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terça-feira, 5 de outubro de 2010

"O Paquistão sempre é considerado temerário", diz ex-presidente Pervez Musharraf

O Paquistão treinou grupos militantes clandestinos para lutar contra a Índia na Caxemira, admitiu o ex-presidente paquistanês Pervez Musharraf, em uma entrevista ao Spiegel. Além disso, ele explica por que quer, aos 67 anos, deixar seu exílio em Londres e voltar ao seu país.

O ex-presidente paquistanês Pervez Musharraf diz que, aos 67 anos, quer deixar seu exílio em Londres e voltar ao seu país
Pergunta: Os paquistaneses ficaram chocados com a incompetência do governo do presidente Asif Ali Zardaria em lidar com as consequências das enchentes desastrosas. O senhor espera outro golpe militar em breve?

Musharraf: Toda vez que o país está tumultuado, todo mundo olha para as forças armadas. Mas eu sugeriria que os tempos dos golpes militares no Paquistão acabaram. Os mais recentes desdobramentos políticos mostraram que a Suprema Corte atingiu um nível que não valida mais uma tomada militar.

Pergunta: Como o senhor avaliaria o desempenho do seu sucessor, Zardari, e do primeiro-ministro Yousuf Raza Gilani?

Musharraf: Não quero comentar sobre o atual governo, mas todos podem ver o que estão fazendo. O Paquistão está passando por uma queda profunda econômica e em outras áreas. A lei e a ordem estão ameaçadas, o extremismo está em ascensão e há inquietação política. A inação de um governo eleito é a questão.

Pergunta: Hoje, acredita-se que o general Ashfaq Parvez Kayani é quem está dando as cartas no Paquistão. Como o senhor vê o papel do general?

Musharraf: Eu o nomeei chefe das forças armadas porque eu achava que era o melhor para o cargo.

Pergunta: Quando os governantes do Paquistão perdem o poder, eles tradicionalmente são presos ou assassinados por seus rivais. Por que o senhor está fundando um partido para voltar a se envolver na política, em vez de apreciar a aposentadoria em Londres, que ao menos é um local seguro?

Musharraf: Quem não arrisca, não ganha. Infelizmente, nós temos uma cultura de vingança no Paquistão. Mas não há caso de corrupção ou fraude, nada contra mim no momento. Meus oponentes políticos, especialmente Nawaz Sharif, adorariam abrir um processo contra mim –me acusando de corrupção ou fraude ou algo assim. Eles se esforçam para isso, mas não conseguem. Mesmo que conseguissem, eu responderia na justiça. É preciso tomar riscos.

Pergunta: Por que o senhor acredita que os paquistaneses estão esperando sua volta política?

Musharraf: Não estou vivendo uma vida de eremita, encontro pessoas aqui e em Dubai e recebo feedback. Abri minha página no Facebook há oito meses e hoje eu tenho mais de 315.000 fãs. E centenas de paquistaneses telefonaram para um programa de televisão no qual angariei fundos para as vítimas das enchentes. Elas doaram US$ 3,5 milhões (em torno de R$ 6 milhões). O senhor acha que estão fazendo isso porque me odeiam?

Pergunta: Há alguma coisa que o senhor se arrependa –por exemplo, da Operação secreta Kargil, que levou a um conflito armado com a Índia em 1999, das mudanças arbitrárias da constituição do Paquistão, da demissão do magistrado supremo do país, da falta de preocupação com a vida de Benazir Bhutto, após a volta dela ou pela muito criticada de tratar os militantes religiosos?


Musharraf: O Ocidente culpa o Paquistão por tudo. Ninguém pergunta ao primeiro-ministro indiano “por que o senhor adquiriu armas nucleares?” ou “por que estão matando civis inocentes na Caxemira?”. Ninguém se incomodou quando o Paquistão foi dividido em 1971, com a Índia patrocinando Bangladesh (que declarou independência do Paquistão naquele ano). Os EUA e a Alemanha fizeram declarações, mas não significaram nada. Todos estão interessados em acordos estratégicos com a Índia, mas o Paquistão é sempre visto como temerário.

Pergunta: Por que vocês formaram grupos militantes para lutar contra a Índia na Caxemira?

Musharraf: De fato foram formados. O governo fez vista grossa porque queria que a Índia discutisse a situação da Caxemira.

Pergunta: Foram as forças de segurança paquistaneses que os treinaram?


Musharraf: O Ocidente estava ignorando a resolução da Caxemira, que é a questão central do Paquistão. Esperávamos que o Ocidente –especialmente os EUA e países importantes como a Alemanha- resolvessem a questão da Caxemira. A Alemanha fez isso?

“Estou ganhando bem aqui em Londres, mas o Paquistão é o meu país”

Pergunta: Isso dá ao Paquistão o direito de treinar combatentes clandestinos?

Musharraf: Sim, é direito de qualquer país promover seus próprios interesses quando a Índia não está preparada para discutir a Caxemira na ONU e não quer resolver a questão de forma pacífica.

Pergunta: E como pode um arsenal nuclear estar seguro quando altos oficiais apoiam a proliferação ou até lucram com ela? O cientista Abdul Qadeer Khan alega que o exército paquistanês monitorou e organizou acordos com países como Coreia do Norte e Irã.

Musharraf: Isso está errado, absolutamente errado. Khan é um homem sem caráter.

Pergunta: O que os EUA ofereceram ao senhor em troca do controle das armas nucleares no Paquistão?
Musharraf: Seria um traidor se tivesse dado nossas armas atômicas aos EUA. Essa capacidade é nosso orgulho e nunca será comprometida.

Pergunta: Um membro alemão do Movimento Islâmico militante do Uzbequistão, Ahmad Sidiqi, 36, que foi detido pelas forças norte-americanas no Afeganistão em julho, disse aos interrogadores americanos que foi treinado no Paquistão e confessou que havia planos de atacar a Europa. Por que, nove anos após 11 de setembro, o Paquistão continua sendo um meio de cultura para o terrorismo internacional?

Musharraf: Nós envenenamos a sociedade civil paquistanesa por 10 anos quando lutamos contra os soviéticos no Afeganistão nos anos 80. Era uma jihad, e trouxemos militantes de todo o mundo, com o Ocidente e o Paquistão juntos na liderança. Após a retirada das tropas soviéticas, o Ocidente deixou o Paquistão com 25 mujahedeen e combatentes da Al Qaeda, sem qualquer plano para reabilitação ou assentamento. Enquanto vocês se preocupavam com a reunificação da Alemanha, tínhamos que lidar com isso. Vocês esperavam que o Paquistão tirasse uma varinha mágica e fizesse tudo isso desaparecer subitamente? Isso não é possível –vai levar tempo.

Pergunta: Como pode ser resolvido esse problema?

Musharraf: O Ocidente fez três erros crassos até agora: depois da retirada soviética do Afeganistão, eles abandonaram a região em 1989. Depois, após 11 de setembro, combateram o Taleban em vez de fortalecer os pashtuns que poderiam ter dominado os Talebans radicais. Agora vocês tentam negociar com o chamado “Taleban moderado”, mas não existe isso. Há Talebans e pashtuns. Mas como eu sempre disse: todos no Taleban são pashtuns, mas nem todos pasthuns são do Taleban. Novamente, seria melhor fortalecer os clãs antigos pashtuns que não são ideologicamente alinhados com o Taleban para governar o Afeganistão e combater o Taleban. Este é meu forte conselho. O quarto e pior erro seria ir embora sem vencer. Então a militância vai prevalecer não apenas no Paquistão, Índia e Caxemira, mas talvez também na Europa, Reino Unido e EUA. Eu acredito nisso.

Pergunta: O chefe da Al Qaeda no Paquistão, xeque Fateh al Masri, recentemente foi morto por uma nave norte-americana não tripulada no Waziristão do Norte. Muitos líderes da Al Qaeda estão abrigados pela rede Haqqani (do senhor de guerra Jalaluddin Haqqani). Qual é a seriedade do Paquistão na luta contra antigos heróis mujahedeen como Haqqani e seu filho Siraj?

Musharraf: O Ocidente declara que planeja tirar suas tropas e deixar o Afeganistão em 2011, então o Paquistão deve pensar em como lidar com o cenário da retirada. O Paquistão precisa encontrar uma estratégia para sua existência, como atacar a situação com Seraj Haqqani, Gulbuddin Hekmatyar, o Taleban paquistanês e Mullah Omar. Quando o Ocidente desistir, nós ficaremos sozinhos com eles.

Pergunta: O senhor não teme que, ao voltar ao Paquistão, possa enfrentar o mesmo destino que Benazir Bhutto, que foi assassinada em um ataque suicida?

Musharraf: Sim, existe esse risco, mas não me deterá. Estou feliz aqui em Londres, estou ganhando bem, mas o Paquistão é o meu país.

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