Soldado americano instrui um soldado das tropas afegãs |
Quando conselheiros militares dos EUA vão para postos militares afegãos como o que está aninhado no meio da floresta deste vale, eles não tiram seus coletes a prova de balas e mantêm suas armas carregadas.
Seus guardas estavam atentos muito embora eles estivessem lá para oferecer um dia de treinamento a soldados afegãos sem sair da base fortificada nenhuma vez - mesmo quando conversavam com os oficiais afegãos durante um almoço de carne de cabra e iogurte.
Soldados e policiais afegãos atiraram e mataram 51 soldados dos EUA e aliados até agora este ano, e ninguém quer assumir riscos. A extrema cautela dos conselheiros revela o incrível desafio à frente após o término oficial do aumento de tropas norte-americanas e à medida que a missão muda para o próximo capítulo da guerra: preparar os afegãos para lutar por conta própria.
"Eles vêm aqui e parece que vão lutar contra nós", diz o sargento Abdul Karim Haq, 25, um soldado afegão no posto militar. "Eles estão sempre falando conosco com superioridade, como se fôssemos crianças pequenas."
Os líderes militares norte-americanos dizem que têm pouca escolha à medida que os assassinatos infiltrados se tornaram uma das principais causas de morte. Ataques de forças afegãs contra soldados e fuzileiros ocidentais este mês levantaram precauções sobre onde e quando as operações conjuntas e sessões de treinamento acontecem. Ao mesmo tempo, um vídeo e charges zombando do profeta Maomé estão incitando o ultraje e a violência contra os norte-americanos por todo o mundo muçulmano.
No campo, onde pequenas equipes de conselheiros norte-americanos estão trabalhando com unidades afegãs, até os menores mal-entendidos são tratados como confrontos potencialmente violentos.
Quando dois soldados afegãos decidiram cochilar numa torre de guarda na qual os norte-americanos haviam assumido uma posição neste posto, o comandante da equipe de conselho da coalizão, capitão John Chung, 28, enviou seu intérprete para retirá-los dali com a orientação para ser gentil. "Nada de confusão, sabe o que quero dizer."
Fora o medo de levar um tiro, os conselheiros dizem que estão mais vigilantes porque também duvidam da capacidade dos soldados afegãos de proteger a base de um ataque insurgente.
"Prova A", disse um conselheiro referindo-se ao cochilo dos afegãos na torre de guarda.
"Acho que precisamos estar prontos para qualquer coisa. Talvez venha de dentro, ou talvez chegue de fora", disse o conselheiro, um jovem soldado que não quis se identificar por medo de prejudicar sua carreira. "Quer dizer: dormir numa torre? Há muitos motivos para se tomar cuidado lá fora."
Quando ele diz "aqui", refere-se ao espaço atrás dos altos muros que os soldados norte-americanos construíram perto de Bad Pakh, no leste do Afeganistão, há poucos anos e guardaram até entregar o posto militar para o exército afegão em março. Antes abrigo de norte-americanos, o local agora é tratado por eles como outro lugar perigoso num país hostil.
E por um bom motivo, a julgar pelos comentários de soldados afegãos aqui e acolá no país.
Abdul Hanan, 20, um soldado também com base no leste, foi direto. "Nós já teríamos matados muitos deles", disse Hanan, "mas nossos comandantes são covardes e não nos permitem."
Ele disse que os norte-americanos tratam os afegãos de forma rude, com bullying e xingamentos.
"Nós gostamos das armas pesadas dos norte-americanos, mas não gostamos de seus soldados", disse. Ele e outros soldados, entretanto, reconheceram o que o próprio relatório público do Pentágono deixa claro: os afegãos não estão prontos para lutar sem ajuda dos EUA, e os Estados Unidos estão ansiosos para ver que ainda conseguem.
As forças dos EUA podem estar diminuindo, mas "ainda haverá uma insurgência aqui", disse o brigadeiro general David G. Fox, alto conselheiro ao norte de Cabul. A orientação dos conselheiros é "garantir que os afegãos possam dar conta sozinhos."
Apesar do esforço aliado de uma década de US$ 33 bilhões para construir o exército e a polícia, as forças do Afeganistão "continuam enfrentando desafios, incluindo atritos, falhas de liderança e capacidade limitada para o planejamento de equipe, administração, logística e aquisição de materiais", de acordo com uma revisão da segurança afegã feita em abril pelo Pentágono.
O exército estava melhorando, dizia o relatório, apontando para o fato de que 13 dos 156 batalhões do exército afegão eram agora classificados pela coalizão como "independentes com conselheiros". Em 2001, este número era de apenas um. O ranking foi o mais alto dado pela coalizão.
Mas o relatório reconheceu prontamente que seus próprios números eram suspeitos. Este ano a coalizão parou de usar oficiais independente de seu comando de treinamento para validar as classificações, e a mudança "resultou no recente aumento de unidades 'independentes com conselheiros'", disse.
A corrupção persistente e as redes de crime organizado dentro das forças de segurança também arriscam prejudicar a crescente estima do público pelo exército e a polícia, e podem "representar uma ameaça ao processo de transição", disse.
A polícia, em particular, tem uma reputação de brutalidade e corrupção. Em Bagh-e-Pol, um vilarejo próximo à cidade de Kandahar, no sul, o chefe de polícia, Abdul Wali, vangloriou-se de que ele e seus homens costumam bater tanto em suspeitos de serem integrantes do Taleban que às vezes "eles perdem um braço, às vezes perdem uma perna."
Os conselheiros norte-americanos de Wali sorriram desconfortavelmente enquanto ele explicava numa entrevista que não precisava de um julgamento para saber quem merecia apanhar.
Oficiais sênior dos EUA e Europa dizem em particular que os problemas dentro das forças afegãs reforçaram as dúvidas internas sobre a estabilidade do Afeganistão a longo prazo.
Como um oficial ocidental coloca, quando os EUA e a Europa falam da transição "baseada em condições" no Afeganistão, na verdade estão falando sobre as condições nos Estados Unidos e na Europa, onde as maiorias não apoiam mais a guerra.
O resultado imediato é que os recursos da coalizão estão diminuindo rapidamente, embora oficiais norte-americanos tenham dito que a escassez pode ter suas vantagens. Com menos para dar aos afegãos, que durante anos esperaram tudo das forças de coalizão, desde água potável limpa até cobertura aérea, eles terão que aprender a se virar.
Mas isso não inclui bens norte-americanos como aviões teleguiados de supervisão, helicópteros de ataque e helicópteros médicos de evacuação, que permanecerão no Afeganistão por algum tempo, dizem os oficiais.
Conselheiros voaram para Bad Pakh no mês passado para ensinar aos afegãos como colocar soldados feridos num helicóptero de evacuação médica norte-americano. Se o tempo permitisse, eles também haviam planejado realizar uma prática de tiro com canhão.
Mas quando os norte-americanos foram embora dez horas depois, o dia de treinamento havia sido muito parecido com outros três anteriores realizados aqui nos últimos dois meses: o helicóptero não apareceu. Ele estava em manutenção ou havia sido chamado para uma missão mais urgente. Os conselheiros não receberam uma resposta clara do motivo.
A prática de tiro de canhão também teve de ser cancelada quando ficaram sabendo que os afegãos estavam sem a mira para seu único canhão.
Com tempo suficiente para conversar, os afegãos contaram histórias sobre a vida sem os norte-americanos. Seu primeiro grande teste em junho aconteceu quando uma patrulha ficou sem munição depois de sofrer uma emboscada do Taleban, que matou um soldado e capturou outro, disse o sargento major Ghulam Jilani, 45, o afegão mais velho alistado na base.
Os norte-americanos haviam se retirado três meses antes, e os afegãos rapidamente determinaram que uma missão de resgate era arriscada demais sem a cobertura aérea e a vigilância que antes eram fornecidas prontamente por seus aliados.
Então, disse Jilani, eles recuperaram seus homens do "jeito afegão". Reuniram homens em idade de lutar em um vilarejo próximo e os levaram para a base. Os moradores do vilarejo basicamente se tornaram reféns.
"Nos certificamos de que todos sabiam: 'devolva-nos o soldado que nós libertaremos os homens", disse Jilani.
Ao entardecer, o governador do distrito havia negociado a troca.
Sem o apoio dos EUA, "só podíamos fazer o que os moradores do vilarejo entenderiam", disse Jilani. "Por que deveria haver alguma objeção a este método? Nós não atiramos neles."
* Um funcionário afegão do "The New York Times" contribuiu com a reportagem em Cabul, Afeganistão.
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