O livro mais discutido da temporada lhes concede o direito moral de rirem dos indianos que confundem sorte com realização. "Capital in the Twenty-First Century" (Capital no século 21, em tradução livre), de Thomas Piketty, mantém a Índia à margem, mas um dos argumentos mais importantes do livro esclarece a sociedade indiana moderna –que a influência da herança, que mina o verdadeiro mérito, não diminuiu com o crescimento econômico. Na verdade, ela aumentou.
Piketty lida com herança principalmente como um dote material, mencionando apenas de passagem as outras formas abstratas que pode assumir. Mas elas são escoras cruciais da elite indiana, incluindo o segmento mais alto da nova classe assalariada, que se beneficia não apenas de ativos ancestrais, mas também de casta, cor da pele, escolaridade dos pais, os contatos feitos graças ao seu status social e até mesmo a nutrição que receberam na infância.
Como o pool de indianos que foram tão favorecidos é muito pequeno em relação ao tamanho do país, esses beneficiários estão fadados a abocanhar a maioria das oportunidades e crescer mais rápido do que o restante da nação. Isso já ocorre. A família importa para as crianças de todo o mundo, é claro, mas na Índia o papel dela é fundamental e duradouro, porque em um país empobrecido, onde o governo é inepto, muito depende da família. E uma família bem-sucedida é uma que reconhece que dispõe dos meios para triunfar sobre o destino médio nacional.
O simples fato de receberem uma dieta saudável e bom ensino assegura que centenas de milhares de indianos tenham uma vantagem clara sobre centenas de milhões. Na Índia, desnutrição e educação têm o mesmo efeito que herança material –uma forma de capital cujo retorno é muito maior do que o crescimento econômico nacional.
Piketty, é claro, alegrou os intelectuais indianos com tendências socialistas, entre os quais há um número desproporcional de homens barbados que adora a expressão "capitalismo clientelista". Piketty, entretanto, reconhece que há algum mérito na noção de que o crescimento econômico é uma maré crescente que levanta todos os barcos. Mas a moral do livro, de certa forma, é que essa é uma metáfora ruim. Porque uma maré deveria levantar todos os barcos uniformemente, sem preconceito, enquanto a sociedade moderna, segundo os dados de Piketty, acaba favorecendo alguns poucos em detrimento da maioria, e que não é por serem excepcionalmente talentosos ou mais trabalhadores que o restante.
Nos últimos vários meses na Índia, com a proximidade das eleições, havia um debate dentro dos segmentos mais altos da classe média. Um grupo concordava com Amartya Sen, um ganhador do Nobel de economia, de que a Índia não crescerá mais rápido a menos que invista mais em melhorar a vida dos pobres.
O outro grupo estava do lado do economista Jagdish Bhagwati, cujos fãs dizem que ele é que deveria ter recebido o Nobel. Eles dizem que a Índia não deveria esbanjar dinheiro demais em serviços sociais. Isso é notável, porque a classe média moderna de língua inglesa da Índia, como Sen apontou, é formada pelos filhos de uma geração que foi fruto da generosidade bizarra do governo. Sob o primeiro-ministro Jawaharlal Nehru, a Índia investiu em ensino superior enquanto ignorava o ensino primário. Então, aqueles que tinham meios de chegar à faculdade prosperavam, enquanto a grande maioria que esperava do governo um ensino decente estava condenada, assim como seus filhos.
O Partido Bharatiya Janata, que as pesquisas indicam que pode sair triunfante quando os resultados eleitorais forem anunciados na sexta-feira, está do lado de Bhagwati e não é fã de Piketty. Provando o erro das generalizações, seu candidato a primeiro-ministro, Narendra Modi, tem barba.
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