Nabil Elaraby |
Pergunta: A Líbia já se libertou do governo autocrático de Muammar Gaddafi. As tensões na Síria, enquanto isso, já levaram mais vidas civis do que as revoluções do Egito e da Tunísia combinadas, e ainda assim a Liga Árabe está se contendo. Por que vocês estão sendo tão gentis com o regime sírio?
Elaraby: A Síria não é a Líbia. A Líbia sempre foi muito isolada. O que acontecia ali tinha pouco efeito nos países vizinhos. É uma situação completamente diferente da Síria. O país detém uma posição chave na região. O que acontece ali tem um impacto direto sobre o Líbano e o Iraque. Além disso, Gaddafi usou armas pesadas desde o início, mas Assad, não.
Pergunta: Ainda assim, tanques estão sendo empregados em Hama, Homs e Latakia há algum tempo.
Elaraby: Quando fui à Síria, 10 dias após assumir o cargo, eles também tentaram me dizer que não tinha havido conflitos em Aleppo e em Damasco. Eles me disseram que só haviam ocorrido tiroteios nas poucas cidades de fronteira, porque os rebeldes haviam atirado contra as forças de segurança.
Pergunta: Isso, é claro, está longe da verdade.
Elaraby: Eu transmiti uma mensagem clara e sem ambiguidades ao (presidente sírio) Bashar Assad. Pedi a ele que instituísse reformas, parasse a violência e facilitasse uma transição pacífica para uma nova era.
Pergunta: Estamos ouvindo isso pela primeira vez.
Elaraby: Era uma questão delicada, que eu não podia tornar pública na época. Assad me prometeu que ia introduzir mudanças. Mas agora, quase dois meses se passaram, e não vejo nenhuma reforma.
Pergunta: O que vocês estão pedindo? Troca de regime?
Elaraby: Isso é algo para o povo sírio decidir. Ninguém pode ditar para uma nação soberana como ela deve mudar.
Pergunta: O que teria que acontecer para a Liga tomar uma posição mais dura contra o regime sírio, como fez na Líbia?
Elaraby: As coisas ainda estão em fluxo. Somente a ONU tem o direito de tomar decisões sobre o uso da força. Nem a Liga Árabe tem mandato para provocar uma mudança à força em um Estado membro.
Pergunta: Ainda assim, a Liga Árabe já tomou iniciativas militares, no passado. Em 1961, por exemplo, enviou uma força especial para o Kuwait para protegê-lo de uma invasão iraquiana iminente. Vocês não precisam de um tipo de tropa, como a força de paz da ONU?
Elaraby: Face à maioria dentero da Liga, não acho isso realista. Mas eu insisto na defesa dos direitos humanos. As pessoas, os cidadãos, têm que ser protegidos, e não apenas na Síria.
Pergunta: Muitos árabes agora acham que a sua instituição não é muito eficiente.
Elaraby: O momento histórico de mudança dominou toda a região e, cedo ou tarde, vai mudar todos os países árabes. A Liga certamente vai precisar se ajustar a isso. Nós precisamos ser capazes de reagir rapidamente a desdobramentos inesperados.
Pergunta: Dificilmente alguns estados membros, mais notavelmente a Arábia Saudita, vão apoiar essas mudanças.
Elaraby: Eu também tenho minhas dúvidas. Ainda assim, temos que tentar e temos que levar a sério os direitos humanos estabelecidos pela ONU, que todos os países na Liga reconheceram.
Pergunta: Como o ministro de relações exteriores da Arábia Saudita explica que seu país apoia a oposição síria, por um lado, enquanto ao mesmo tempo envia tropas para o Bahrein?
Elaraby: Não faço essas perguntas a ele. Esse é o papel de vocês, que são jornalistas.
Pergunta: Vocês apoiam a Autoridade Autônoma Palestina em seu desejo que a Assembleia Geral da ONU dê suas bênçãos em setembro ao estabelecimento de um Estado Palestino?
Elaraby: A Resolução 181 da ONU, adotada em 1947, é a certidão de nascimento de duas nações, Israel e Palestina. O que há de errado nos palestinos apelarem diretamente à ONU, após 20 anos de negociações com Israel? Eles poderiam passar outros 20 anos negociando sem resultados, porque o governo israelense não quer nem pôr um fim ao conflito. Os israelenses só querem conquistar mais terras e expandir os assentamentos.
Pergunta: Vocês apoiam a iniciativa palestina?
Elaraby: Apoiar? Estamos fazendo tudo em nosso poder para patrociná-la.
Pergunta: Os americanos ameaçaram com duras consequências...
Elaraby: Essa posição é inaceitável para nós! O país mais rico e forte do mundo é incapaz de fazer um compromisso. Em vez disso, é alguém em Tel Aviv ou Jerusalém que está dizendo a eles o que fazer.
Pergunta: Essa postura não gerará tensões entre a Liga Árabe e os Estados Unidos?
Elaraby: Espero que não chegue a isso. Se os americanos tivessem cumprido as promessas que fizeram há muitos anos e tivessem forçado os israelenses a se engajarem em negociações sérias, o problema teria já sido resolvido.
Pergunta: O governo alemão também anunciou que não vai apoiar o plano palestino.
Elaraby: Ouvi o que (a chanceler alemã) Angela Merkel disse. Ela citou a responsabilidade única dos alemães perante os judeus. Mas os alemães também têm uma responsabilidade com os palestinos.
Pergunta: O grupo radical islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, tampouco reconhece Israel.
Elaraby: E Israel reconheceu o Hamas? Esse tipo de coisa se baseia na reciprocidade.
Pergunta: Mas são os islâmicos na Faixa de Gaza que estão atirando foguetes contra as cidades israelenses.
Elaraby: Isso não deveria estar acontecendo. Está errado, e dizemos isso a eles. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, constantemente implora a eles para pararem de aceitar o lançamento de foguetes. O fato é que há extremistas dos dois lados.
Pergunta: Haverá outra guerra entre um país árabe e Israel por causa da Palestina?
Elaraby: Completamente fora de questão.
Pergunta: O senhor assumiu o cargo de secretário-geral há dois meses, durante uma época turbulenta. Existe a possibilidade do senhor renunciar, se a pressão tornar-se intolerável?
Elaraby: Sim, com certeza. É da minha natureza. De fato, não tenho certeza se aguentarei muito tempo ainda.
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