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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

WikiLeaks mostra papéis do Departamento de Estado dos EUA

Julian Assange, fundador e editor do site australiano WikiLeaks
"El País", em colaboração com outros jornais da Europa e dos EUA, revela a partir desta segunda-feira o conteúdo do maior vazamento de documentos secretos a que jamais se teve acesso na história. Trata-se de um conjunto de mais de 250 mil mensagens do Departamento de Estado dos EUA, obtidos pelo site WikiLeaks, nos quais se descobrem episódios inéditos ocorridos nos pontos mais conflituosos do mundo, assim como muitos outros fatos e dados de grande relevância que desnudam por completo a política externa dos EUA, revelam seus mecanismos e suas fontes, põem em evidência suas fraquezas e obsessões e, de modo geral, facilitam a compreensão por parte dos cidadãos das circunstâncias em que se desenvolve o lado obscuro das relações internacionais.

Esses documentos incluem comentários e informes elaborados por funcionários públicos americanos, com uma linguagem muito franca, sobre personalidades de todo o mundo, revelam o conteúdo de entrevistas do mais alto nível, descobrem atividades desconhecidas de espionagem e expõem com detalhe as opiniões e dados de diferentes fontes em conversas com embaixadores ou diplomatas americanos em diversos países, incluindo a Espanha.

Fica evidente, por exemplo, a suspeita americana de que a política russa está nas mãos de Vladimir Putin, que é julgado um político de corte autoritário cujo estilo pessoal machista lhe permite conectar-se perfeitamente com Silvio Berlusconi. Sobre o primeiro-ministro italiano, há detalhes de suas "festas selvagens", se expõe a profunda desconfiança que ele causa em Washington e se capta a preocupação de um amigo dele sobre análises médicas de resultado "desastroso". A diplomacia americana também não demonstra grande apreço pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, a quem se acompanha com meticulosidade sobre qualquer movimento para obstruir a política externa dos EUA.

Os despachos provam a intensa atividade desse país para bloquear o Irã, o enorme jogo que se desenrola em torno da China, cujo predomínio na Ásia se dá quase por aceito, ou os esforços para cortejar países da América Latina para isolar o venezuelano Hugo Chávez.

Às vezes as expressões usadas nesses documentos são de tal natureza que poderiam dinamitar as relações dos EUA com alguns de seus principais aliados; outras, poderiam pôr em risco alguns projetos importantes de sua política externa, como a aproximação da Rússia ou o apoio de certos governos árabes.

O alcance dessas revelações é de tal calibre que certamente se poderá falar em um antes e um depois no que se diz respeito aos hábitos diplomáticos. Esse vazamento pode acabar com uma era da política externa: os métodos tradicionais de comunicação e as práticas empregadas para a obtenção de informação ficam inconfiáveis a partir de agora.

Todos os serviços diplomáticos do mundo, especialmente dos EUA, onde esse vazamento se soma a anteriores de menor transcendência com papéis relativos ao Iraque e ao Afeganistão, terão de repensar a partir de agora seu modo de operar e provavelmente modificar suas práticas em profundidade.

Tentando se antecipar a esse prejuízo, o governo americano há vários dias, desde que soube da existência dessa fuga de documentos, realiza intensas gestões diante do Congresso e dos governos de grande parte dos países nos quais têm representação diplomática para informá-los sobre o conteúdo previsível dos vazamentos e suas possíveis consequências. O Departamento de Estado enviou no início desta semana um relatório aos principais comitês da Câmara de Deputados e do Senado, advertindo-os sobre a situação.

A própria secretária de Estado, Hillary Clinton, telefonou nas últimas horas para os governos dos países mais importantes afetados pelo vazamento de informação, entre eles China, Alemanha, França e Arábia Saudita, para alertá-los sobre o ocorrido e oferecer algumas justificativas.

No Reino Unido, Israel, Itália, Austrália e Canadá, entre outros parceiros dos EUA, porta-vozes de seus respectivos Ministérios das Relações Exteriores confirmaram que tinham recebido informação por parte dos embaixadores americanos, mas não revelaram detalhes sobre os dados exatos que foram levados a seu conhecimento. Não houve, entretanto, comunicação direta entre a embaixada americana em Madri e o governo espanhol sobre o assunto.

O porta-voz do Departamento de Estado, P. J. Crowley, reconheceu que não sabe com exatidão as informações que aparecerão nos papéis vazados, mas adiantou que "essas revelações são prejudiciais para os interesses dos EUA. Vão criar tensões entre nossos diplomatas e nossos amigos ao redor do mundo", declarou neste fim de semana.

O Departamento de Estado, que negociou com um dos jornais que nesta segunda-feira publicam os despachos alguns conteúdos especialmente lesivos a seus interesses ou perigosos para certas pessoas, está especialmente preocupado com o prejuízo que isso possa causar na guerra com a Al Qaeda em algumas regiões em que é travada de forma encoberta, como Iêmen ou Paquistão. No Iêmen se dá a conhecer o conteúdo de uma conversa de 2009 entre o general David Petraeus e o presidente iemenita, Ali Abdalah Saleh, na qual este permite que os EUA ataquem células da Al Qaeda em troca de que o governo do Iêmen diga publicamente que ele mesmo o está fazendo.

Os documentos - 251.287 mensagens que cobrem um período até fevereiro de 2010 e, em sua maior parte, afetam os últimos dois anos - foram fornecidos pelo site WikiLeaks há várias semanas, a "El País" e também aos jornais "The Guardian", do Reino Unido; "The New York Times", dos EUA; "Le Monde", da França, e ao semanário "Der Spiegel", da Alemanha. Esses veículos trabalharam separadamente na avaliação e seleção do material, e colocarão à disposição de seus leitores as histórias que cada um considerar de maior interesse; em alguns casos serão coincidentes, em outros não.

Esse processo foi realizado sob a condição de não pôr em perigo em nenhum momento fontes protegidas de antemão ou pessoas cujas vidas poderiam ser ameaçadas ao se revelar sua identidade. Ao mesmo tempo, todos os órgãos de imprensa fizeram um esforço supremo para evitar a revelação de episódios que poderiam apresentar um risco para a segurança de qualquer país, especialmente dos EUA, o mais exposto por essas revelações. Por esse motivo, alguns dos documentos que serão apresentados a nossos leitores a partir de hoje aparecerão parcialmente mutilados.

"El País" não esteve na origem do vazamento, e portanto desconhece os critérios com que foi realizada a seleção do pacote que chegou às mãos do jornal. Fica evidente que os papéis analisados não são todos os emitidos no mundo pelo Departamento de Estado no período incluído, mas ignoramos se esses são todos a que WikiLeaks teve acesso.

Apesar disso, o leitor comprovará o valor que encerra em si mesmo o conjunto de documentos apresentados, à margem de que possam existir outros ainda desconhecidos. Trata-se de um material que traz novidades relevantes sobre a gestão de assuntos de grande repercussão mundial, como o programa nuclear do Irã, as tensões no Oriente Médio, as guerras do Iraque e do Afeganistão e outros conflitos na Ásia e na África.

Também se incluem os movimentos entre EUA e seus aliados para enfrentar o radicalismo islâmico, assim como detalhes de que as ordens para o boicote ao Google na China vêm do próprio Birô Político, ou dos negócios conjuntos de Putin e Berlusconi no setor de gás. De especial interesse são as provas que trazem sobre o alcance da corrupção em escala planetária e as permanentes pressões exercidas sobre os diferentes governos, do Brasil à Turquia, para favorecer os interesses comerciais ou militares dos EUA.

Entre os primeiros documentos que são publicados hoje, descobre-se o pânico que os planos armamentistas do Irã, incluindo seu programa nuclear, despertam entre os países árabes, a ponto de que algum de seus governantes chega a sugerir que é preferível uma guerra convencional hoje do que um Irã nuclear amanhã. Avalia-se a enorme preocupação com que os EUA observam a evolução dos acontecimentos na Turquia e a estreita vigilância em que se mantém o primeiro-ministro Erdogan.

E, sobretudo, esta primeira remessa revela as instruções que o Departamento de Estado deu a seus diplomatas na ONU e em alguns países para desenvolver um verdadeiro trabalho de espionagem sobre o secretário-geral da ONU, seus principais departamentos e suas missões mais delicadas.

Os leitores descobrirão, ao ter acesso às várias crônicas, detalhes insuspeitados sobre a personalidade de alguns destacados dirigentes e comprovarão o papel que têm as mais íntimas facetas humanas nas relações políticas. Isso fica especialmente evidente na América Latina, onde o se dão a conhecer julgamentos de diplomatas americanos e de muitos de seus interlocutores sobre o caráter, as simpatias e os pecados das figuras mais polêmicas.

Amanhã este jornal oferecerá detalhes, por exemplo, sobre as suspeitas que a presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, desperta em Washington, a ponto de o Departamento de Estado chegar a solicitar informação sobre seu estado de saúde mental. No mesmo dia serão reveladas algumas das gestões que a diplomacia americana realizou para repatriar os presos de Guantánamo, assim como a intensa atividade na Ásia para frear o perigo que representa a Coreia do Norte.

Entre os telegramas com que este jornal trabalhou estão relatórios extraordinariamente polêmicos, como as mensagens do embaixador americano em Trípoli nas quais conta que o líder líbio, Muamar Khadafi, usa botox (produto para eliminar rugas do rosto) e é um verdadeiro hipocondríaco que faz filmar todos os seus exames médicos para analisá-los posteriormente com seus médicos, e relatos com descrições meticulosas da paisagem local, como a que faz um diplomata americano convidado a um casamento no Daguestão, que serve para ilustrar o grau de corrupção na região.

Há informes de grande valor histórico, como o que revela a aposta da diplomacia americana na derrubada do general panamenho Manuel Antonio Noriega, ou o que detalha certos movimentos dos EUA durante o golpe de Estado que destituiu Manuel Zelaya em Honduras, e outros de enorme interesse sobre acontecimentos atuais, como o que explica a pressão exercida sobre o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, para que contenha os abusos de seus próximos e facilite a governabilidade do país.

No que diz respeito à Espanha, esses documentos registram o enorme acesso da embaixada americana a personalidades destacadas no âmbito político e judicial, e sua influência em alguns acontecimentos que marcaram a atualidade dos últimos anos. Também se descobre o ponto de vista que funcionários americanos têm da classe política espanhola, assim como o que alguns políticos expressam sobre seus companheiros e adversários.

Em determinados casos, essas revelações têm estritamente o valor que lhe dá a opinião de uma pessoa de posição influente. Em outros, trata-se de relatos que dão pistas sobre acontecimentos importantes mas que são narrados por uma única fonte: o serviço diplomático dos EUA. "El País" não pôde corroborar todos esses relatos e prescindiu de alguns que considerou de credibilidade duvidosa. Mas se certificou outros e operou de forma responsável com o país objeto do vazamento, com a intenção de causar o menor dano possível. Entre outras precauções, se decidiu aceitar os compromissos aos que "The New York Times" chegar com o Departamento de Estado para evitar a difusão de determinados documentos.

Nem todos os papéis obtidos por WikiLeaks foram utilizados para a elaboração de nossas informações, e só uma parte deles será exposta publicamente, independentemente do que o próprio WikiLeaks ou os demais veículos de imprensa que receberam o material decidam fazer. Foram selecionados somente aqueles que consideramos imprescindíveis para respaldar a informação oferecida.

As informações foram preparadas e escritas unicamente por redatores de nosso jornal, atendendo a nossas exigências particulares de rigor e qualidade. Ao longo de vários dias, serão oferecidas as crônicas que resumem a substância desses documentos, acrescentando-lhes o contexto e a avaliação necessários, assim como suas possíveis reações e consequências.

Algumas dessas reações serão certamente dirigidas a examinar as causas pelas quais pode ter ocorrido um vazamento de semelhante magnitude. A origem desse problema pode remontar aos dias posteriores ao ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, quando foram detectadas falhas de coordenação entre os serviços de inteligência que recomendaram a necessidade de um modelo de comunicação que permitisse aos diversos responsáveis pela segurança compartilhar dados obtidos pelo Departamento de Estado.

Estendeu-se portanto, a partir dessa data, o uso de um sistema de Internet do exército americano chamado SIPRNET - sigla de Secret Internet Protocol Router Network (Rede de roteamento de protocolo de internet secreto). Todos os telegramas incluídos nesse vazamento foram enviados por esse meio, como se comprova pelo rótulo que cada um deles traz em seu cabeçalho, a palavra SIPDIS, de Secret Internet Protocol Distribution (Distribuição pelo protocolo de internet secreto).

Pelo menos 180 embaixadas americanas ao redor do mundo utilizam atualmente esse sistema de comunicação, segundo relatórios elaborados pelo Congresso americano. Embora sejam exigidas fortes medidas de segurança para usar esse sistema, como a de mantê-lo aberto unicamente quando o usuário está diante da tela, a exigência de mudar a senha a cada cinco meses ou a proibição de utilizar qualquer tipo de CD ou outro método de cópia de conteúdos, o número de pessoas que hoje têm acesso à informação cresceu consideravelmente.

Nesse crescimento também influiu a necessidade de ampliar o número de pessoas trabalhando em questões de segurança e, em conseqüência, o número de pessoas que têm acesso a documentos secretos. O Departamento de Estado classifica seus relatórios em uma escala que vai de Top Secret a Confidential. Nos documentos fornecidos a "El País" não há nenhum classificado como Top Secret, mas sim mais de 15 mil situados na escala inferior, Secret.

Segundo se pode deduzir de dados elaborados pelo Departamento de Controle do Governo, pertencente ao Congresso americano, e outros expostos recentemente por meios de comunicação dos EUA, mais de 3 milhões de americanos têm acesso autorizado ao material Secret. Isso inclui dezenas de milhares de funcionários do Departamento de Estado, da Cia, do FBI, do DEA (departamento antidrogas), do serviço de inteligência das Forças Armadas e outros departamentos envolvidos na busca de informação. Nos EUA funcionam 16 agências com responsabilidades de espionagem.

Será muito dispendioso, portanto, para esse país reparar o dano causado por esse vazamento, e levará anos para implementar um novo sistema de comunicação com plenas garantias. O mais importante, no entanto, é o valor informativo que esses documentos têm atualmente. Estamos diante de uma série de relatos sem precedentes no jornalismo espanhol, que servirão para uma melhor compreensão de alguns conflitos e de personalidades que afetam de modo determinante nossa vida e que poderão abrir para nossos leitores uma nova interpretação da realidade que os cerca.

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