A hermética Pyongyang, na Coreia do Norte, dá seus primeiros sinais de mudança com queda de chefe do Exército

Kim Jong-un, o jovem líder da ditadura comunista norte-coreana, demite o chefe do exército e permite que a televisão mostre tímidos gestos de abertura

 Kim Jong-un

Ri Yong-ho, chefe do poderoso exército da Coreia do Norte e um dos principais conselheiros do líder norte-coreano, Kim Jong-un, foi desprovido de todos os seus cargos devido a "problemas de saúde", segundo informou a agência oficial KCNA. A decisão surpreendeu em Seul, na Coreia do Sul, onde especialistas e analistas consideram o movimento muito estranho e duvidam da explicação oficial. Ri, 69 anos, parecia gozar de boa saúde em suas últimas aparições públicas, o que fez disparar as especulações sobre a possibilidade de que Kim Jong-un tenha realizado um expurgo para marcar claramente sua posição no poder - herdado depois da morte de seu pai, Kim Jong-il, em dezembro passado --e rejuvenescer as estruturas dirigentes.

Não é a primeira surpresa. Nas últimas semanas, o regime stalinista autorizou as mulheres a vestir saias mais curtas e usar sapatos com saltos mais altos --impensáveis até há pouco tempo. Também divulgou pela televisão imagens de um espetáculo a que assistia o líder máximo: veem-se bonecos da Disney dançando enquanto soava "My Way" cantada por Frank Sinatra. Algo que quase ninguém poderia esperar na Coreia do Norte, como também causou estupefação que Kim tenha realizado pelo menos um par de visitas oficiais em companhia de sua namorada. E agora a defenestração do chefe militar.

A destituição de Ri Yong-ho das cúpulas militar e política foi realizada no domingo em uma reunião do Partido dos Trabalhadores, e o motivo alegado foi "sua enfermidade". Foi afastado do "comitê permanente do Birô Político" --o órgão mais poderoso do país --e do cargo de vice-presidente da Comissão Militar Central do partido. Não se sabe quem o substituirá. O Ministério da Unificação da Coreia do Sul qualificou a saída de Ri Yong-ho e a rapidez do anúncio de "muito raras" e salientou que acompanha a decisão "com interesse".

Ri se transformou em chefe do exército da Coreia do Norte --que é formado por 1,2 milhão de pessoas --em 2009 e foi mostrado com frequência nos últimos meses acompanhando Kim em suas visitas a quartéis por todo o país. Foi um dos sete líderes máximos do partido e oficiais do exército que acompanharam Kim caminhando junto ao carro fúnebre que percorreu Pyongyang durante o funeral de Kim Jong-il. O grupo, que também incluía Jang Song-Thaek, tio do jovem Kim, foi considerado nesse momento o núcleo duro de apoio ao novo dirigente, que não tem 30 anos de idade.

Ri também foi visto em 8 de julho passado na companhia de Kim durante uma cerimônia por ocasião do aniversário da morte de Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte e avô do atual líder. Daí que sua inesperada saída tenha provocado as especulações sobre sua possível defenestração.

"Pode ter caído em desgraça ou ter perdido uma luta de poder com outros líderes militares", afirma Yang Moo-jin, professor na Universidade de Estudos Norte-coreanos em Seul, informa a agência France Presse. Segundo Yang, Pyongyang não costuma relevar altos cargos do partido ou do exército somente por razões de saúde. Paik Hank-Soon, do Instituto Sejong, acredita que Kim Jong-un está tentando reforçar o controle do partido sobre os militares, algo que seu pai já iniciou no final de 2010.

Os analistas consideram que o novo mandatário, que na adolescência estudou na Suíça, provavelmente implementou um processo para substituir altos comandos da velha geração por outros mais jovens, mais próximos do partido e aos quais possa controlar mais facilmente. Em abril passado, Kim colocou em posições chaves do partido jovens funcionários públicos com formação econômica, como parte de seu esforço para impulsionar a economia.

Outros pensam que Ri Yong-ho pode ter tentado consolidar sua posição, e que isso pode ter desagradado a Jang Song-Thaek --o homem que se acredita que realmente comanda o país --e Choe Ryong-hae, outro dos altos comandos do exército.

Ri Yong-ho era chefe da Junta do Estado Maior do Exército Popular da Coreia, e portanto o mais alto oficial do poderoso exército norte-coreano, atrás apenas de Kim, o comandante supremo. Nos últimos anos foi promovido a importantes cargos no partido. Esteve ao lado de Kim desde que seu pai o nomeou o herdeiro do trono da única dinastia comunista do mundo, em 2010. Com frequência aparecia entre os dois Kim nos atos públicos.

Qualquer movimento na cúpula da Coreia do Norte desperta amplos ecos fora do país, já que Pyongyang possui um dos exércitos mais poderosos do mundo em armamento nuclear. A fronteira entre as duas Coreias, um dos últimos redutos da Guerra Fria, foi cenário de choques armados e escaramuças desde que o conflito da Coreia (1950-53) terminou em um armistício que nunca se converteu em tratado de paz definitivo.

Pyongyang provocou indignação internacional em abril passado com o lançamento de um foguete, supostamente para colocar um satélite em órbita, embora segundo os EUA e seus aliados se destinasse a realizar um teste - finalmente fracassado - de um míssil balístico de longo alcance. O foguete explodiu no ar e caiu no mar poucos minutos após a decolagem.

O exército norte-coreano incrementou nos últimos meses sua retórica hostil contra a Coreia do Sul e seu presidente, Lee Myung-Bak, em parte para bajular o inexperiente Kim. O país empobrecido denunciou no mês passado como uma "provocação" as manobras militares conjuntas realizadas perto de sua fronteira por Washington e Seul, e ameaçou "reforçar ainda mais sua capacidade dissuasiva nuclear". As negociações internacionais sobre o desmantelamento do programa de armas atômicas norte-coreano estão paralisadas.

O enigma da grande camarada
A mulher que acompanha o dirigente provoca rumores sobre seu estado civil.

A substituição de Ri Yong-ho, chefe do exército da Coreia do Norte, anunciada na segunda-feira, surpreendeu e fez disparar as especulações sobre o que está acontecendo no país mais isolado do mundo. Mas não foi o único sinal de que o novo líder, Kim Jong-un, está mudando algumas coisas desde que herdou o trono da única dinastia comunista do mundo, em dezembro passado, após a morte de seu pai, o "querido líder" Kim Jong-il.

O jovem Kim provocou inquietação na Coreia do Sul e entre especialistas e seguidores da política norte-coreana, com seu aparecimento nos últimos dias em companhia de uma jovem da qual não se soube a identidade.

Trata-se de sua namorada, sua irmã ou mesmo de sua esposa? Pyongyang não esclareceu nada e o Ministério da Unificação e os serviços de inteligência do sul não quiseram fazer comentários.

A mulher misteriosa apareceu em companhia de Kim em diferentes atos. A televisão norte-coreana a mostrou em 8 de julho passado enquanto o dirigente apresentava seus respeitos ao corpo embalsamado de seu avô, Kim Il-sung, por ocasião do aniversário de sua morte, em 1994. Entre os assistentes também se encontrava Ri Yong-ho, hoje demitido.

A jovem de cabelos curtos, elegante e sóbria, de 20 e tantos ou 30 e poucos anos, caminhou junto de Kim Jong-un e ambos fizeram uma reverência ao mesmo tempo diante de um retrato do fundador da Coreia do Norte. Ela também foi fotografada, com um vestido preto, sentada ao lado do dirigente durante um concerto da orquestra nacional na sexta-feira anterior.

A mídia sul-coreana publicou sua foto na primeira página e alguns veículos sugeriram que se trata de Kim Yo-jong, a irmã menor de Kim Jong-un, nascida em 1987 e que se acredita que estudou com ele na Suíça na década de 1990. O jornal "JoongAng Ilbo", um dos três principais da Coreia do Sul - disse que a misteriosa acompanhante é Hyon Song-wol, uma famosa cantora da qual há rumores de que seja a amante de Kim Jong-un. Segundo algumas informações, Hyon desapareceu do cenário público em 2006, mas foi vista de novo na televisão em março, aparentemente em avançado estado de gestação.

Alguns analistas afirmam que não é provável que a mulher seja a companheira de Kim, porque não é tradição na Coreia do Norte que as primeiras-damas apareçam em público com os líderes. Acreditam que também poderia ser a filha de uma das amantes de Kim Jong-il, e que expô-la à luz seria uma amostra de união na família.

Imagens da que parece ser a mesma jovem apareceram neste domingo na televisão quando visitava uma creche com Kim Jong-un. A mulher sorria enquanto o líder norte-coreano abraçava e falava com as crianças.

A agência sul-coreana Yonhap chegou à conclusão de que é "muito provável" que seja a esposa do dirigente, dados os códigos de protocolo, como seu lugar à mesa e a disposição dos pratos, o que significaria que Kim está casado, coisa que Pyongyang se negou a esclarecer até agora.

A incerteza em torno da desconhecida acompanhante é uma nova amostra do sigilo que cerca a vida dos líderes norte-coreanos. De Kim Jong-un não se sabe não somente se está casado ou não, como tampouco sua idade exata. E para detectar se algo está se movendo no país os especialistas analisam inclusive o comprimento da saias ou dos saltos dos sapatos das mulheres em Pyongyang, segundo informa "The New York Times".

O que se sabe é que Kim Jong-un gosta da cultura e do lazer americanos. A televisão o mostrou recentemente desfrutando de um espetáculo com personagens de Walt Disney e a canção "My Way", de Frank Sinatra. A família Kim parece ter apreço pelo mundo Disney. Kim Jong-nam, irmão mais velho de Kim Jong-un, foi detido em 2001 no aeroporto de Tóquio quando tentava entrar no Japão com um passaporte falso, segundo disse para visitar o parque Disneyland na capital japonesa.