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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

"Um paradigma controverso": Europa tem calafrios diante do novo poder da Alemanha


Angela Merkel, Chanceler da Alemanha, desde que chegou ao poder na Alemanha é considerada a mulher mais poderosa do mundo


A Alemanha, admirada e invejada por seu sucesso econômico, tornou-se modelo para a Europa na crise da dívida. O continente está se tornando mais alemão, na medida em que os países assumem a disciplina fiscal com maior seriedade. Mas a nova dominância do país também está gerando ressentimentos, e os velhos sentimentos anti-alemães estão voltando.

Uma bandeira tricolor francesa tremulando na tela era o cenário para Nicolas Sarkozy, que subiria ao palco para falar sobre a crise do euro. A bandeira era enorme, quase como se seus organizadores estivessem tentando acalmar dúvidas que o palestrante realmente seria o presidente francês, e não um mero emissário da chanceler alemã Angela Merkel.

Quando Sarkozy apareceu diante de seus partidários em Toulon, na última quinta-feira (01/12), ele falou do “medo que a França pudesse perder o controle de seu próprio destino”. Suas palavras dramáticas foram um apelo para o orgulho nacional francês, mas sua resposta para esses temores não foi nada nacionalista: “A França e a Alemanha decidiram unir seus destinos”, anunciou. A chamada “convergência” – ou o maior alinhamento dos dois países- foi a única saída para a crise.

Não há dúvidas sobre qual país quer se alinhar a qual. No final daquele dia, um dos assessores disse que Sarkozy queria “políticas econômicas voltadas para a oferta e a redução da dívida com base nos modelos de Gerhard Schröder”, predecessor de Merkel. Em seu discurso, o presidente até anunciou uma “conferência para o emprego” entre patrões e sindicatos, exatamente como as iniciadas pelo então chanceler Schröder há seis anos.

Já no dia seguinte, o jornal francês “Libération” publicou um artigo sob a manchete: “Um presidente que segue o modelo alemão”, que alegava que, “se você fechasse os olhos, podia ouvir Merkel falando” durante o discurso de Sarkozy.

Durante uma entrevista televisionada no início de novembro, Sarkozy proferiu palavras quase inimagináveis para um presidente francês: “Todos os meus esforços se dirigem em adaptar a França a um sistema que funciona. O sistema alemão”.

Falando em Toulon, Sarkozy condenou a política francesa antiga de comprar o crescimento econômico simplesmente incorrendo em mais dívidas. Ele disse que a França só poderia superar a atual crise por meio de “trabalho, esforço e gastos controlados”, objetivos que pareciam assustadoramente alemães. Afortunadamente, a bandeira tricolor ainda tremulava, e o evento foi encerrado com uma apresentação da Marseillaise.

Nesses dias de crise na Europa, o “modelo alemão” tornou-se uma espécie de fórmula mágica. Gostando ou não, os alemães, cinzentos e secos, agora parecem deter a chave para a salvação europeia.

De “doente da Europa” a paradigma

Como chegamos a isso? Por muito tempo, a Alemanha não era vista como Estado modelo. A nação foi afligida pela culpa desde a Segunda Guerra Mundial e pela estagnação econômica desde o final dos anos 80. Os alemães se viam cercados de vizinhos que pareciam estar fazendo as coisas melhor: os escandinavos tinham seu bem-estar social, os franceses suas políticas voltadas para as famílias, os britânicos tinham a indústria de serviços e os países do Leste tinham menos impostos. Em 2002 mesmo, a “Newsweek” chamou a Alemanha de “o doente da Europa”, alegando que o país era afligido por conflitos econômicos e não tinha segurança sobre seu lugar no mundo.

Ainda assim, subitamente, a Alemanha está sendo considerada um exemplo brilhante para todos. É quase o único país na zona do euro no qual os mercados ainda confiam. É quase o único que de fato tem em seu histórico reformas estruturais amplas. Quase da noite para o dia, a Alemanha se tornou o centro de fato da Europa.

Após a guerra, franceses e britânicos procuraram atar a Alemanha em uma Europa unificada para impedi-la de voltar a ser uma força dominante na Europa. Mas agora seu poder econômico tornou-a líder natural da região pela primeira vez desde 1945, apesar de nem os alemães nem os outros cidadãos do continente ainda parecerem confortáveis com este estado das coisas.

Como resultado, a dominância da Alemanha na Europa gerou um paradoxo. Assim como cresceu a admiração por seus sucessos econômicos, também há crescentes críticas à forma como está lidando com seu papel de líder. Não apenas parece ter feito tudo certo sozinha, mas também se recusa a salvar os 17 membros da zona do euro imprimindo dinheiro ou emitindo eurobônus. E também está forçando os outros a adotarem suas receitas de cortes de custos.

Está cada vez mais claro, contudo, que Angela Merkel não é a única que quer reformar a Europa à imagem da Alemanha. A chanceler perdeu sua inibição em expressar sua determinação em reformar a Europa – mas muitos países já decidiram por si mesmos que o continente deve seguir o exemplo da Alemanha para salvar a moeda comum.

Uma Europa mais alemã

A germanização da Europa pode ser vista por todo o continente. Na Itália, por exemplo, o playboy popular Silvio Berlusconi foi substituído por um governo de tecnocratas sem graça, que parecem ter se distanciado conscientemente de qualquer sugestão de serem mediterrâneos ou partidários do laissez-faire. O novo primeiro-ministro, Mario Monti, vem falando em introduzir duras medidas de austeridade desde que assumiu, há um mês. O próprio Monti é tão pé no chão e conservador que seus compatriotas o chamam de “mais alemão que os alemães”. Até a mídia italiana - como por exemplo o programa de televisão de domingo “Report”- passou a listar tudo aquilo que os alemães fazem melhor: seus sistemas de reciclagem de lixo, sua competitividade e seu sistema educacional.

Na Espanha, o premier José Luis Rodriguez Zapatero, de partida, cortou os salários do setor público e as pensões. Mas como aconteceu com o reformista do mercado de trabalho alemão Gerhard Schröder, Zapatero perdeu as eleições. Seu sucessor, Mariano Rajoy, já prometeu reduzir a dívida do país para 4,4% do PIB em 2012, exatamente como exigiu Merkel.

A Grécia, que está exigindo um drástico aperto de cintos de seus cidadãos, é a mais relutante em germanizar-se, porque isso seria mais doloroso para ela do que para qualquer outro país da zona do euro. Desde novembro, uma equipe de 30 homens da UE conhecida como Força Tarefa e chefiada por um alemão, Horst Reichenbach, vem ensinando os funcionários públicos gregos a fiscalizar e cobrar impostos sobre propriedades. Isso não exatamente reduziu a animosidade da população local contra os alemães.

Ainda assim, os políticos e a mídia em quase todos os países europeus há meses vêm discutindo as idiossincrasias alemãs, como seu sistema de treinamento vocacional duplo (teórico-prático) e a parceria social entre patrões e sindicatos, que ajudaram o país obter sua atual liderança. Todos querem copiar os melhores elementos do sistema alemão.

Angústia francesa

Em nenhum lugar a Alemanha é tão ameaçadora à psique nacional quanto na França. Há semanas, o principal foco do debate público tem sido por que os alemães estão tão bem e os franceses tão mal. Dia após dia, os jornais comparam quase obsessivamente os dois países. “A Europa alemã” foi a manchete de um recente artigo da revista de negócios “Challenges”; uma expressão de espanto e temor.

Quando o grupo automobilístico francês PSA, cujas marcas incluem Peugeot e Citroen, anunciou planos de cortar 6.000 vagas há um mês, o noticiário noturno na França mostrou um gráfico que desferiu outro golpe no orgulho nacional: ele mostrava que a produção do PSA estagnou nos últimos 10 anos, enquanto a da competidora alemã Volkswagen subiu dramaticamente.

O economista Jean Peyrelevade recentemente publicou um livro (“France: a State in Crises” -França: um estado em crise) exatamente sobre essa questão. O livro é essencialmente um manual de instrução detalhando como a França poderia se tornar mais alemã. A conclusão de Peyrelevade é devastadora: as empresas alemãs estão financeiramente fortes, as francesas, profundamente endividadas. A Alemanha tem sido mais rigorosa em aumentar a idade de aposentadoria do que a vizinha França, cujos cidadãos têm semana de trabalho obrigatória de 35 horas. Os salários alemães aumentaram em um ritmo mais lento que a produtividade, enquanto o oposto é verdadeiro na França. “Nós na França aumentamos nossa dívida pública repetidamente porque os alemães nos permitiram tomar empréstimos tão baratos”, diz Peyrelevade. “A Alemanha, portanto, patrocinou nossa derrocada”.

A dívida nacional da França é hoje 85% do PIB e o país deve perder sua classificação máxima triplo A. Esta é outra razão pela qual Sarkozy está tentando atrelar seu país à Alemanha, sua rival histórica. No passado, a França sempre se orgulhou de sua combinação de estilo de vida mediterrâneo e desempenho econômico do Norte europeu. Hoje, Sarkozy adverte dos perigos de ser “tragado por países no Sul”.

Um ano e meio atrás, Christine Lagarde, que era ministra da fazenda francesa, criticou as práticas de “dumping” salarial alemãs. Hoje, Lagarde preside o Fundo Monetário Internacional e não se fala mais nesse tipo de coisa. Virou moda admirar o modelo alemão. O candidato centrista à presidência, François Bayrou, escreveu um livro no qual exige reformas a la Schröder e até o candidato do Partido Socialista, François Hollande, elogia as tentativas de cortar custos não salariais.

Mas será que os franceses e outros europeus estão verdadeiramente preparados para duras reformas sociais, para estender suas horas de trabalho semanais e adotar outras mudanças em seu regime previdenciário? Eles realmente querem saber o que vai significar para cada pessoa, se o Estado for proibido de gastar mais do que arrecada?

Admirada e caluniada

Por toda a Europa, a Alemanha foi culpada toda vez que medidas de austeridade foram anunciadas ou implementadas. Afinal, são os alemães que estão exigindo essas reformas. Muito rapidamente, os elogios são substituídos por críticas que a Chanceler Merkel está se metendo nas políticas internas dos outros países.

Este é o outro lado da dominância sobre a Europa. O jornal de direita espanhol “ABC” escreveu recentemente sobre a “germanização da Europa”, e um jornalista comentou que a Alemanha estava no processo de “vencer a Terceira Guerra Mundial: a guerra do dinheiro”.

Muitos na Espanha ficaram chocados com as palavras de um telegrama que a chanceler alemã enviou a Mariano Rajoy para congratulá-lo em sua vitória nas eleições: “Prezado senhor Rajoy”, escreveu na mensagem, que o jornal de esquerda “Publico” citou no original e traduzida. Agora que recebeu um claro mandato, Rajoy deveria “rapidamente” tomar as medidas necessárias, dizia. Se, como parece provável, o texto foi vazado por alguém próximo ao primeiro-ministro eleito, foi de fato uma jogada astuciosa, pois os espanhóis agora têm alguém para culpar por seu sofrimento.

E assim o feio espectro alemão volta a dar as caras. Na Grécia, há muito que uma forma popular de protesto envolve trocar as estrelas da bandeira da União Europeia por suásticas, sem mencionar os retratos da chanceler alemã em uma espécie de uniforme da SS.

“Quarto Reich”

Georgios Trangas, um dos mais famosos jornalistas gregos, disse que seu país tinha se tornado um “protetorado alemão do Quarto Reich no Sul da Europa”. Sentimentos anti-alemães são ingredientes chave em seu programa de televisão noturno. Atualmente, ele deseja à audiência “um Feliz Natal Alemão” enquanto toca uma marcha no background.

Enquanto isso, a televisão italiana mostra a chanceler Merkel usando um capacete da era do Kaiser e até políticos proeminentes como o francês Arnaud Montebourg, astro em ascensão do Partido Socialista francês, não têm mais problemas em ridicularizar o “modelo alemão” com todos os instrumentos demagógicos ao seu dispor: “O nacionalismo alemão está retornando por meio das políticas bismarquianas defendidas por Merkel”, disse Montebourg. Ele disse que a França precisa se levantar e defender seus valores contra o que ele chamou de “ditames alemães”.

Montebourg foi muito criticado por suas palavras, mesmo em seu partido, mas quanto mais Sarkozy se alinhar com Merkel, mais alto as pessoas na França devem criticar a Alemanha.

O governo em Berlim tem estado impotente diante de tal animosidade externa. “Realmente é dramático que todo o capital positivo que angariamos com as décadas esteja sendo destruído em questão de meses”, disse um alto membro do governo. Não havia muito que a Alemanha pudesse fazer, acrescentou. Os embaixadores da Alemanha na UE foram instruídos a explicar melhor a posição alemã e fomentar os contatos com a mídia estrangeira.

O governo alemão sabe que esse trabalho de relações públicas tem um impacto limitado. Membros da chancelaria dizem que a coisa mais importante agora é ficar ao lado da França para evitar criar a impressão que a Alemanha está dominando a Europa.

Merkel, a professora

Merkel não é apenas criticada por estar dando as cartas na Europa. Ela também é acusada de adotar uma visão estreita do papel de liderança da Alemanha - de interpretá-lo simplesmente como uma espécie de projeto educacional.

Ela não parece ter outras soluções na manga, nem tampouco transmite confiança ou promete salvação. Ela exige muito sem dizer onde esse caminho vai dar. Muitos países, portanto, se encontram desejando maior orientação da Alemanha, e não menor.

Ironicamente, esses também incluem a Polônia, o país que por muito tempo temia o ressurgimento da Alemanha. Na semana passada, o ministro de relações exteriores polonês, Radoslaw Sikorski, fez um discurso notável em Berlim no qual descreveu o colapso da zona do euro como “a maior ameaça para a segurança e o bem estar da Polônia”.

Há apenas cinco anos, Sikorski disse que o acordo entre a Rússia e a Alemanha sobre o duto no mar báltico fez seu país se lembrar do pacto de Hitler com Stalin em 1939. Hoje, diz ele, “Estou menos preocupado com o poder da Alemanha do que em seu fracasso em agir. Tornou-se uma nação essencial da Europa. Não pode deixar de liderar. Em vez de dominar, deve guiar o processo de reforma”.

Poucos países ganharam mais com a entrada na UE do que Polônia. Sua economia prosperou mesmo durante a crise financeira de 2009. “A Polônia quer se tornar a França do Leste”, diz Waldemar Czachur do Centro de Relações Internacionais.

O moderado primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, está quase tropeçando nos próprios pés para ser o aluno exemplar. Graças a isso, a Polônia já está fazendo o que muitos eventualmente terão que fazer: cortando custos avidamente, reduziu o teto da dívida em sua constituição e agora está até aumentando a idade para aposentadoria. E apesar da crise, Varsóvia ainda pretende adotar o euro daqui a quatro anos.

Se Nicolas Sarkozy não tomar cuidado, Tusk em breve o substituirá como novo favorito de Angela Merkel.

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