Memorial com nomes das vítimas do atentado de 11 de setembro, em Nova York |
Em um dia em maio de 2010, um dos criminosos mais procurados do mundo apareceu em Mir Ali, cidade no coração da região sem lei do Waziristão, no Paquistão. Ele mancava muito e estava acompanhado da mulher e dos filhos. Juntos, estavam procurando uma casa onde alguns alemães moravam há um tempo. Os homens tinham vindo de Hamburgo para entrar para a jihad e lutar. A notícia se espalhou por Mir Ali que eles estavam ali, neste meio de cultura de islâmicos militantes perto da fronteira com o Afeganistão.
Quando o visitante manco encontrou a casa dos jihadistas alemães, eles rapidamente começaram a conversar. O visitante também era de Hamburgo. Seu nome era Said Bahaji, e foi um dos conspiradores dos ataques de 11 de setembro de 2011. Sua foto de procurado está nos aeroportos e estações de trem e no site do Escritório Federal de Investigação Criminal Alemão (BKA). A imagem revela um jovem pálido, sério, com lábios curvados, barba cuidadosamente aparada e cabelo preto penteado para trás.
Em Mir Ali, os alemães começaram a conversar agradavelmente, como se estivessem sentados em torno de uma fogueira, com muito romantismo revolucionário. Bahaji contou que vinha viajando sem identificação após ter tido que abandonar seus documentos alemães por ocasião de um ataque aéreo norte-americano, que forçou a fuga dos combatentes em terra. De fato, as tropas paquistanesas encontraram o passaporte do fugitivo em 2009, em uma cabana de terra abandonada em uma aldeia do Waziristão.
Bahaji ficou em Mir Ali por um longo tempo neste dia em particular. Parecia que estava com saudades da companhia de pessoas que, como ele, eram da Alemanha. Ele só saiu da casa à noite, com a mulher e os filhos –e desapareceu sem deixar traços novamente na terra de ninguém que é a fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão.
Um dos últimos fugitivos
Said Bahaji, 36, é um dos últimos fugitivos que restam da célula da Al Qaeda em Hamburgo, que lançou uma onda de terror no mundo. Ele deixou a Alemanha oito dias antes da “Operação Terça-feira Santa”, como era chamado o plano de 11 de setembro entre os operadores da Al Qaeda. Seus amigos, os pilotos suicidas liderados por Mohammed Atta, estão mortos –assim como o cabeça da Al Qaeda, Osama Bin Laden. Os principais planejadores do ataque, Khalid Sheikh Mohammed e seu assistente, Ramzi Binalshibh, estão presos em Guantánamo, e o recrutador da Al Qaeda Moammed Zammar está na prisão em Damasco.
Bahaji é um fenômeno fascinante. Ele conseguiu subsistir e sobreviver nas montanhas do Waziristão por 10 anos, em uma das regiões mais perigosas do mundo. Ele sobreviveu à batalha pelo Afeganistão, onde combateu os americanos ao lado de Bin Laden. Ele escapou de ataques de aviões não tripulados, das forças especiais da CIA e dos investigadores do BKA, que o caçaram todos esses anos –e que ficaram eletrizados quando souberam do encontro em Mir Ali.
O testemunho vem de Rami Makanesi, alemão de origem síria que foi preso em junho de 2010 no Paquistão e hoje está cumprindo sentença de prisão por quatro anos e nove meses na cidade alemã de Weiterstadt. Após sua prisão, Makanesi tornou-se uma importante testemunha. Ele forneceu informações sobre a estrutura da Al Qaeda e também sobre Bahaji e sua família. Suas declarações foram suplementadas por Ahmad Sidiqi, outro islâmico que foi preso mais tarde e que estivera no Waziristão na época e encontrou-se com Bahaji em duas ocasiões. As informações fornecidas por Makanesi e Sidiqi são as mais recentes adições ao arquivo de investigação BJs67/01-5, que o BKA mantém sobre Bahaji.
Bahaji nasceu em 1975 e foi criado em duas culturas, na Alemanha e no Marrocos. Ele passou a maior parte da infância na pequena cidade de Haselünne, no Estado do Norte da Alemanha da Baixa Saxônia. Sua mãe, Anneliese, que se casou com um marroquino em 1974, o chamava afetuosamente de Saidchen (“pequeno Said”, em alemão). Seu pai tinha uma boate perto de Cloppenburg e servia cerveja no bar, mas os negócios não foram bem. Quando Bahaji tinha nove anos de idade, toda a família, inclusive o pastor alemão de estimação, mudou-se para a cidade marroquina de Meknes. Foi apenas em 1995, após se graduar no ensino médio, que ele voltou para o Norte da Alemanha e inscreveu-se na Universidade Técnica em Hamburgo-Harburgo como aluno de engenharia elétrica, concentrando-se em ciências da computação. Ele conheceu Ramzi Binalshibh e Mohammed Atta, os homens que mais tarde se tornariam líderes da célula de Hamburgo.
Colegas na jihad
O funcionamento interno da Al Qaeda alemã já foi bem estabelecido. Atta, que eles chamavam de Amir, ou seja, “líder”, era o chefe, enquanto Binalshibh, que não conseguiu visto para os EUA, servia de elo com a liderança da Al Qaeda no Afeganistão. Ziad Jarrah e Marwan al-Shehhi foram selecionados como pilotos.
Quanto a Bahaji, a mídia e os investigadores o chamaram de responsável pela “logística do terror”. Ele era o contador de Marienstrasse 54, em Hamburgo, prédio que abrigava o apartamento em que Atta reunia seus seguidores mais leais. Bahaji morou ali por quase um ano, até julho de 1999. Ele negociava com o senhorio e assegurava-se de que tudo estivesse em ordem com o aluguel, para que não atraíssem atenção indesejada, e montou arquivos para seus colegas usarem em seu computador.
Uma série de momentos na gênese de 11 de setembro foram decisivos para o sucesso ou fracasso da Operação Terça-feira Santa. Um deles foi uma quarta-feira em fevereiro de 1999, nove meses antes de os pilotos suicidas se dirigirem para um campo de treinamento no Afeganistão. Este foi o dia em que agentes trabalhando para o Escritório de Proteção da Constituição, agência de inteligência doméstica da Alemanha, ficaram sabendo o apartamento em Marienstrasse e ouviram falar de Bahaji, Atta e Binashibh.
Às 20h48 houve um telefonema entre a mulher e o pai de Mohammed Zammar, cidadão alemão nascido na Síria que morava em Hamburgo, que os investigadores estavam vigiando porque era recrutador conhecido de voluntários para a jihad. Autoridades alemãs tinham grampeado o telefone dele.
Zammar não estava em casa, disse o pai à nora, acrescentando que ele estava em Marienstrasse, no apartamento “dessa gente”, “um se chamava Said, outro Mohammed Amir”. Ele disse que Zammar responderia no telefone 76 75 18 30 –número listado sob o nome de Bahaji.
Assim, os investigadores foram apresentados ao coração do que se tornaria a célula de Hamburgo. Eles ouviram os nomes “Said”, “Marwan” e “Amir” –que nada significavam para eles.
Produtos de satã
Os investigadores também perderam um importante casamento no dia 9 de outubro de 1999, quando o braço alemão da Al Qaeda reuniu-se na mesquita Al-Quds em Hamburgo.
Os homens estavam reunidos no salão da mesquita, as mulheres na sala adjacente. Eles estavam celebrando o casamento de Bahaji. Há uma foto da festa de casamento, naturalmente mostrando apenas os homens, arrumados em três fileiras, como em uma foto para a escola. Este retrato inclui Atta e Binalshibh.
O ambiente era alegre na mesquita de Al-Quds. Binalshibh declarou que Jerusalém tinha que ser liberado dos judeus. Ele começou a cantar canções jihadistas, e Marwan al-Shehhi o acompanhou. Investigadores assistiram a tudo isso depois, tarde demais, quando encontraram um vídeo do casamento.
Bahaji tinha mudado desde que voltara do Marrocos para a Alemanha. Sua interpretação do islã agora era tão radical que sua irmã pediu a um de seus professores que exercesse uma influência moderadora sobre Bahaji. Said tinha se transformado em um fanático religioso que exortava a família a não beber Coca-Cola e não fumar Marlboro porque eram produtos de satã.
A família de sua futura mulher também observou o dogmatismo religioso. “Raspe a barba, você parece um velho”, disse seu sogro. Bahaji ignorou o pedido. Quando ele pregou para uma prima da mãe que esmalte e álcool não eram adequados para as mulheres, ela o expulsou de casa. Bahaji apenas sorriu, levantou-se e partiu.
Ele pediu à administração da universidade uma sala “como a dos nossos colegas protestantes”, escreveu. Ele disse que ter um grupo de estudos islâmicos seria um “sinal de tolerância”. Quando os calouros se reuniram para uma sessão plenária, ele falou sobre o grupo de estudos islâmicos que havia estabelecido com Atta e Binalshibh. Um aluno perguntou: “Isso é sobre o que? Fundamentalismo?” “É claro”, respondeu Bahaji sorrindo, “mas fique a vontade para aparecer, não estamos construindo bombas aqui”.
“Nunca planejamos um ataque”
De acordo com os primeiros relatórios do BKA, Bahaji “foi identificado como o especialista em logística dos atacantes”, mas ele negou repetidamente conhecer os planos da “Terça-feira Santa”. Após esconder-se, ele escreveu a sua mulher que “realmente não tinha conhecimento de 11 de setembro”. No dia 26 de abril de 2002, ele enviou uma carta à sua mãe, Anneliese, na qual ofereceu a seguinte explicação: “Tivemos bons momentos em Marienstrasse 54, mas nunca planejamos um ataque”. Devido a “alegações do Escritório Federal de Investigação Criminal” ele escreveu que teve que “silenciosamente esconder-se”.
Os investigadores veem isso como tentativa de apagar seu papel na conspiração. Quando Bahaji fugiu para o Paquistão, no dia 3 de setembro de 2001, supostamente para começar um estágio em uma empresa de software em Karachi, os ataques ainda não tinham ocorrido e ele não era um homem procurado. Ainda assim, jovens da Al Qaeda disseram que viram Bahaji em campos da Al Qaeda em Kandahar e Cabul no Afeganistão logo após 11 de setembro.
Quando chegou à região, Bahaji mergulhou profundamente no mundo islâmico. Quando os americanos atacaram o Taleban e a Al Qaeda no Afeganistão, em outubro de 2001, Bahaji lutou ao lado de Bin Laden.
No voo de Hamburgo para Karachi, ele deixou sua antiga identidade. Não mais se chamava Said Bahaji, e sim Abu Zuhair. Um islâmico que mais tarde voltou à Alemanha contou de um ferimento na perna que Bahaji sofreu em uma batalha e curou com mel, remédio que também recomendou à esposa em Hamburgo. “Vivenciei um milagre do mel em meu próprio corpo”, escreveu em março de 2004, em um e-mail. “O processo de cura talvez demore um pouco mais, mas ocorre muito naturalmente.”
Casamento termina em divórcio
O relacionamento entre o terrorista no Afeganistão e sua mulher na Alemanha levou a uma crise matrimonial que se desdobrou diante dos olhos dos investigadores. Sua mulher, que ocasionalmente usava um véu preto quando andava por Hamburgo, reclamou de como ela e seu filho eram vistos. Ela falou de “influências satânicas e maçônicas” entre os “kuffar” (“infiéis”). “Sei que a vida entre os kuffar é horrenda!”, foi a resposta de Abu Zuhair, como seu marido se chamava agora. “Por isso que saí em busca de um lar melhor! E só o que posso dizer é que encontrei o lugar ideal e você deve esquecer tudo o que ouviu na mídia.”
Ele fazia ameaças gentis, advertindo que ela não deveria permitir música no apartamento porque as influências ocidentais decadentes poderiam afetar seu filho. Ele chamava os alemães de “macacos” e a polícia de “macacos dos macacos”. Ele queria que a mulher e o filho viessem morar com ele; o plano era que viajassem ao Paquistão via Turquia. Foi uma correspondência angustiada do casal, separado por 5.000 km e uma guerra – e foi angustiante para os investigadores que estavam caçando Bahaji, mas nunca conseguiam localizá-lo a tempo.
Em março de 2006, o casamento terminou em divórcio. “Leve-nos a você”, advertiu a mulher apresentando a alternativa: “Diga as palavras: divorcio-me de você.”
De acordo com Rami Makanesi, Said Bahaji apareceu no Waziristão no verão de 2010 acompanhado de uma espanhola que aparentemente era sua nova esposa, com quem ele teve vários filhos. Parece que Bahaji não apenas deixou a Alemanha para trás, mas também seu relacionamento com a mãe de seu primogênito. Ainda assim, ele sente falta do filho, como disse a Sidiqi. Os dois se conhecem desde os tempos de Hamburgo.
Um indivíduo “respeitado”
Quando a polícia alemã entrevistou Makanesi, em outubro de 2010, na prisão de Weiterstadt, os investigadores tinham uma coleção de fotos de suspeitos da Al Qaeda. A foto número 24 era de Bahaji.
“Ele agora está completamente diferente”, disse Makanesi. “Ele tem barba longa e cabelo mais comprido”. Bahaji não pode ser descrito como “xeque”, diz Makanesi porque não é um dos líderes. Ele é apenas “uma pessoa respeitada, que está envolvido há tanto tempo”, e porque ele vivenciou a ocupação americana em primeira mão.
Makanesi e Sidiqi também têm outras notícias: Bahaji tornou-se a voz da jihad. Ele está trabalhando na Al Sahab, empresa de produção da mídia de Al Qaeda, que cria filmes de propaganda. “Ele lê alto os textos em árabe”, diz Makanesi. Sidiqi acrescenta que Abu Zuhari também é responsável pela infraestrutura técnica da Al Sahab.
Parece que Bahaji pretende continuar a dedicar sua vida à Al Qaeda, pelo tempo que puder fugir de seus perseguidores. A única diferença é que o menino de Haselünne parece não estar mais lutando com armas, e sim com palavras.
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