Tunísia: o fracasso dos modernistas
Desde 2006 e a vitória do Hamas em Gaza, em um contexto particular, os islamitas não venciam eleições. Na Tunísia, eles venceram com grande vantagem nas primeiras eleições livres organizadas no dia 23 de outubro para designar uma Assembleia Constituinte. O Ennahda, com 41,7% das cadeiras, pode não ter a maioria absoluta, mas ele domina a “nova Tunísia”, como seus dirigentes gostam de ressaltar, e dirigirá o futuro governo provisório.
Após trinta anos de reino autoritário de Habib Bourguiba, pai da independência tunisiana e laico assumido, e mais 23 anos de ditadura de Zine El-Abidine Ben Ali, o partido islâmico apareceu como alternativa “natural”. As classes populares não foram as únicas a colocar suas cédulas na urna; na comunidade tunisiana em Paris, bem como no subúrbio chique de Túnis, homens e mulheres, com formação universitária, votaram nas chapas do Ennahda.
No entanto... os islamitas não foram os responsáveis pelo levante popular que colocou um fim, no dia 14 de janeiro, ao antigo regime, provocando a fuga de Zine El-Abidine Ben Ali para a Arábia Saudita. Como muitos, eles viram como espectadores os tumultos dos jovens no centro do país, no dia 17 de dezembro de 2010, em Sidi Buzid, e depois em Kasserine e Thala. Como outros, como a burguesia, eles esperaram até meados de janeiro para se juntarem, incrédulos, às procissões. Eles vieram, aos poucos, misturar-se aos manifestantes na Praça da Kasbah, em Túnis. Em segundo plano.
Tampouco foram os islamitas, apesar de 300 mil deles estarem presos, que durante anos representaram no cenário internacional a voz da oposição. Em 1988, o líder do Movimento da Tendência Islamita (MTI, ancestral do Ennahda), Rashid Ghannushi, perdoado pelo ex-presidente Ben Ali após sua primeira condenação a trabalhos forçados perpétuos, chegou a exprimir sua “confiança” no dirigente tunisiano, antes de se ver obrigado a se exilar.
Em Bruxelas, Paris ou Washington, foram sobretudo os modernistas, laicos e de esquerda, que combateram o regime de Túnis tanto do lado de dentro como do de fora, e denunciou a censura e as torturas. Em Paris: Kamel Jendoubi, opositor privado de passaporte durante dez anos, Souhayr Belhassen, presidente da Federação Internacional dos Direitos Humanos; em Túnis: o ex-deputado Khamais Chammari ou a advogada Radhia Nasraoui, que teve uma filha na clandestinidade com seu marido, Hamma Hammami, porta-voz do Partido Operário Comunista Tunisiano (POCT)...
Políticos engajados como Ahmed Nejib Chebbi, líder do Partido Democrata Progressista (PDP), que por duas vezes fez greve de fome, em 2005 e em 2007, ou Mustapha Ben Jaafar, presidente desde 1994 do Fórum Democrático para o Trabalho e as Liberdades (FDTL, “Ettakatol” em árabe), candidatos afastados da eleição presidencial, também tentaram desafiar o governo de Zine El-Abidine Ben Ali.
Após a queda do antigo regime de Cartago, foram ainda os modernistas que estiveram nos postos avançados da primeira fase da transição democrática. Eles que impuseram o cronograma, as listas paritárias – únicas no mundo árabe e além - , o sistema de votação proporcional, as regras de financiamento, reformaram as leis eleitorais, da imprensa e dos partidos. O Ennahda pode ter participado dos trabalhos, mas como ator em segundo plano.
Tudo mudou com a campanha. Incapazes de se entender, seguros demais de si, os modernistas rejeitaram a ideia de uma chapa comum para a eleição da Assembleia Constituinte que teria colocado a dinâmica do seu lado. Em vez disso, as ambições pessoais de uns e outros avivaram as rivalidades e confundiram as mensagens. Ao longo das semanas, esses partidos se deixaram fechar em um debate identitário do qual nunca souberam se distanciar, fosse conciliando interesses contraditórios, fosse se indignando a ponto de fazer do Ennahda o principal assunto de discussão.
E enquanto o partido islamita reavivava em todo o país suas antigas redes de militantes, enfraquecidos mas disciplinados, os modernistas ignoraram regiões inteiras e seus habitantes, que enfrentavam as piores dificuldades econômicas e sociais. Seus comícios em panelinhas, com a participação de intelectuais e artistas tunisianos de renome, poderiam muito bem ter acontecido tanto na Mutualité de Paris [centro de eventos] quanto na Academia de Túnis.
Foi somente nos últimos dias que as forças progressistas tentaram reverter a tendência, aumentando o número de operações porta a porta, mas era tarde demais. Em pânico, alguns chegaram a enviar SMS aos membros da comissão eleitoral para lhes pedir, com o ar mais sério do mundo, para adiar por uma semana a eleição...
O castigo hoje é cruel. O PDP de Nejib Chebbi afundou. O Ettakatol de Mustapha Ben Jafaar chegou somente em quarto lugar, atrás do Congresso para a República (CPR, nacionalistas de esquerda) e do riquíssimo empresário de Londres, Hachemi Hamdi, que teve parte das listas populistas invalidada. O Polo Democrático e Modernista (PDM) levou somente 5 cadeiras. E agora é a questão da aliança com o Ennahda para governar que está gerando discussão: exceto pelo PDP, que excluiu essa hipótese, em outras partes as discussões andam de vento em popa.
Não, os partidos modernistas não estavam bem posicionados para vencer essa primeira eleição.
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