Abdul Qadir Khan, cientista nuclear paquistanês e traficante de dados sobre a fabricação de explosivos, funda um partido visando as eleições de 2013 |
Daria seu voto para um traficante de segredos nucleares? Dito assim... Mas é claro, Abdul Qadir Khan é venerado em seu país, o Paquistão, como o pai da bomba e um dos homens que mais fez pelo orgulho nacional ferido em três guerras contra a Índia. Convencido de sua popularidade, o controverso cientista acaba de fundar um partido político para as eleições legislativas do próximo ano. O Tehreek-e Tahafuz-e Pakistan (TTP, ou Movimento de Salvação do Paquistão) pretende pôr fim à corrupção e reativar a economia. Diante do ceticismo dos analistas, Khan afirma que quer marcar uma diferença, mas não será candidato.
"Nunca. Nunca", repete do outro lado da linha telefônica em Islamabad, onde vive em um sobrado rodeado de jardim, ao pé dos montes Margala. "Meu objetivo é aconselhar os eleitores, e muito em especial os jovens, para que escolham bons candidatos, livres de corrupção, nas próximas eleições. Os partidos tradicionais estão corruptos. Precisamos de tecnocratas. Nós os ajudaremos. Se se tratar de boa gente, contarão com nosso apoio", explica.
De fato, a apresentação à imprensa do TTP esteve a cargo de seu secretário-geral, Chaudry Jurshid Zaman, ex-deputado de um desses partidos tradicionais, a Liga Muçulmana de Nawaz Sharif. Mas o inspirador e principal valor do novo partido é Khan, um homem com um ego tão grande quanto a empresa que o lançou à fama. O cientista, que em sua conta no Twitter @DrAQ-Khan se define como "criador da bomba islâmica" (sic), alcançou esses louros depois de uma não muito exemplar trajetória de espião industrial, como conta Gordon Corera no livro "Shopping for Bombs" [Comprando bombas], sobre a rede de venda de segredos nucleares que montou.
Khan (nascido em Bophal em 1936) se doutorou em engenharia metalúrgica na Holanda em 1971 e pouco depois começou a trabalhar na Urenco, um consórcio europeu para a produção de combustível nuclear, de onde copiaria os planos e especificações técnicas que permitiram lançar o programa atômico do Paquistão. Foi ele mesmo quem se ofereceu ao governo de Zulfikar Ali Bhutto, em um arroubo patriótico, depois do impacto que lhe causou o primeiro teste nuclear indiano em 1974. Mas o êxito do Projeto 706 eclipsou esses e outros detalhes, como a rivalidade que manteve com os responsáveis da Comissão de Energia Atômica do Paquistão. Inclusive antes do primeiro teste em 1998, o doutor Khan, como passaria a ser conhecido, já havia se cercado de uma aura de herói e transformado no menino mimado de sucessivos governos paquistaneses. Até que, pouco depois dos atentados do 11 de Setembro, os EUA, fartos de que o governo paquistanês não tomasse medidas para frear o cientista, começou a vazar sua responsabilidade na proliferação nuclear para a Coreia do Norte, Irã e Líbia. Nas palavras do então diretor da CIA George Tenet, o pai da bomba paquistanesa era "pelo menos tão perigoso quanto Osama bin Laden".
Em 2004, Khan confessou sua participação nessa rede clandestina, mas se retrataria cinco anos depois, quando ficou em liberdade depois de concluir a pena de prisão domiciliar que recebeu como castigo (cuja leveza levantou suspeitas de cumplicidade oficial). Mas o dano a sua imagem estava feito. Desde então, dedicou-se a publicar artigos na imprensa local denunciando a corrupção das elites políticas. Até que, supostamente inspirado pelo êxito político de seu homólogo indiano APJ Abdul Kalam (presidente entre 2002 e 2007), lançou seu partido. Agora diz que seguiu instruções da assassinada Benazir Bhutto quando ajudou "dois países" a desenvolver seus programas nucleares.
"Não creio que tenha algum efeito. Talvez consiga alguns votos, mas não um efeito substancial", interpreta Ayesha Siddiqa em conversa com "El País". Para essa analista paquistanesa, "a corrupção por si só não é o tema mais importante; o que preocupa as pessoas é a falta de eletricidade, o alto custo de vida... isso está tornando muito impopular o governo do PPP". Na sua opinião, Khan "está tentando manter-se relevante, mas não vai mudar as regras do jogo".
Ponto de vista semelhante expressa Zahid Hussein, autor de "Frontline Pakistan: The struggle with militant islam" [Linha de frente Paquistão: a luta com o islamismo militante]. "Tem mais a ver com uma tentativa de se manter em evidência. É um partido unipessoal. Sem programa", afirma. "Não é um assunto sério. Creio que busca só um cargo. Não percebe que não é a pessoa adequada para mobilizar a população. É uma figura controversa, desde que foram reveladas as histórias sobre sua corrupção e a venda de segredos nucleares", explica.
Por enquanto, e apesar da "grande acolhida social" que Zaman reivindicou durante a apresentação do TTP, apenas conseguiu 450 seguidores na página em que se promove no Facebook. Para divulgar sua plataforma, Khan iniciou em Kahuta, a sede das instalações nucleares, uma "campanha de cem dias" durante os quais vai viajar por todo o país e reunir-se com potenciais candidatos e possíveis eleitores.
"Espero que consigamos representantes suficientes para nos transformarmos em um grupo de pressão que possa servir de contrapeso [ao partido governante]. É um pequeno passo, mas creio que pode ajudar", concluiu o cientista, fazendo caso o ministro das críticas.
Corrupção mancha o processo eleitoral no Paquistão
O Paquistão já está em pré-campanha eleitoral. Todos os partidos começaram a mobilizar seus simpatizantes para as eleições de 2013, as primeiras nos 65 anos de história do país em que um governo civil consegue terminar seus cinco de mandato sem interferência dos militares.
Em princípio, a legislatura termina em fevereiro próximo, e por isso as eleições são esperadas para março, o mais tardar. Mas como o governante Partido Popular do Paquistão (PPP) se encontra no centro de várias controvérsias políticas e legais, talvez possa antecipar a data para não perder o benefício de organizar a convocação com pleno controle dos recursos do poder. Daí que todos os grupos políticos já se puseram em posição de campanha.
O primeiro desafio que enfrentam é a supervisão do registro de eleitores, que, segundos dados divulgados em 31 de julho passado, deixa fora pelo menos 20 milhões de paquistaneses. Trata-se na maioria de habitantes do meio rural e de mulheres que ou não se inscreveram ou não receberam suas carteiras de identidade. A Comissão Eleitoral, responsável pelas eleições, tem que se apressar porque a lei estipula que o registro seja congelado no momento em que for anunciada a data do encontro com as urnas.
Outra sombra na campanha é a corrupção. Segundo um ditado local, "as eleições não são disputadas, são compradas". Mazar Abbas, antigo secretário-geral do sindicato dos jornalistas, denunciou o desvio por parte do governo de "bilhões de rupias para os meios de comunicação através de fontes secretas", para tentar ganhar seu apoio para a coalizão encabeçada pelo PPP. Mas não está claro até que ponto o dinheiro poderá compensar a decepção dos paquistaneses com sua gestão.
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