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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Último post do ano: Atiradores do Grenzschutzgruppe 9 (GSG-9)


Bom, meus caros, me despeço de vocês com esse excelente vídeo. Uma pena que não compreendemos o alemão (não subestimo o conhecimento dos meus leitores, é só uma dedução).

Ano que vem tem mais!

Fiquem com Deus e boas festas!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Brasil assina acordos de cooperação em Defesa com Sérvia, Polônia e Espanha

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, encerrou na sexta-feira passada (03) viagem de uma semana à Europa, onde assinou acordos de cooperação em Defesa com os governos de Sérvia, Polônia e Espanha. Os acordos prevêem, entre outras medidas, aumento no intercâmbio técnico e troca de oficiais para as respectivas escolas militares, além de criar as bases para futuros acordos mais específicos de cooperação.

Nesta sexta-feira, na Espanha, Jobim assinou acordo de cooperação em Defesa com a ministra da Defesa do país, Carmem Chacón. Em seguida, participou de cerimônia de entrega do primeiro avião de patrulha marítima P3-BR, de um total de nove adquirido pelo Brasil e que estão sendo modernizados na Espanha pela Airbus Military.

A ministra espanhola saudou a intensificação da cooperação entre os dois países, e lembrou que em 2006 o Brasil adquiriu 12 aviões de transporte C-295, batizados no Brasil de C-105 Amazonas.

A primeira escala oficial da viagem de Jobim ocorreu em 29 de novembro (segunda-feira) na Sérvia, onde a comitiva brasileira reuniu-se com a equipe do ministro da Defesa Sérvio Dragan Sutanovac.

Após a assinatura do acordo com a Sérvia, os brasileiros visitaram instalações militares da Brigada das Forças Especiais Sérvias, com exposição de equipamentos e demonstrações das tropas.

Na terça-feira, após visitar o Instituto Técnico Militar (VTI), da Sérvia, a comitiva brasileira viajou para a Polônia, onde visitaram a Empresa RADWAR (do Grupo Bunar).

A assinatura do acordo com o ministro da Defesa da Polônia, Bogdan Klich, ocorreu na quinta-feira, 1 de dezembro. O ministro Jobim também visitou o Comando das Forças Especiais Polonesas e o Centro de Treinamento de Força de Paz de Kielce, e em seguida embarcou para a Espanha.

Jobim chega em Brasília na madrugada deste sábado, e pela manhã participa da formatura da Academia Militar das Agulhas Negras, em Rezende (RJ). À tarde, reúne-se com o governador do Estado, para discutir a continuidade do apoio das Forças militares à segurança pública em pontos da capital daquele Estado.

Rússia conclui a fabricação da ogiva nuclear para os mísseis lançados de a partir submarinos Bulava

O diretor geral do Instituto de Termo-técnica  de Moscou, o acadêmicoYuri Solomonov, informou hoje que concluí o processo de fabricação da ogiva nuclear para os novos mísseis balísticos intercontinentais lançados a partir de submarinos Bulava. Os mísseis serão instalados na nova classe russa de submarinos estratégicos nucleares Borei.

“O processo de fabricação da cabeça nuclear foi concluído. Quando os mísseis forem instalados nos submarinos, a ogiva estará totalmente pronta para o combate”, disse Solomonov em uma entrevista à Revista Natsionalnaya Oborona (A Defesa Nacional).

Solomonov precisou que a vida útil das ogivas chegará até pelo menos 2050.

Ele também revelou que em 2011 que haverá ao menos 4 lançamentos com mísseis Bulava. A finalidade dos testes é chegar a confiabilidade programada para que assim o míssil seja colocado em linha de produção.

Possivelmente ainda esse ano poderá ocorrer um teste com o Bulava e se isso vier acontecer, o submarino nuclear Yuri Dolgoruky realizará pela primeira vez um teste de lançamento com um Bulava.

O acadêmico também relevou que poderá haver no futuro uma variante do Bulava que poderia ser lançado de terra.

O míssil balístico intercontinental R-30 3M30 Bulava-30 (RSM-56 em tratados internacionais e SS-NX-30 segundo a classificação OTAN) é um foguete de três estágios que é lançado de silos verticais de submarinos e usa propelente sólido (nas primeiras etapas) e líquido (na terceira fase).

Presidente russo ordena a criação de Comando Unificado para Defesa Anti-mísseis e Anti-aérea do país

O sistema S-400 é a principal arma anti-aérea e anti-míssil da Rússia;
O sistema é capaz de abater qualquer tipo de ameça anti-aérea, desde aeronaves
furtivas, passando por mísseis balísticos
O presidente russo, Dmitri Medvedev, ordenou a criação de um Comando Unificado para as tropas de defesa anti-aérea e anti-mísseis do país, comunica hoje o serviço de imprensa do Kremlin.

“A defesa anti-aérea e anti-mísseis deve ser unida, isso inclui os sistemas de alerta antecipado e o controle do espaço aéreo, que deverão atuar sob o comando estratégico único já antes de dezembro de 2011”, indica os documentos firmados pelo líder russo depois da apresentação de sua mensagem anual ao Parlamento, em 30 de novembro passado.

A responsabilidade para o cumprimento da ordem do presidente cairá nos ombros do primeiro-ministro, Vladimir Putin e o Ministro da Defesa, Anatoly Serdiukov.

Na opinião de Igor Korotchenko, membro do Conselho Público, que é anexado ao Ministério da Defesa, a tarefa de criar um sistema único de defesa anti-aérea e anti-míssil planejada pelo presidente russo, responde as ameaças militares de hoje.

Russa é presa sob suspeita de espionagem no Reino Unido

De um lado, um parlamentar de 64 anos com fama de mulherengo. De outro, uma jovem russa, 25, loura e atraente.

Ele é membro do Comitê de Defesa da Câmara dos Comuns, no Reino Unido, e fez perguntas ao governo sobre armas nucleares no país.

Ela era contratada como sua assistente, tinha livre acesso às casas do Parlamento e, segundo colegas, gostava de minissaias e salto alto.

Desde quinta-feira, está detida e pode ser deportada sob acusação de ser espiã.
Parece roteiro ruim de filme de 007. Mas é verdade e acirrou ânimos na mídia do Reino Unido e da Rússia.

O parlamentar é Mike Hancock, do Partido Liberal-Democrata. A jovem é Katia Zatuliveter, que foi trainee no Parlamento antes de ser contratada por Hancock.

O governo não comenta o caso, mas jornais dizem que ela foi detida várias vezes pelo serviço secreto. A primeira, em agosto, quando chegava de viagem à Croácia.

Estava no auge o caso da prisão de dez russos acusados pelos EUA de serem espiões. Entre eles aparecia

Ana Chapman, outra jovem beldade russa que circulou pelo Reino Unido.
Katia diz que irá lutar para continuar no país e nega todas as acusações. O parlamentar diz que confia nela.

Jobim revelou temor sobre Venezuela, dizem EUA

Segundo embaixador, Brasil teria proposto ajuda contra Hugo Chávez

Documentos também relatam encontros de Dilma com James Jones, assessor de Segurança da Casa Branca em 2009

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, se mostrou "preocupado", em fevereiro deste ano, com a "cada vez mais complicada situação doméstica" de Hugo Chávez e manifestou temor sobre possível "impacto" interno caso o presidente venezuelano resolvesse reprimir manifestações contra o seu governo.

O relato teria sido feito por Jobim ao embaixador dos EUA, Thomas Shannon. À época, Chávez enfrentava protestos pela falta de água e pela crise energética e manifestações contra a retirada da oposicionista RCTV da lista de canais por assinatura.

O documento faz parte de um pacote de telegramas confidenciais e secretos divulgados pelo site Wikileaks e publicados anteontem e ontem pelo jornal francês "Le Monde" e pelo venezuelano "El Nacional".

O conjunto de papéis joga luz sobre a visão dos EUA sobre a relação Brasília-Caracas e as diferentes perspectivas dos interlocutores brasileiros a respeito de Chávez.
Também revela a insistência brasileira para derrubar o veto do governo George W. Bush à venda a Caracas de aviões Supertucanos da Embraer, com componentes de tecnologia americana.

Segundo telegrama de 2006, despachado pela Embaixada dos EUA em Caracas, o Brasil ofereceu um "trato": se Washington derrubasse o veto, o Brasil apoiaria a ONG oposicionista Súmate, que havia articulado, com apoio financeiro dos EUA, a coleta de assinaturas para o referendo revocatório contra Chávez em 2004.

O telegrama ironiza a oferta: "A ação brasileira pela Súmate seria simbólica, mas os Tucanos seriam bem reais".

Naquele momento, a relação entre Brasil e Venezuela passava por turbulências por conta da atuação de Chávez na nacionalização das refinarias da Petrobras na Bolívia.

Os EUA de Obama reconhecem, porém, dois anos depois, que o veto à venda complica a posição americana na disputa pelo fornecimento de caças ao Brasil.

Dilma e radicais

Os documentos relatam ainda encontros da ex-ministra Dilma Rousseff com o então assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, James Jones, em 2009.

Dilma havia criticado o acordo militar entre Washington e Bogotá, hoje suspenso. "Assuntos como esses abrem portas para radicais que querem criar problemas na região", teria dito ela, sem fazer referência a Chávez.

Segundo o relato, ela disse ser "desconcertante" ter de responder a jornalistas o motivo pelo qual os EUA precisavam de bases na Colômbia.

Diplomatas foram enganados por modos "cordiais" de Saddam na Guerra do Golfo

Uma declaração inábil da embaixadora americana no Iraque provocou a primeira Guerra no Golfo? Os cabogramas americanos vazados mostram que os diplomatas fracassaram em perceber os sinais de que Saddam Hussein estava se preparando para invadir o Kuait e que pintavam seu regime sob luz consistentemente favorável nos anos que antecederam o conflito.

Na manhã de 25 de julho de 1990, o ditador iraquiano Saddam Hussein telefonou para a embaixadora americana no Iraque, April Glaspie. Foi o primeiro encontro dela com Saddam e durou duas horas. E provavelmente entrará para a história como um dos incidentes mais controversos na diplomacia americana.

 Naquela noite, Glaspie enviou por cabograma seu relatório sobre a conversa para Washington. Ela o resumiu sob o título: “Mensagem de amizade de Saddam ao presidente Bush”.

Apenas oito dias depois, estourou a guerra quando as tropas de Saddam invadiram o Kuait. A invasão provocou um conflito que duraria mais de 15 anos e terminaria nem mesmo com a morte de Saddam Hussein.

 É o pesadelo de todo diplomata. O que transcorreu exatamente no encontro de Glaspie com o presidente iraquiano?

 Saddam estava sob pressão em meados dos anos 90. Ele se queixou à embaixadora americana de que os oito anos de guerra com o Irã tinham deixado seu país esgotado e altamente endividado. Ainda pior, o vizinho Kuait estava deliberadamente mantendo baixos os preços do petróleo –tão baixos, de fato, que seu país tinha sido obrigado a cortar as pensões que pagava às viúvas e órfãos.

 “A esta altura”, declarou o relatório de Glaspie, “o intérprete e um dos tomadores de notas começaram a chorar”.

 Saddam então passou para a questão da disputa de fronteira do Iraque com o Kuait. A conversa se tornou técnica, e ele até mesmo começou a recitar uma lista de distâncias em quilômetros. “A embaixadora”, Glaspie escreveu falando de si mesma, “disse que tinha servido por 20 anos no Kuait; naquela época, como agora, nós não tomamos nenhuma posição a respeito dessas questões árabes”.

Poucas semanas depois, os iraquianos romperam todo protocolo diplomático divulgando uma transcrição resumida da conversa. Nunca antes os Estados Unidos pesaram tão cuidadosamente as palavras de um de seus diplomatas. Nunca antes uma única sentença foi tão discutida quanto à da embaixadora Glaspie.

 Os críticos dizem que a resposta dela “confundiu” Saddam Hussein, que ela foi ambígua e vaga demais. Saddam pode ter pensado que os Estados Unidos não interviriam caso atacasse o Kuait. Assim, eles afirmam, Glaspie teve um papel decisivo no início da guerra. Seus defensores dizem que esta crítica é imprópria. Eles apontam que Glaspie disse a Saddam o que qualquer diplomata em sua posição teria dito.

 A controvérsia persiste até hoje. Mas novos despachos diplomáticos, recém divulgados pelo WikiLeaks, agora revelam o que os embaixadores americanos em Bagdá informaram a Washington entre 1985 e 1990. Eles mostram o ambiente político no qual Glaspie atuava, a posição americana a respeito de Saddam Hussein na época e o que levou à sentença fatídica dela.

 Os Estados Unidos romperam as relações diplomáticas com o Iraque após o conflito entre árabes e israelenses de 1967. A embaixada americana foi reaberta em 1984 e, desde o início, um assunto dominava os relatos dos diplomatas americanos estacionados em Bagdá: o Irã.

 Na época, as tropas de Saddam lutavam contra as dos revolucionários do Irã desde as montanhas do Curdistão até o Rio Shatt al Arab, e era bem óbvio de que lado estava a simpatia americana: Washington queria a vitória de Saddam.

Glaspie chegou ao Iraque no final de 1987. Na época ela tinha 46 anos e tinha vasta experiência nos países árabes. Washington certamente não enviou uma novata para Bagdá.

Visão estreita

Uma das primeiras viagens dela foi para se encontrar com os cristãos no norte, cuja situação ela considerou satisfatória. Qualquer “reassentamento” que tenha ocorrido acabou semanas antes. Ela descreveu o governador de Saddam na província de Mosul como “impecavelmente agradável” e seu chefe de segurança como “prestativo e compassivo”. De fato, para onde quer que olhasse, ela estava surpresa em quanto dinheiro o governo iraquiano tinha gasto com sua minoria cristã. Um mosteiro foi reformado e “vários novos vilarejos” –marcados como “vilarejos modelo Saddam”– foram construídos.

Tudo aquilo poderia ser verdade, mas representava uma visão deliberadamente estreita do Iraque no início de 1988. Pois enquanto a embaixadora Glaspie estava visitando Mosul, o primo de Saddam, Ali Hassan al Majid (que viria a ser conhecido como “Ali Químico”), bombardeava os curdos no norte do Iraque, a apenas 250 quilômetros de distância, com gás venenoso. Em 16 e 17 de março de 1988, 10 semanas após a visita, um destino semelhante ocorreu à cidade de Halabja. Cerca de 5 mil pessoas foram mortas ali nesses dois dias, com mais centenas morrendo posteriormente de modo doloroso, devido aos efeitos das armas químicas usadas contra elas.

Não é que a embaixada americana em Bagdá não sabia nada desses ataques. Em meados de fevereiro, Abd al Rahman Qassemlu, um líder curdo iraniano que ficou ao lado de Saddam contra Teerã, foi a Bagdá. Após uma reunião com o ditador, ele também passou na embaixada americana. Ele avisou que não queria nem dinheiro e nem armas. “É claro que sempre é possível ter mais, mas temos o suficiente”, ele disse, segundo um despacho da embaixada.

Ele então narrou o que estava se passando no norte. O relatório disse que o chefe de seu departamento político “perguntou a Qassemlu qual era sua reação diante da campanha iraquiana de destruição das aldeias curdas. Qassemlu reconheceu que a ‘maioria’ das aldeias foi destruída, mas parecia sem nenhuma emoção sobre o assunto”, notou o relatório.

Qassemlu disse aos americanos precisamente quem culpava pelos ataques assassinos ocorridos no norte: “Saddam. Ele está encarregado de tudo”.

Desde cedo, os relatórios americanos começaram a mencionar os temores iraquianos de que os Estados Unidos poderiam abandonar o Iraque por laços mais estreitos com Teerã. Em um cabograma para Washington, escreveu Glaspie: “Nós tranquilizamos os iraquianos no alto escalão e por diferentes canais de que não contemplamos uma ‘inclinação’ em qualquer direção”.

Colaboração excelente

Perto do fim da guerra Irã-Iraque, no segundo trimestre de 1988, os cabogramas da embaixada americana falavam de um crescente otimismo dentro do Iraque. Os diplomatas informaram uma colaboração excelente nos bastidores.

Quando a guerra Irã-Iraque finalmente acabou após oito anos e quase meio milhão de mortos, Glaspie colocou a palavra “vitória” entre aspas; mas assim que a celebração passou, os relatos novamente passaram a se concentrar na ameaça iraniana que criou o elo primário entre o regime de Saddam e os Estados Unidos –passando por cima de todas as queixas sobre assassinatos, armas químicas e violações de direitos humanos. “Nós duvidamos que os iraquianos sejam ingênuos a ponto de acreditarem que qualquer regime clerical no Irã, mesmo após a morte de Khomeini, renunciará à revolução ou a seus elementos integrais, o expansionismo e a interferência nos assuntos internos de outros países, principalmente do Iraque.”

Mas então, no início dos anos 90, “nuvens escuras” se formaram sobre o relacionamento do Iraque com os Estados Unidos, nas palavras do próprio Saddam, falando em uma coletiva de imprensa após uma visita do presidente do Egito, Hosni Mubarak. Saddam atribuiu a deterioração a uma suposta interferência de um “lobby sionista” na política americana. Isso preocupou a embaixadora americana? Ela se preocupou com a escolha de palavras do ditador iraquiano?

Não. Ela apenas enviou para casa um relatório intitulado “Saddam explica e defende”. No despacho, Glaspie falou sobre a posição de Saddam como “talvez derivando de seu antigo esforço para promover um senso de identidade para os ‘iraquianos’ –um senso que ele frequentemente se lembra de carecer quando era menino”. Sua avaliação do presidente iraquiano em abril de 1990 foi a seguinte: “Saddam não está fazendo pose. Ele está genuinamente preocupado com Israel e com o Irã”.

Em maio daquele ano, os chefes de Estado da Liga Árabe se reuniram em Bagdá, tendo como fundo as ameaças de Saddam contra o Kuait e os Emirados Árabes Unidos. De novo, Glaspie elogiou os esforços de Saddam. Ela disse que ele “deu um passo à frente” e reuniu os árabes, apesar de que no “menor denominador comum”.

‘Liderança intelectual’

Ela realmente não viu as nuvens de tempestade se formando no horizonte? No início de junho, Glaspie enviou um cabograma a Washington com o título –aparentemente sem ironia– “Liderança Intelectual”. Ela disse que Saddam tinha passado recentemente muitas horas com um grupo de seis homens finalizando uma nova Constituição. A embaixadora pediu ao Departamento de Estado para anotar os nomes dos homens, porque esse projeto era “importante”, como se Saddam estivesse seriamente pensando na Constituição iraquiano apenas dois meses antes de suas tropas invadirem o Kuait, se de fato esse notório conspirador e mestre da espionagem alguma vez tenha levado uma Constituição a sério em sua vida.

A julgar por seus memorandos, a embaixadora sabia muito pouco sobre as dúvidas perturbadoras que alguns membros do círculo interno de Saddam tinham a respeito de seus planos de invasão cada vez mais concretos. Os rumores de que ele estava sob pressão internamente foram desprezados por Glaspie como meras invenções por parte do Irã e dos exilados iraquianos. E ela rejeitou explicitamente um relatório da embaixada americana no Kuait, que dizia que o comportamento errático de Saddam sugeria “pressões internas e instabilidade de seu regime” –o que, olhando para trás, parece altamente provável. O embaixador em Bagdá insistiu que Saddam era motivado por muitas coisas, mas rumores de golpe não eram um deles.

Isso foi seguido por dois parágrafos que levantam sérias dúvidas a respeito da objetividade de Glaspie em relação ao regime de Saddam: “Nós não estamos sugerindo”, ela escreve, “que não existam algumas ‘ações disciplinares’ ocasionais aqui. Por exemplo, o adc (nota do editor: o ajudante de ordens) curdo de longa data do presidente, Sabah Mizra, sem dúvida rasurou seu livro de notas neste ano. Ele foi preso e pode estar morto”.

E de qualquer forma, ela acrescentou, Saddam está apenas tentando “melhorar o bem-estar dos cidadãos. O partido não tem dificuldade em mobilizar milhares de árabes (não curdos) iraquianos para saudar seu presidente”.

Em junho de 1990, a emissora de televisão americana “ABC” transmitiu uma entrevista que a jornalista Diane Sawyer fez com Saddam Hussein, após mediação da embaixada americana. Os iraquianos ficaram furiosos, porque a conversa de três horas foi editada para 20 minutos. De novo, Glaspie pediu pela compreensão tanto do secretário pessoal de Saddam quanto de Washington. Ela disse que Saddam não estava “jogando a toalha”. Ele estava defendendo sua “nova política de disponibilidade à imprensa ocidental (‘Le Figaro’ é o próximo) e sua disposição de permitir que o público iraquiano o visse e ouvisse sem cortes e sem retoques”.

A entrevista de Sawyer também apareceu na conversa contenciosa de Glaspie com Saddam, em 25 de julho. Glaspie escreveu, se referindo a si mesma, “a embaixadora disse que assistiu ao programa de Diane Sawyer e o considerou barato e injusto. Mas a imprensa americana trata todos os políticos sem gentileza –este é o nosso modo”.

Saddam “cordial, razoável e até mesmo caloroso”

Se o seu comentário sobre a neutralidade americana nas disputas de fronteira árabes fizeram Saddam decidir invadir o Kuait é uma pergunta que talvez apenas o próprio Saddam poderia responder com certeza. Mas os despachos diplomáticos que vazaram mostram que Glaspie e seu antecessor viam o regime de forma extremamente favorável desde o início, fizeram vista grossa para os crimes amplamente conhecidos de Saddam e foram tão influenciados pela inimizade mútua com o Irã a ponto de serem negligentemente não críticos. Essa atitude certamente influenciou a reunião fatídica de Glaspie com Saddam.

A postura do presidente foi “cordial, razoável e até mesmo calorosa”, começa seu relato da reunião. Ele termina concluindo que ele sem dúvida era sincero ao “buscar um acordo pacífico” para o conflito com o vizinho Kuait. Entre eles se encontra parágrafo após parágrafo listando o suposto egoísmo do Kuait e os sacrifícios e intenções pacíficas dos iraquianos.

Saddam Hussein sem dúvida enganou a embaixadora americana, apesar de que também em seu próprio detrimento. Mas ela particularmente não dificultou para ele.

A embaixada enviou mais quatro despachos para Washington antes do início da guerra. Um começa com a crença equivocada de que Saddam estava realmente respondendo às tentativas de mediação mais recentes tentadas pelo presidente do Egito, Hosni Mubarak, mas termina com a análise etnológica que diz mais a respeito dos motivos para a guerra do que muitas avaliações posteriores:

“É difícil exagerar a profundidade do sentimento antikuaitiano no Iraque. Este é um fundo extremamente importante para as tensões atuais. E a antipatia é velha e profunda –não algo estimulado pela mídia para a ocasião.”

“Os kuaitianos que chegam ao Iraque com bolsos cheios de dinares iraquianos (comprados com cotação do mercado negro que é menos que um décimo da taxa de câmbio oficial) e que gastam ostentosamente, não são de classe média educada –estes vão para a Europa. O Iraque recebe o equivalente ao ‘lixo branco pobre’, a classe média baixa, que pode ser vista em grande número em Basra na sexta-feira e nos resorts de verão do norte, frequentemente bêbada, às vezes desordeira, e geralmente apostando em cassinos fora isso vazios. Ela também vai para Bagdá em grande número, fornecendo clientela para as boates baratas e para as garotas de programa.”

“Os iraquianos sentem profundamente que os kuaitianos são grandes sovinas vivendo ostentosamente enquanto o Iraque, que fez sacrifícios terríveis durante a guerra, ainda está sofrendo.”

Quatro dias depois, a embaixadora Glaspie voou para Washington. Sete dias depois, em 2 de agosto de 1990, as tropas iraquianas invadiram o Kuait.

Naquele dia, o vice de Glaspie, Joseph Wilson, que ficou famoso 13 anos depois como o marido da espiã desmascarada da CIA, Valerie Plame, enviou ao Departamento de Estado a mensagem mais breve que a embaixada em Bagdá já tinha enviado: “Nós tentamos repetidamente, desde 0630 local, contatar os altos funcionários diplomáticos, incluindo o ministro Aziz. O subsecretário Hamdun aparentemente não está em casa, já que ninguém atende seu telefone de casa (...) A embaixada enviou uma equipe de gestão de crise”.

Saddam tinha atacado. E da noite para o dia, ele passou de aliado americano por quase 10 anos a inimigo mortal. Tudo o que antes parecia certo, repentinamente estava errado.

Os estados de espírito de um taleban

Combatente do Talibã em Herat
Longe da imagem do taleban de turbante, vestido de branco e usando uma longa barba preta, ele não tem nada de homem rural sem instrução. Com seus trinta e poucos anos, estudou em uma escola religiosa e quer mostrar um rosto sem fanatismo. Ele nos recebe, na sexta-feira (3), em Candahar, principal cidade do sul do Afeganistão, em uma grande casa iluminada. Ele aceitou responder às perguntas do “Le Monde” sem impor condições. Suas declarações causam ainda mais interesse pelo fato de que ele decidiu se distanciar há alguns meses do movimento taleban, apesar dos repetidos pedidos que recebeu para se tornar comandante, diz. Para sua segurança, oficialmente ele forneceu somente um apelido, “Mokhless” (“Seja honesto”, em pashtu).

Para muitos talebans, o início do inverno marca o fim dos combates e o início de uma migração para o Paquistão, de onde só voltarão para retomar a luta, a partir de abril ou maio. Durante esses longos meses, alguns se estabelecem nas madrassas (escolas religiosas) no Paquistão, ao longo da fronteira com o Afeganistão. Os chefes militares ou os representantes do Estado paralelo instaurado pelos talebans também atravessam a fronteira paquistanesa, mas muitas vezes permanecem em Quetta ou vão até Karachi, hospedados em confortáveis casas. Somente os combatentes rasos, frequentemente camponeses, permanecem no local e alimentam lentamente a insurreição.

Portanto, o fim de novembro é um período ideal para tentar encontrar alguns deles em Candahar. Vindos das zonas de combates mais brutais, eles fazem paradas de alguns dias na segunda maior cidade do país, antes de prosseguirem para o Paquistão. Mokhless, originário do vilarejo de Kashta Sayedan, perto da pequena cidade de Moshan, no distrito de Panjwayi, centro da província de Candahar, se viu no centro da ofensiva lançada no dia 17 de outubro pelas tropas americanas nessa parte da província. Essa zona, que por um tempo foi ocupada pelos canadenses, havia sido abandonada em razão da perseguição dos talebans locais. Graças aos reforços americanos empregados este ano, as forças da coalizão retomaram seu controle.

“Por enquanto”, explica Mokhless, “as pessoas estão contentes, estão lhes prometendo uma estrada asfaltada, e os americanos distribuem somas colossais de dinheiro bem além das indenizações pagas pelos danos causados pela ofensiva”. Esse afluxo de dinheiro vivo, que representa anos de salário para uma população pobre e rural, criou agitação entre os insurgentes. “Foi preciso resolver o conflito entre os talebans locais que pegavam o dinheiro e aqueles, vindos de fora, que faziam pressão sobre as pessoas para que elas não pegassem. O alto comando, em Quetta, disse que podiam pegar o dinheiro dos infiéis.”

A ofensiva em si teria feito somente poucos estragos entre os insurgentes. “Eles escolheram a época errada. Em campo, há somente os combatentes rasos, 90% daqueles que contam estão no Paquistão, em Quetta, e sobretudo em Chaman, mais ao sul, pois lá a rede de telefone afegã funciona.”

Embora desminta que a liderança taleban tenha sido decapitada, ele confirma os comunicados da Otan indicando que rotas de abastecimento foram cortadas e que está sendo sentida a falta de dinheiro para compra de armas.

Nem sempre os talebans estiveram em casa nesse distrito. Segundo ele, eles haviam perdido toda a credibilidade nessa zona após sua queda, no fim de 2001. Depois se recuperaram, em 2004: a corrupção e os abusos da polícia local convenceram os habitantes de que o regime taleban era um governo mais justo. “Durante a grande ofensiva de 2006, quando atacamos em peso as forças canadenses que nos bombardeavam, a população matava de livre e espontânea vontade seus carneiros para nos alimentar.”

Mas, no fim de 2007, as pessoas condenaram a decisão do chefe taleban da região, Sadiq Agha, de enforcar onze pessoas em duas semanas por espionagem. “Não havia nenhuma investigação, as pessoas diziam que fulano era espião, por simples motivos tribais.”

Entretanto, a população continua a financiar os talebans locais por meio do zakat, caridade destinada aos mais pobres, transformada em imposto. “As pessoas fazem isso porque não veem os talebans simplesmente como combatentes, mas também como um movimento social e político”. Por essa razão, Mokhless se diz “cético” quanto ao sucesso de uma reconciliação nacional. “Você tem dois chefes cara a cara, o presidente Karzai e o mulá Omar, que ainda é o líder da oposição. É impossível que eles se entendam”.

Mas o zakat não basta para financiar o movimento taleban. Segundo Mokhless, 80% dos líderes talebans têm contato com os principais traficantes de drogas do país, que lhes fornecem dinheiro e fazem contrabando de armas. Esse dinheiro em si não é suficiente para permitir que os talebans desafiem a longo prazo um exército superequipado de 150 mil homens.

Para resistir e prosperar, os laços com o Paquistão pareciam essenciais. “Em Quetta, só se tem direito ao porte de uma pistola, e os serviços secretos paquistaneses [ISI] dão telefones por satélite aos chefes, mas o hospital é gratuito para os combatentes.” Somente os comandantes teriam conexão com o ISI. “Eles lhes dão muito dinheiro e compram para si uma casa, seja em Quetta, seja no Afeganistão; eles lhes fornecem também material para as madrassas; meu tio, que é um comandante importante, conseguiu comprar terras.”

E o domínio paquistanês não parece pronto a relaxar. “Neste verão um comandante do distrito de Maywand, Hajimollah Hadam, que havia se queixado do papel do ISI, foi convocado a Quetta e preso. Nunca mais foi visto novamente.” Mas o abismo entre os soldados rasos no Afeganistão e os chefes refugiados em Quetta deu origem a ressentimentos. “No fim de 2007, fui convidado para uma grande reunião em Quetta”, conta Moklhess. “Havia um banquete, e o dinheiro gasto era chocante em comparação com aquilo que os soldados vivem no dia a dia no Afeganistão, dormindo nas vinhas e comendo pouco.”

A composição das tropas talebans também influencia nessa conscientização. “Em 2006-2007, 40% dos talebans eram daqui, 50% vinham do Paquistão e 10% eram estrangeiros, incluindo árabes; em 2010, eram 60% de talebans locais”.

“Por dentro, comecei a me distanciar a partir dos enforcamentos, aquilo ia contra minhas crenças. Demorei, mas saí”, diz. Se os talebans voltarem ao poder, ele verá então o que fazer. “Talvez eles consigam, eles não têm a tecnologia, mas têm a determinação”.

Todos atentos ao filho de Mubarak

Montagem com o presidente egípcio Hosni Mubarak (dir.) e seu filho, Gamal
A Praça de Al Hussein recebe uma multidão na sexta-feira, ao fim das orações em duas das principais mesquitas do Cairo. Os Irmãos Muçulmanos, uma organização islâmica ilegal mas mais ou menos tolerada e principal força de oposição ao regime de Hosni Mubarak, acabam de se retirar das eleições: o primeiro turno, no domingo passado, deu claros indícios de derrota colossal. Mas ninguém parece escandalizado demais nem preocupado com o segundo turno convocado para este domingo. As conversas derivam rapidamente para as presidenciais do próximo ano e para Gamal Mubarak, o filho do presidente. Todas as estratégias políticas, todas as hipóteses, todas as conversas de café giram em torno de Gamal e da sucessão de Hosni Mubarak, presidente desde 1981.

Em outras circunstâncias, eleições que no primeiro turno atribuíram 209 dos 221 lugares em jogo ao governante Partido Nacional Democrático (PND) teriam provocado um escândalo internacional e sérias convulsões internas. As circunstâncias no Egito, no entanto, são especiais. Não se duvidava da vitória arrasadora do PND de Mubarak, nem de que, como em outras ocasiões, haveria abundantes irregularidades eleitorais. O que conta são os matizes. Nas eleições parlamentares anteriores, por exemplo, os Irmãos Muçulmanos (que por sua situação da ilegalidade apresentam candidatos independentes) obtiveram 88 lugares e se aliaram praticamente aos setores reformistas do Parlamento. Na próxima legislatura não estarão: entre um punhado de escanos e nenhum, optaram por nenhum.

Um membro dos Irmãos Muçulmanos de 37 anos, robusto e vestido com túnica e paletó cinza, que prefere apresentar-se como "Mohamed" porque, segundo diz, não pode expressar de forma oficial as posições da organização, afirma que as eleições de hoje "não são muito relevantes": "São obscurecidas pelas próximas, as presidenciais". "Esperemos que a raiva não estoure no domingo em forma de violência, não vale a pena que ninguém derrame seu sangue", acrescenta, corroborado por assentimentos do grupo de seguidores que o rodeia. Mohamed descreve uma opinião bastante extensa: o regime fechou o punho com mais força que nunca nestas eleições, para garantir que o Parlamento não incomode no momento crucial da sucessão de Mubarak.

Nenhuma das pessoas do grupo duvida de que o homem eleito para a sucessão será Gamal Mubarak, o filho mais moço do presidente. Mas ninguém sabe como será organizada a transmissão. Alguns dizem que Mubarak, se continuar vivo (está gravemente doente e tem 82 anos), se apresentará pela última vez e garantirá que ao morrer o regime cerre fileiras em torno de Gamal para evitar o vazio de poder e a ameaça islâmica.

Outros dizem que será Gamal o candidato do PND e que os funcionários eleitorais vão arranjar as coisas para que ele obtenha uma vitória arrasadora. Mohamed prevê muita "tensão" nos meses anteriores às presidenciais de setembro de 2011 e opina que "em eleições limpas, ganharia a oposição", mas descarta a premissa essencial da limpeza.

Gamal Mubarak, 47, foi um financista de sucesso em Londres que voltou ao Egito como escolhido de seu pai. Ocupa a vice-secretaria geral do PND e dirige o comitê de iniciativas políticas, identificando-se com o setor mais liberal do partido. Não esteve diretamente envolvido em nenhum dos frequentes casos de corrupção (que é sistêmica), e em Washington é muito apreciado.

Mas nem todo o PND o vê como o sucessor ideal. É difícil que as massas urbanas ou os agricultores se reconheçam em um homem como Gamal. Ele é o líder de uma geração de egípcios multimilionários surgidos do compadrismo entre o partido praticamente único e a política de privatizações e estabilidade financeira lançada por Anuar el Sadat sob os auspícios do Fundo Monetário Internacional e acelerada por Mubarak.

A velha guarda do partido, ainda ressabiado com o socialismo e o nacionalismo de Nasser e articulada em torno do exército (Nasser, Sadat e o próprio Mubarak foram militares), prefeririam um candidato ainda mais continuísta como Omar Suleiman, o chefe do serviço de espionagem, embora por idade (75) fosse necessariamente um homem de transição.

Dada sua situação de ilegalidade e as ondas de repressão que se abatem periodicamente sobre eles, os Irmãos Muçulmanos não podem aspirar a apresentar um candidato próprio. São uma força socialmente influente, dominam os sindicatos profissionais, adquiriram uma notável ascensão sobre as classes médias (pauperizadas pela inflação e as políticas liberais) e conseguiram islamizar paulatinamente o Egito laico de Nasser, mas o acesso ao poder político está vedado a eles, pelo menos pela via eleitoral. Jogam com a possibilidade de dar um apoio tático ao outro grande aspirante, Mohamed el Baradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica e prêmio Nobel da Paz.

El Baradei (que desde o início boicotou as atuais eleições) realizou gestos de aproximação com os Irmãos Muçulmanos, em direção ao Wafd, o velho partido liberal, e com os partidos de esquerda, com o fim de aglutinar toda a oposição atrás de sua candidatura. O problema de Baradei é que os partidos de oposição são incompatíveis entre si. E que o próprio Baradei, que não vive permanentemente no Egito, é visto popularmente como um diplomata elitista e ancorado no Ocidente, desinteressado pelos problemas cotidianos da população.

EUA e Brasil colaboram em segredo contra radicais islâmicos

Telegramas do Itamaraty, inclusive do ministro Celso Amorim, revelam duplo discurso do Brasil
O governo brasileiro mantém um duplo discurso sobre a luta antiterrorista em seu próprio país. Por um lado, nega que exista essa ameaça e protesta quando se menciona a Tríplice Fronteira (entre Argentina, Paraguai e Brasil) como possível foco de apoio à organização islâmica Hizbollah ou de financiamento de grupos extremistas. Por outro colabora plenamente no campo operacional com os órgãos antiterroristas dos EUA, não só para investigar os indícios que lhe proporcionam, como para trocar informações. É o que se depreende dos telegramas enviados pela embaixada dos EUA no Brasil ao longo dos últimos anos.

Os despachos diplomáticos admitem também que, embora os meios de comunicação deem atenção relevante à Tríplice Fronteira, a principal preocupação dos serviços de inteligência brasileiro e americano se relaciona muito mais com a grande cidade de São Paulo, onde se detectou "a presença de indivíduos ligados ao terrorismo, em particular suspeitos extremistas sunitas e algumas pessoas ligadas ao Hizbollah".

Os diplomatas americanos explicam que a razão dessa dupla linguagem não está só no desejo do governo brasileiro de proteger sua ampla comunidade muçulmana (que segundo alguns telegramas ultrapassa 1 milhão de pessoas e segundo outros não chega a 500 mil), mas também por seu temor "paranoico" de que Washington utilize a luta antiterrorista como pretexto para reclamar um "legítimo interesse" na Tríplice Fronteira ou na Amazônia. Segundo um telegrama de 2009, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, referiu-se a "pretensas declarações de autoridades americanas segundo as quais a Tríplice Fronteira poderia ser um alvo legítimo dos EUA se nela fosse descoberta atividade terrorista".

Um telegrama posterior insiste nessa "profunda desconfiança" brasileira. "Embora para os americanos seja ridícula a ideia de que os EUA possam ter planos de invadir ou internacionalizar a Amazônia ou de se apoderar das reservas de petróleo, a verdade é que essa preocupação paira regularmente em nossas reuniões com funcionários, acadêmicos ou jornalistas brasileiros e está na raiz de sua desconfiança e insegurança sobre nossa presença na região", descreve.

No mesmo telegrama se afirma que os brasileiros mantêm atitudes paranoicas parecidas em relação à presença de ONGs na área da Amazônia, ao extremo de obrigá-las a se inscrever em um registro especial, e sobre a compra de terras por parte de estrangeiros. A nova estratégia militar de defesa, acrescenta, concede às Forças Armadas o mandato de proteger a soberania do Brasil contra um país ou grupo de países que atue "sob o pretexto de supostos interesses da humanidade". "Felizmente", ironiza o telegrama, "as Forças Armadas brasileiras permanecem enfocadas em desafios mais realistas."

O fato de que os funcionários brasileiros neguem a possível existência de apoio a grupos terroristas em seu território ("frequentemente nos perguntam: 'De que Tríplice Fronteira falam? Temos nove tríplices fronteiras'", afirma um telegrama), a realidade é que a embaixada dos EUA em Brasília se mostra muito satisfeita com a cooperação que existe no plano operacional. Um despacho de outubro de 2009 registra que pela primeira vez o chefe da divisão de inteligência da Polícia Federal brasileira, Daniel Lorenz, admitiu diante da Câmara de Deputados que um indivíduo preso em abril sob a acusação de promover o ódio é na realidade alguém ligado à Al Qaeda. Também pela primeira vez o Brasil aceita que os terroristas poderiam estar interessados no país, "pelo fato de que o Rio de Janeiro será a sede dos Jogos Olímpicos".

Da leitura de um farto grupo de telegramas se deduz que os brasileiros não acreditam que a Tríplice Fronteira seja um lugar perigoso do ponto de vista do possível financiamento de grupos terroristas. "Segundo Lorenz", afirma um telegrama, "as pessoas que conheceu na região nos anos 90 sabem que já não é o que foi. Agora são as redes criminosas chinesas que estão mais ativas, e não as árabes, nos afirma". Os americanos não recuam em seu interesse pela região, mas acreditam que os brasileiros suspeitam de que essa atenção esteja mais relacionada a problemas de contrabando e pirataria do que à luta antiterrorista.

Segundo os telegramas, onde coincide o nervosismo de uns e de outros é nos subúrbios de São Paulo "e em outras áreas do sul do Brasil". "Apesar da retórica do Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores], a Polícia Federal, as Aduanas e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estão conscientes das ameaças", afirma um despacho intitulado "Contraterrorismo: olhando além da Tríplice Fronteira". "A Polícia Federal", explica, "detém com frequência indivíduos com ligações terroristas, mas os acusa de uma grande variedade de delitos não relacionados ao terrorismo, para evitar chamar a atenção da mídia e dos mais altos níveis do governo". "No ano passado [2007], a Polícia Federal prendeu várias pessoas envolvidas no financiamento de atividades terroristas, mas baseou suas detenções em delitos relacionados às drogas e à evasão fiscal", explica.

Os serviços de inteligência e a polícia brasileira, informa a embaixada americana, concentraram seus esforços na área de São Paulo e em zonas próximas a Peru, Colômbia e Venezuela. Um telegrama enviado de São Paulo observa que, segundo os dados que manipula a própria comunidade islâmica da cidade, existem no Brasil entre 400 mil e 500 mil muçulmanos, e não os cerca de 1,5 ou 2 milhões a que se referem outras fontes.

"A maioria dos muçulmanos no Brasil é sunita de ascendência libanesa, cujas famílias chegaram há décadas", explica o consulado, "mas mais recentemente apareceu um grupo de imigrantes que também procede do Líbano, mas que são mais pobres e na maioria xiitas." "Sua política é mais radical e frequentemente olham para o Hizbollah em busca de liderança."

O cônsul explica detalhadamente: "Embora a grande maioria dos muçulmanos seja moderada, existem aqui alguns elementos genuinamente radicais, alguns em Foz do Iguaçu e outros entre os aproximadamente 20 mil xiitas de orientação Hizbollah que vivem em São Paulo (...). Muçulmanos sunitas moderados afirmam que alguns imigrantes xiitas viajam ao Brasil com o apoio do Hizbollah, segundo se diz com US$ 50 mil para fundar negócios que ajudem o Hizbollah no Líbano."

Com indignação e pedidos de desculpas, Washington tenta reconstruir reputação abalada

A secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, tem tentado consertar
o estrago provocado na reputação de Washington, enquanto alguns indivíduos chegaram
até ao extremo de pedir a execução da Julian Assange
A face dela parece estar congelada há dias. Ela tem uma aparência debilitada, os lábios estão sempre contraídos e a sua expressão é séria, muito séria. A secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, está atualmente enfrentando as consequências daquele que provavelmente é o maior caso de indiscrição na história da diplomacia.

Hillary Clinton, que em uma viagem de controle de danos pelo mundo a fora, condenou veementemente a publicação dos “cables” (mensagens com classificação de sigilo, via de regra criptografadas, transmitidas ou recebidas por representações diplomáticas dos Estados Unidos) de embaixadas pelo website WikiLeaks, chamando a ação de “um ato insensato e muito irresponsável que coloca em risco as vidas de pessoas inocentes em todo o mundo”.

“A secretária Hillary Clinton está trabalhando literalmente noite e dia em conversas com incontáveis líderes em todo o mundo no sentido de tentar fazer tudo o que puder não só para mostrar o quanto lamenta o que aconteceu, mas também para resolver o problema”, disse aos parlamentares norte-americanos o vice-secretário de Estado para Questões Políticas, William Burns. O marido dela, o ex-presidente Bill Clinton, afirmou que ficará “muito surpreso se algumas pessoas não perderem a vida” por causa dos vazamentos.

Sob os holofotes


Na quarta-feira da semana passada, Hillary Clinton estava em Astana, a capital do Cazaquistão, para uma reunião há muito agendada pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Essa foi a sua primeira aparição importante no cenário internacional após os vazamentos, e ela sabia que a situação poderia ser embaraçosa.

O presidente Nursultan Nazarbayev, o governante de 70 anos de idade do Cazaquistão, estava de pé no palco de um grande auditório no Palácio da Independência, aguardando 38 chefes de Estado, bem como políticos importantes de todo o mundo. Ele foi o anfitrião do evento, a primeira reunião de cúpula da OSCE desde 1999. O chefe de cada delegação tinha que subir uma pequena escada até o palco do auditório para apertar a mão do autocrata cazaque.

Finalmente, chegou a vez de Hillary Clinton. Usando um terno azul-escuro, ela subiu a escada e caminhou em direção a Nazarbayev, com um sorriso largo. Enquanto estava no palco com Nazarbayev, Hillary Clinton sabia que as luzes do holofote focalizavam-se nela, como chefe do Departamento de Estado dos Estados Unidos, a agência de governo responsável pela redação de tantos perfis psicológicos antipáticos e avaliações de políticos de todo o mundo.

Algumas das pessoas sobre as quais os embaixadores de Hillary Clinton escreveram estavam sentados no auditório em frente a ela. Entre eles o presidente russo Dmitry Medvedev, a quem os diplomatas norte-americanos caracterizaram como “apagado e hesitante” e compararam a um personagem de revista em quadrinho, e o presidente do Turcomenistão, que, segundo os relatórios, é “um mentiroso experiente” e “não muito brilhante”.

O anfitrião Nazarbayev aparentemente gosta de climas quentes, tem cerca de 40 cavalos no seu haras e é dono de um palácio nos Emirados Árabes Unidos. Nazarbayev já declarou aos norte-americanos que superará o mal estar provocado por essas revelações.

Mais do que egos machucados

Mas a questão vai além de egos potencialmente machucados. As mensagens publicadas expõem os processos de raciocínio dos líderes norte-americanos e dos seus congêneres estrangeiros. Elas expõem autênticas frases e citações diretas das regiões em crise do mundo. Os relatórios mencionam foguetes B25 norte-coreanos capazes de lançar ogivas nucleares a uma distância aproximada de 3.000 quilômetros, armamentos que Pyongyang teria enviado ao Irã. Eles revelam que diplomatas dos Estados Unidos receberam instruções secretas no verão (do hemisfério norte) de 2009 para praticarem atos de espionagem contra autoridades estrangeiras na Organização as Nações Unidas (ONU). Eles analisam os líderes árabes que mostraram-se favoráveis ao bombardeio do Irã. Eles descrevem uma maleta contendo US$ 52 milhões (39 milhões de euros, R$ 87,5 milhões) em dinheiro vivo, com a qual o ex-vice-presidente do Afeganistão foi pego em Dubai antes de ser liberado. E eles mencionam um ministro da Defesa libanês que disse esperar que Israel bombardeasse o seu próprio país e aniquilasse o Hezbollah.

As mensagens, relatórios de um universo de secretismo e discrição, contêm declarações impressionantemente claras e sem retoques feitas no contexto do reino diplomático da duplicidade. Eles chocaram, alienaram e consternaram o mundo.

O ministro italiano das Relações Exteriores, Franco Frattini, aparentemente em estado de choque e falando meio prematuramente, chamou os vazamentos de o “11 de setembro da diplomacia mundial”. O porta-voz do governo francês François Baroin, chamando os vazamentos de uma ameaça que precisava ser combatida, declarou: “Eu sempre achei que uma sociedade transparente é uma sociedade totalitária”.

Hillary Clinton está ciente dessas irritações. Segundo o seu porta-voz, ela alegou que não leu nem um só dos documentos problemáticos. Isso é surpreendente. No seu discurso no plenário da reunião da OSCE, ela não disse uma palavra sequer sobre as inconfidências do WikiLeaks.

“Nenhum amigo melhor”

Subitamente, a chanceler alemã Angela Merkel, a mulher que diplomatas norte-americanos descreveram como “raramente criativa”, estava sentada ao lado de Hillary Clinton. Angela Merkel também estava usando uma roupa azul escura naquele dia. As duas mulheres pareciam estar tendo uma conversa amigável. A chanceler diria mais tarde que a questão do WikiLeaks desempenhou um papel apenas “secundário” na reunião.

As coisas não transcorreram tão bem para Hillary com Silvio Berlusconi. Desde que começaram os vazamentos, o primeiro-ministro italiano – o último líder mundial a chegar à reunião, levando uma pasta debaixo do braço e visivelmente sem fôlego – tem sido alvo de suspeitas de beneficiar-se pessoalmente com negociatas no setor de energia com a Rússia, algo que ele nega. As mensagens descrevem Berlusconi como sendo “irresponsável, fútil e ineficiente” e um “party animal” (pessoa que gosta excessivamente de festas e noitadas) que não dorme o suficiente. Mas, em Astana, Hillary Clinton também sentiu-se compelida a elogiar o italiano. “Nós não temos nenhum amigo melhor, ninguém que apoie as políticas norte-americanas de forma tão consistente quanto o primeiro-ministro Berlusconi”, declarou Hillary Clinton aos repórteres.

Pedidos de desculpas, manifestações de solidariedade e tentativas de consertar o estrago: será que essas serão as características da política norte-americana nos próximos meses?

“É claro que não temos como colocar o creme dental de volta no tubo”, escreve o oficial de inteligência da Agência Central de Inteligência (CIA), Robert Baer, em uma coluna de opinião no jornal “Financial Time”. “A credibilidade do Departamento de Estado enquanto interlocutor confiável evaporou-se, e sem dúvida essa situação durará muito tempo”.

Em uma entrevista a “Der Spiegel”, o ex-chefe de inteligência saudita, príncipe Turki bin Faisal, afirma que “a credibilidade e a honestidade dos norte-americanos foram as vítimas desses vazamentos” e diz acreditar que daqui por diante “ninguém mais falará francamente com os diplomatas dos Estados Unidos”.

“Qualquer punição mais leve do que a execução seria uma generosidade demasiada”

Os indivíduos que situam-se na extrema direita do espectro político norte-americano sentem-se mais uma vez ameaçados por uma força estrangeira. Quem quer que tenha passado essas informações é culpado de traição, acusa o ex-pregador batista Mike Huckabee, um dos principais nomes cogitados para disputar a presidência pelo Partido Republicano em 2012. Segundo Huckabee, “qualquer punição mais leve do que a execução seria uma generosidade demasiada”.

A rival dele, Sarah Palin, escreveu na sua página do Facebook que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, deveria ser caçado como um terrorista. “Ele é um agente operacional antiamericano que tem as mãos manchadas de sangue... Por que não procurá-lo com a mesma urgência que procuramos os líderes da Al Qaeda e do Taleban?”.

Uma liderança política que não tem falado muito sobre o episódio é o presidente Barack Obama, cuja forma de lidar com o problema do WikiLeaks até o momento só confirma as críticas feitas pelos seus adversários. Assim como ocorreu na controvérsia em torno do centro islâmico em Nova York e do vazamento de petróleo no Golfo do México, Obama está sendo mais uma vez acusado de não tomar uma ação decisiva, demonstrando fraqueza e colocando em risco o status de superpotência dos Estados Unidos. A inação de Obama no caso do WikiLeaks foi o foco da crítica conservadora na segunda metade da semana passada.

A comentarista Ann Coulter diz que Obama é um líder hesitante e impotente que está paralisado na Casa Branca, incapaz de fazer qualquer coisa para defender o seu país. “Enquanto a Interpol procura Assange, o governo dos Estados Unidos não está fazendo tudo o que está ao seu alcance para prendê-lo. Ela retrata os Estados Unidos como “um gigante impotente e digno de pena”.

Teorias da conspiração

A Turquia está cogitando tomar ações legais por causa dos vazamentos. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, descrito nas mensagens diplomáticas como sendo um “islamita ignorante” com oito contas bancárias na Suíça, deseja vingar-se dos diplomatas dos Estados Unidos com vigor. “Aqueles que nos difamaram serão esmagados sob estas alegações, serão liquidados e desaparecerão”, anunciou Erdogan em Istambul, onde ele está cogitando mover um processo judicial contra os diplomatas.

Muitos turcos suspeitam que uma conspiração maciça por parte do lobby judeu esteja por trás da campanha do WikiLeaks, uma opinião que é compartilhada pelo vice-líder do partido governista turco, o AKP. Segundo ele, o objetivo dos relatórios é enfraquecer o governo turco.

As mensagens diplomáticas vazadas provavelmente terão os efeitos de longo prazo mais graves em locais do mundo que já eram extremamente frágeis antes dos vazamentos: o Oriente Médio, o Iêmen, os países que fazem fronteira com o Irã, o Afeganistão e o Paquistão. Críticos em Islamabad disseram na semana passada que os Estados Unidos, o parceiro estratégico do Paquistão na luta contra o terrorismo, desconfia dos seus aliados paquistaneses e está “fazendo um jogo duplo”. Alguns dos relatórios vazados revelam preocupações dos Estados Unidos quanto à possibilidade de Islamabad não estar protegendo suficientemente o seu arsenal nuclear. “Os documentos revelam o que Washington pensa de fato sobre nós”, diz uma autoridade de um ministério paquistanês.

Humilhação

Os diplomatas da secretária Hillary Clinton terão que cortejar os seus congêneres estrangeiros e expressar abertamente o seu arrependimento, e precisarão também humilhar-se para superar a perda de confiança. O Departamento de Estado já está pensando em remover alguns dos seus embaixadores como forma de consertar o estrago. O subsecretário de Estado para Questões Políticas, William Burns, afirma que os vazamentos feitos pelo WikiLeaks provocaram “estragos substanciais” na diplomacia dos Estados Unidos.

Um fato peculiar a respeito desse debate é que existe também uma outra perspectiva, totalmente diferente, por parte daqueles indivíduos que acham que os relatórios vazados são “embaraçosos, mas não causam estragos” e que eles não trazem “novas informações relevantes”.

“As revelações do WikiLeaks não oferecem nenhuma surpresa”, diz o jornal suíço “Neue Zürcher Zeitung”, enquanto que o jornal semanal alemão “Die Zeit” argumenta que “não está em risco nada que deva preocupar a humanidade, e muito menos a Europa”.

Do banal ao explosivo

Todo mundo, desde os indignados até aqueles que minimizam a significância dos relatórios vazados, estão falando sobre as mesmas mensagens, os mesmos dados que o WikiLeaks começou a divulgar no seu website no domingo, 28 de novembro. O jornal estadunidense “The New York Times”, o britânico “The Guardian”, “Der Spiegel”, o jornal francês “Le Monde” e o espanhol “El Pais” tiveram acesso antecipado a esse autêntico tesouro de informações e puderam analisá-lo. Raramente um vazamento enfureceu tanta gente e provocou reações tão divergentes. E também raramente vazamentos foram disseminados de forma tão ampla e simultânea.

Alguns dos 251.287 documentos são banais, mas outros são tão explosivos que os órgãos de comunicação que os analisaram decidiram não publicá-los. Houve milhares de situações em que os jornalistas tiveram que exercer discrição no sentido de lidar responsavelmente com as informações contidas nas mensagens diplomáticas. Para proteger as chamadas fontes secundárias, os nomes destas não foram mencionados. Certas medidas de contraterrorismo e operações militares foram mantidas em sigilo, devido à consideração pelos governos envolvidos.

“Der Spiegel” passou meses examinando esse material, da mesma forma que fez com materiais de qualquer outra fonte no passado e que continuará fazendo no futuro. A única diferença no caso do WikiLeaks foi que as cinco empresas de mídia envolvidas concordaram quanto à data da divulgação, e concordaram também em não revelar os nomes de pessoas cuja liberdade ou vidas poderiam ser colocadas em risco devido a tais revelações.

Fonte de ressentimento


Muitos dos relatórios vazados são parte do processo comum de informação diplomática, enquanto outros se constituem claramente em casos fronteiriços. O recrutamento de uma fonte dentro do Partido Liberal Democrático (em alemão, Freie Demokratische Partei, ou FDP) por funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Berlim se enquadra certamente nesta última categoria.

Um outro caso do gênero é aquele que envolve as instruções do Departamento de Estado dos Estados Unidos para que os seus diplomatas espionem as autoridades da ONU em Nova York. As diretrizes em que eles se basearam incluíam o pedido para a confecção de uma lista – pedido este feito pela CIA – com informações sobre autoridades graduadas da ONU. “O conteúdo daquilo veio de fora do Departamento de Estado”, disse o porta-voz do departamento, Philip Crowley, em uma declaração à imprensa na semana passada.

As diretrizes, que instruíam os diplomatas a obter dados biométricos dos enviados da ONU, bem como os detalhes sobre os seus programas de milhagem aérea e até números de cartões de crédito, transformaram-se sem dúvida em uma fonte de ressentimento e raiva no prédio da ONU, às margens do East River, em Nova York.

Falando em uma sessão plenária, o porta-voz da ONU Farhan Haq citou uma passagem da Convenção de 1946 sobre os Privilégios e Imunidades das Nações Unidas. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, nitidamente perturbado pelas revelações, conversou com Hillary Clinton, mas ambos permaneceram diplomaticamente silenciosos quanto a questão após o encontro.

Estado de choque

Os documentos tiveram o impacto mais profundo no Oriente Médio, onde eles confirmaram uma suspeita muitas vezes alegada, mas nunca comprovada, de que os governos de Israel e dos principais países árabes, que tradicionalmente manifestam hostilidades mútuas, concordam integralmente em relação a uma questão: a posição quanto ao Irã. Ambos os lados aparentemente desejam que os norte-americanos ponham um fim ao programa nuclear de Teerã e, contradizendo as suas posições oficiais, muitos líderes árabes estão preparados para aceitar a guerra como uma possível consequência. Os diplomatas norte-americanos citam o príncipe dos Emirados Árabes Unidos como tendo dito que um ataque ao Irã é meramente “uma questão de quando, e não de se”.

O fato de terem visto isso publicado pela primeira vez causou tanto impacto nas elites árabes que estas ficaram em estado de choque durante três dias. Na quarta-feira passada, os jornais controlados pelo governo dos países do Golfo Pérsico não publicaram uma palavra sequer sobre as declarações colossais feitas secretamente pelos seus próprios reis, xeques e emires. A imprensa árabe quedou-se silenciosa por um bom motivo. Os líderes árabes mentiram para o seu povo durante anos. Os relatórios demonstram claramente que as declarações repetidas desses líderes pedindo a união muçulmana não passavam de palavras vazias. Os documentos mostram, por exemplo, que os líderes árabes sunitas demonstram uma profunda aversão pelos mulás xiitas de Teerã ao dirigirem contra estes uma enxurrada de insultos.

O único problema é que as populações desses países, influenciadas por décadas de propaganda, desde então formaram uma opinião diferente. Segundo uma recente pesquisa feita pela empresa de pesquisas de opinião pública norte-americana Zogby, apenas 10% dos egípcios, sauditas e jordanianos sentem-se ameaçados pelo Irã, enquanto que 77% temem os Estados Unidos e 88% veem Israel como uma ameaça. As inconfidências contidas nos documentos das embaixadas estão deixando os governos do Oriente médio mais nervosos do que os líderes de qualquer outra região do mundo, porque tais relatórios comprovam que pelo menos parte da legitimidade desses governantes está baseada em mentiras.

No final da semana passada, um grupo de mensagens diplomáticas oriundas de uma fonte desconhecida emergiu no mundo árabe. Os documentos não foram divulgados no website do WikiLeaks, nem pelos cinco parceiros da mídia. Até a noite de sexta-feira a fonte continuava sendo um mistério desse vazamento, bem como a questão relativa à responsabilidade com que lidar-se-á com os documentos. No entanto, essas mensagens parecem ser autênticas.

“Conspiração satânica”

O presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad declarou desde o início que as mensagens foram forjadas, sendo o resultado de uma “conspiração satânica” lançada por Washington para prejudicar as relações entre árabes e iranianos. O conselheiro dele, Esfandiar Rahim Mashai, declarou: “Os Estados Unidos querem se apresentar como os líderes do mundo, como os senhores dos destinos de todas as nações”.

Ninguém parece se sentir tão confortável com os vazamentos quanto o pior inimigo e o melhor amigo, respectivamente, dos Estados Unidos, Irã e Israel. Enquanto Ahmadinejad criticou duramente aquilo que ele classifica como a “guerra psicológica norte-americana”, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu mostrou-se nitidamente tranquilo ao falar com a imprensa em Jerusalém. O fato de o mundo inteiro poder agora ler como as agências de inteligência árabes cooperam estreitamente com Israel, e que os governantes de Abu Dhabi e da Arábia Saudita pediram um ataque contra o Irã, tudo isso são presentes inesperados para Netanyahu.

Pela primeira vez na história – disse Netanyahu aos jornalistas – existe finalmente um consenso de que o Irã é uma ameaça. Ele chegou a declarar que vê os vazamentos como um fator fundamental para a paz regional. “Se os líderes dissessem abertamente aquilo que vêm dizendo há muito tempo a portas fechadas, nós teríamos realmente um fato revolucionário na rota para a paz”.

Uma nova comunidade de fãs do WikiLeaks emergiu em Israel da noite para o dia. Um colunista do importante jornal israelense “Yedioth Ahronoth” escreveu: “Se o WikiLeaks não existisse, Israel teria que inventá-lo”.

Reação relaxada

E o que estão dizendo os britânicos? Ele tiveram que descobrir que, aparentemente, o fato de a maior fabricante britânica de armamentos fazer negócios corruptos com a Arábia Saudita não incomoda o príncipe Andrew. Eles também leram que o diretor do seu banco central, o Banco da Inglaterra, manifestou dúvidas quanto à capacidade de o primeiro-ministro David Cameron sobreviver à atual crise financeira. Os britânicos estão, de fato, adotando uma abordagem relaxada. Ao contrário de diversos norte-americanos, eles não veem o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, como um inimigo público. Sherard Cowper-Coles, um diplomata britânico que até recentemente foi o enviado especial do seu país ao Afeganistão e ao Paquistão, disse que o material pode ser “inconveniente”, mas que ele contém “poucas surpresas”.

Agora todos podem constatar por si próprios o que um diplomata norte-americano de primeira linha está fazendo, escreve o historiador Timothy Garton Ash, argumentando que os vazamentos são, na verdade, uma boa notícia para os Estados Unidos. Fareed Zakaria, o colunista chefe da revista “Time”, concorda. Após analisar as mensagens vazadas, Zakaria escreve que ficou aliviado pelo fato de descobrir que elas “mostram um establishment diplomático norte-americano que é muito bom em analisar os fatos”.

Assim sendo, qual é exatamente o fator negativo para os Estados Unidos? Talvez o maior problema revelado pelos relatórios, escreve Zakaria, seja o fato de um soldado individual, sentado diante do seu computador em uma base militar no Iraque, ter sido capaz de fazer o download de relatórios secretos sobre conversas entre o ministro francês das Relações Exteriores e o secretário de Defesa dos Estados Unidos. Para Zakaria, foi a política absurda de Washington em relação a dados e informações que tornou o escândalo possível, um problema que os norte-americanos estão sendo obrigados a enfrentar.

Nada deve ser vedado


“Der Spiegel” teria publicado esses relatórios caso eles tivessem vindo de uma fonte diferente? A revista os considera politicamente significantes? A resposta em ambos os casos é sim. Um jornal ou revista tem que ser capaz de imprimir material que autoridades de Estado exploraram de forma errada ou sobre o qual fizeram segredo, escreveu certa vez Rudolf Augstein, o fundador de “Der Spiegel”. “Um jornalista é motivado pela intenção de fornecer à população o conhecimento do qual ela necessita para formar uma opinião sobre questões existenciais”, escreveu também o já falecido ex-editor de “Der Spiegel”.

Segundo a jornalista Dana Priest, do “Washington Post”, ganhadora do Prêmio Pulitzer, esses documentos demonstram como as nações interagem entre si, e proporcionam “uma visão sem filtros” daquilo que elas pensam dos seus inimigos e aliados. Priest argumenta que a população tem o direito de saber o que o governo está de fato fazendo.

Mas os países não têm também o direito à privacidade, conforme indaga a revista suíça semanal “Weltwoche”?

“Der Spiegel” sempre foi da opinião de que nem tudo o que os governos consideram secreto deve ser vedado aos jornalistas. A revelação do caso Flick, em 1982, por “Der Spiegel”, envolvendo contribuições políticas questionáveis por parte da companhia alemã Flick, baseou-se em documentos confidenciais da promotoria pública. A matéria da revista sobre o caso de corrupção Neue Heimat teve como base documentos internos de um sindicato, e “Der Spiegel” obteve informações sobre o desastre que foi o bombardeio de Kunduz a partir de documentos militares confidenciais alemães e de um relatório da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) com classificação de sigilo.

“Um jornalista que vê os dados do WikiLeaks primariamente como uma questão de segurança nacional, ou pior ainda, de segurança do Ocidente, teve todo sucesso em dar um tiro no próprio pé – e, no decorrer desse processo, desfechou um golpe contra a liberdade de imprensa”, escreve Jakob Augstein, filho do fundador de “Der Spiegel” e editor do jornal semanal “Freitag”.

Mas até mesmo aqueles jornais que criticaram a publicação dos relatórios, tais como o tabloide alemão “Bild”, que classificou os “anarquistas online” de criminosos, ou o diário “Die Welt”, que mencionou uma “quebra sumário de sigilo irresponsável e imensamente perigosa”, não deixaram de fazer reportagens extensas sobre os vazamentos na semana passada.

Pedidos de vingança

Neste aspecto, a Alemanha não difere dos Estados Unidos, onde as forças políticas de direita estão neste momento pedindo vingança. Bloguistas têm usado os seus sites para revelar os seus próprios planos para Bradley Manning, o cabo homossexual de 23 anos de idade, um ex-especialista em tecnologia da informação no Iraque, que supostamente fez o download das mensagens diplomáticas e vazou-as para o WikiLeaks. Eles querem vê-lo dentro de um daqueles trajes cor de laranja usados pelos prisioneiros de Guantánamo, sendo recolhido por um helicóptero e arrastado para um campo secreto. Durante dias, eles têm pedido na Internet a execução do jovem militar. O homem que afirmou ter copiado as mensagens em um CD que ele disfarçou como se contivesse músicas de Lady Gaga não se transformou em um herói, e tampouco Assange, o fundador do WikiLeaks.

Na última quinta-feira, a Federação Internacional dos Jornalistas criticou aquilo que chamou de “uma campanha política” contra Assange e Manning. Segundo a Federação Internacional dos Jornalistas, os “pedidos por parte de comentaristas de direita para que Manning seja executado e que Assange seja caçado como um espião... revelam um espírito de intolerância e perseguição que é perigoso não só para os dois homens, mas para todos os jornalistas engajados na investigação de questões públicas”.

O governo dos Estados Unidos está fazendo tudo o que pode para impedir a disseminação dos documentos. A Administração de Segurança Social foi a primeira agência governamental a advertir os seus funcionários, 62 mil no total, para que estes não disseminem documentos do WikiLeaks para outros, não os copiem ou sequer os leiam. Os funcionários públicos que desobedecerem essa ordem poderão deparar-se com consequências criminais.

Manning, que tinha 22 anos de idade quando copiou os arquivos, tem sido repetidamente acusado de ser motivado pelo desejo de reconhecimento. Mas o próprio Manning ofereceu uma explicação diferente antes de ser levado para a prisão. Ele disse que o mandaram ocultar muita coisa durante o período que passou no Iraque, e que isso o deixou indignado. Depois de ver o atualmente famoso vídeo do helicóptero matando inocentes em Bagdá, ele aparentemente decidiu procurar mais material. Manning contou que, quando descobriu as mensagens diplomáticas, desejou que o mundo inteiro conhecesse o conteúdo delas.

Acorrentado


Manning encontra-se há mais de quatro meses em uma prisão militar na Base do Corpo de Fuzileiros Navais de Quantico, a cerca de uma hora de carro de Washington. Ele acorda todo dia às 5h30 e vai dormir às 20h30. O seu advogado pode visitá-lo, e uma tia o visitou pela primeira vez duas semanas atrás. Por outro lado, os seus parentes mais próximos ainda não estiveram em Quantico. Quando chega alguém para visitar Manning, ele é trazido à área de visitas com as mãos e os pés acorrentados. O barulho das correntes pode ser ouvido de longe.

Ele toma antidepressivos e pílulas para dormir, mas não é mais considerado um indivíduo que corre o risco de se suicidar. No entanto, como medida de precaução, não há lençóis ainda na sua cela. Ele pode assistir à televisão uma hora por semana.

É bem possível, portanto, que Manning esteja agora ciente da tempestade que ele desencadeou lá fora, além dos portões da base de Quantico.

"A credibilidade da América é a vítima desses vazamentos", diz o príncipe saudita Turki Bin Faisal

O ex-chefe da inteligência saudita, o príncipe Turki Bin Faisal, teme que os despachos diplomáticos americanos divulgados pelo WikiLeaks possam prejudicar a credibilidade americana. Ele falou com a “Spiegel” sobre as repercussões diplomáticas, as relações de seu país com o Irã e Israel e o fardo histórico que seu país carrega devido aos ataques de 11 de setembro de 2001.

Turki Bin Faisal
Spiegel: Sua Alteza, poucos dias antes da publicação dos documentos secretos do Departamento de Estado americano, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, telefonou para os principais aliados dos Estados Unidos para alertá-los. O senhor também recebeu um telefonema?

Turki:
Não, eu não sou o ministro das Relações Exteriores.

Spiegel: Mas o senhor serviu à Arábia Saudita, a aliada mais importante de Washington no mundo árabe, como embaixador nos Estados Unidos. Agora, detalhes íntimos dessa parceria foram revelados. Que consequências isso terá para suas relações com os Estados Unidos?

Turki:
A credibilidade e honestidade da América são as vítimas desses vazamentos. As pessoas, incluindo as autoridades, não mais falarão francamente com os diplomatas americanos.

Spiegel: O que isso significa para seu país?

Turki:
Nós superamos questões mais sérias no passado. Em 1945, por exemplo, meu avô, o rei Abdulaziz, se encontrou com o presidente Franklin D. Roosevelt a bordo do USS Quincy. Roosevelt tentou convencer o rei Abdulaziz a apoiar as aspirações do povo judeu que sofria na Europa, permitindo que imigrassem para a Palestina. Meu avô foi contrário. Por que os palestinos deveriam sofrer pelo que os nazistas tinham feito? Então eles concordaram que Roosevelt não agiria sem antes consultar seus amigos árabes.

Spiegel: E então?

Turki:
Como aconteceu –segundo os documentos que posteriormente vazaram– o sucessor de Roosevelt, Harry Truman, tinha um amigo de pôquer judeu. Este homem telefonou para ele e disse: “Escute, Harry, é melhor você fazer isso em nome dos velhos tempos”.

Spiegel: E assim os Estados Unidos reconheceram Israel sem consultar os sauditas?

Turki:
Todos os velhos compromissos foram abandonados. O Reino foi afetado por isso e ficou desapontado. Mas nós também tínhamos outros interesses: o desenvolvimento dos recursos de petróleo, a luta anticolonialista contra os britânicos e franceses, a ameaça comunista que surgia. Assim, é claro, nós mantivemos nossas relações com os Estados Unidos, expressando ao mesmo tempo nossa oposição pública quando surgiu a ocasião.

Spiegel: E isso é o que também se espera após as revelações do WikiLeaks? Oposição pública, mas a continuidade das relações?

Turki
: Nossos laços são fortes e estratégicos. Eles continuarão. Um exemplo da América nos ajudando foi na invasão iraquiana ao Kuwait. Os soldados americanos estavam dispostos a lutar e morrer. Nós não esqueceremos isso. Os Estados Unidos também são o único país capaz de dizer não aos israelenses. A América é o único jogo na cidade. Os europeus também estão sentados sobre seus traseiros dizendo: América, vá primeiro, nós seguiremos. Os europeus não se erguerão em defesa dos nossos direitos na Palestina ou no Líbano, nem os russos e nem a ONU. A América irá. É por isso que nossas relações estratégicas com a América são tão importantes.

Spiegel: Nós agora sabemos pelos cabogramas diplomáticos americanos que Israel e Arábia Saudita têm um interesse comum essencial: impedir que o Irã adquira uma bomba nuclear. Os despachos mostram que os mais altos escalões da liderança saudita não confiam nos iranianos na questão nuclear.

Turki:
Nem deveríamos. Nós sempre dissemos aos iranianos para serem mais sensíveis nesse assunto. Mas se você quiser que Israel, Turquia e Arábia Saudita se engajem com o Irã, primeiro é preciso nivelar o campo de jogo. Deveria haver um regime de recompensa e um regime de sanções, incluindo sanções militares, para os países que ingressassem em uma zona no Oriente Médio livre de armas de destruição em massa. Além disso, deveria haver uma defesa antinuclear fornecida pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Essa defesa antinuclear poderia fornecer proteção a Israel.

Spiegel: De acordo com os documentos agora publicados, o rei Abdullah pediu aos americanos para colocarem um fim ao programa nuclear do Irã e “cortar fora a cabeça da serpente”.

Turki:
Os documentos do WikiLeaks são uma mistura de seletividade, imprecisão, busca de agenda e pura desinformação.

Spiegel: Não é verdade que, caso Israel lance um ataque contra as instalações nucleares iranianas, a Arábia Saudita abriria seu espaço aéreo para Israel?

Turki:
Eu conheço esses rumores. A maioria deles vem de Israel.

Spiegel: Há pessoas na Arábia Saudita que pensam o mesmo.

Turki:
Leigos, talvez. Eu lidei com essas questões durante toda minha vida e lhe digo: a Arábia Saudita nunca aceitaria um ataque de Israel a qualquer país na área, independente do que esse país faça.

Spiegel: Por que não fazer uso do temor comum de uma bomba iraniana para fazer aberturas aos israelenses?

Turki:
Por que deveríamos? Em 1981, a Arábia Saudita propôs a aceitação das fronteiras de 1967 –o plano do rei Fahd. Mas Israel invadiu o Líbano. Em 2002, o então príncipe regente Abdullah uniu todo o mundo árabe em torno de um plano de paz, a chamada Iniciativa Abdullah. Mas o que Israel fez? Nada. Nenhuma resposta.

Spiegel: Homens como o senhor e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, têm os mesmos temores com uma bomba iraniana. Vocês são aproximadamente da mesma geração e ambos estudaram nos Estados Unidos. Por que não falam um com o outro?

Turki:
Netanyahu explora a questão iraniana. Ele usa a ameaça de Teerã para mobilizar a opinião pública israelense e a opinião global. A propósito, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, faz o mesmo. Em nenhuma outra questão ele conta com tanto apoio quanto na questão nuclear. É como dois galos brigando pela mesma galinha.

Spiegel: Por que, em nome da paz, o senhor não corre o risco? Por que simplesmente não convida Netanyahu a visitar Riad?

Turki:
Eu não acho que deveríamos. Nossa população nos acusaria de sucumbir à pressão israelense. Os assentamentos de Israel –que eu chamo de colônias– ganhariam legitimidade se falássemos com Israel, onde quer que fosse.

Spiegel: Por que a posição de vocês não é aceita pelos Estados Unidos –os principais aliados de vocês e de Israel?

Turki:
Os israelenses trabalharam mais arduamente, e de modo mais inteligente, do que nós na infiltração no processo de tomada de decisão da América. Seja lá o que quiserem, eles podem encontrar facilmente 300 legisladores no Congresso para apoiar sua proposta. Nós não temos esses representantes.

Spiegel: Mal dá para culpar os israelenses por esta situação.

Turki:
Certamente. Este é o motivo para os israelenses nos superarem, seja nos Estados Unidos ou na Europa. Eles foram mais espertos.

Spiegel: Há três semanas a inteligência saudita ajudou a impedir um ataque terrorista na Europa ou nos Estados Unidos. Vocês informaram às autoridades alemãs a respeito de pacotes suspeitos provenientes do Iêmen. Pela primeira vez desde o 11 de Setembro, a Arábia Saudita recebeu manchetes positivas no exterior, ligadas à prevenção do terror.

Turki:
Ocorreu uma mudança fundamental na forma como inteligência e informação funcionam. Quando eu estava na inteligência, a regra era: se eu lhe desse uma informação, então eu e você teríamos que nos certificar de que ninguém mais saberia. Era como protegíamos nossas fontes. Então ocorreu uma mudança devido ao aumento da disponibilidade de informação. Hoje eu posso entrar no Google e encontrar coisas para as quais antes eu precisaria colocar centenas de agentes em campo. O WikiLeaks é um exemplo perfeito.
‘Por que o Taleban precisaria negociar?’

Spiegel: O senhor se encontrou pessoalmente cinco vezes com Osama Bin Laden, mais recentemente em meados de 1990. Se o senhor estivesse encarregado das operações atualmente, onde o senhor o procuraria?

Turki:
Isso é fácil. Ele está na área de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Nos primeiros dias após o 11 de Setembro, a América procurou por ele montanha por montanha, aldeia por aldeia, caverna por caverna. Mas então, de repente, ela parou porque transferiu seus ativos do Afeganistão para o Iraque. Nós precisamos de outra campanha para procurá-lo –liderada pelos Estados Unidos, mas incluindo todos os países que têm contas a acertar com Bin Laden. Não apenas a Arábia Saudita, mas também Rússia, China, Índia, Paquistão, Egito, Espanha e Indonésia.

Spiegel: A Arábia Saudita não poderia fazê-lo sozinha?

Turki:
Nem nossos meios, nem os da América e nem os de qualquer país individual bastam para uma campanha como essa. Se existir a vontade para pegá-lo, ele pode ser encontrado, da mesma forma como Saddam acabou sendo encontrado. Mas falta essa determinação. Durante sua campanha eleitoral, o presidente Barack Obama prometeu voltar a concentrar os esforços na busca pelos terroristas. Mas agora a filosofia do general David Petraeus prevê derrotar o Taleban militarmente para levá-lo à mesa de negociação. Ninguém mais fala em Bin Laden. Este é o ponto em que a campanha perdeu o rumo.

Spiegel: Que diferença faria a captura de Bin Laden?

Turki
: Apenas quando Bin Laden for eliminado, de um jeito ou de outro, é que os Estados Unidos e o restante do mundo poderiam declarar vitória. Ao poder declarar vitória, a retirada das tropas do Afeganistão se tornaria legítima.

Spiegel: Mas a Otan decidiu recentemente pela retirada em 2014.

Turki:
Então por que o Taleban precisaria negociar? Ele só precisa esperar.

Spiegel: O senhor comandou o Diretório Geral de Inteligência da Arábia Saudita por 24 anos, antes de deixar o cargo em 31 de agosto de 2001. Exatamente 11 dias depois, a Al Qaeda atacou Nova York e Washington. O senhor se culpa por não ter impedido os ataques?

Turki:
Não apenas eu. Todo o mundo deve lamentar não ter feito mais para pegar essas pessoas. Nosso erro foi lidar com este novo tipo de organização terrorista da mesma forma como lidávamos com organizações anteriores, como o Baader Meinhof ou as Brigadas Vermelhas. Nós costumávamos trocar nossa informação apenas bilateralmente, nós não usávamos a abordagem colaborativa como no recente caso das bombas do Iêmen. Tudo isso apesar de em maio de 2001 já existirem sinais de alerta de todos os lados de que algo iria acontecer. Mas mesmo dentro dos Estados Unidos, o FBI e a CIA não trocavam suas informações. Então, é claro, nós não fizemos o bastante.

Spiegel: Onde o senhor estava em 11 de setembro de 2001?

Turki:
Eu estava em Jidda. O então rei Fahd estava dando um almoço ao presidente do Sudão, Omar al Bashir. Um dos príncipes sentados próximos de mim me disse que tinha acabado de receber uma mensagem de texto: um avião tinha atingido uma das Torres Gêmeas. Inicialmente eu pensei: teria sido um acidente? Mas quando o segundo avião atingiu, eu obviamente quis ir para casa assistir a “CNN”.

Spiegel: O senhor fez imediatamente a ligação com Bin Laden, com a Arábia Saudita?

Turki:
Não. Minha inclinação no momento foi que o ataque poderia ter ligação com os Bálcãs. Eu pensei na Bósnia, em Kosovo, no envolvimento americano lá.

Spiegel: Mas foram seus rapazes.

Turki:
Quando os americanos anunciaram seus nomes, meu instinto foi aceitar tudo como fato. Eu não tinha motivo para questionar a sinceridade do relato. Eu não sou cético. Eu nunca duvidei de que foi Bin Laden, nem que a operação era complicada demais para alguém como Bin Laden. Mas, “seus rapazes”? Essas pessoas eram sauditas, mas foram treinadas fora do país. A vida deles dentro do Reino foi relativamente sem ocorrências relevantes. Dois deles eram professores, um era desempregado. Como eu disse antes: a Al Qaeda saiu das montanhas do Afeganistão, não dos desertos da Arábia Saudita.

Spiegel: Mesmo assim, é o seu país que agora está mais associado ao nome da Al Qaeda.

Turki:
É um fardo que pesará sobre nós para sempre. Ele será motivo de culpa e arrependimento pelo resto de nossas vidas, se não pelas de nossos filhos e netos.

Spiegel: Sua Alteza, muito obrigado pela entrevista.