texto. A terceira é diplomática: num momento em que a França vem tentando se reaproximar da Turquia, Hollande deverá empregar muita diplomacia para que tal lei não envenene suas relações com Ancara.

Por fim, a última questão: a guerra da Argélia. É ao mesmo tempo a mais urgente e a mais explosiva. A mais urgente porque 2012 é o ano do cinquentenário da independência e a França, até agora, não comemorou nada oficialmente. A mais explosiva porque o assunto, além de continuar sendo um pomo da discórdia entre a França e a Argélia, interessa diretamente a milhões de pessoas que têm relações às vezes diametralmente opostas com esse passado: como falar ao mesmo tempo aos 1,1 milhão de ex-combatentes franceses, aos pieds-noirs [franceses originários das colônias argelinas], aos harkis [muçulmanos argelinos que lutaram do lado da França] e também aos cidadãos franceses de origem argelina, cujos pais lutaram pela independência?

Diante de uma “fragmentação das memórias que se agravou consideravelmente nos últimos anos”, segundo o historiador Benjamin Stora, Hollande sabe que seus posicionamentos a respeito da guerra da Argélia podem causar polêmica dos dois lados do Mediterrâneo. Para aquele que fez da “reunião” um de seus objetivos, os desafios que o aguardam no cenário histórico-memorial não serão os mais fáceis de encarar.

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