Idoso coloca seu voto em urna na vizinhança de Manial, no Cairo, durante eleições legislativas |
Nas sinuosas vielas de Gamaleyya, bairro populoso do Velho Cairo, as crianças estão em festa. A escola onde elas estudam foi recrutada para servir de posto de votação. São pequenas as chances de se cruzar com o diretor: hoje a escola é território de um grande barbudo de branco, cujo gigante retrato se destaca em total ilegalidade acima do portão de entrada, a alguns centímetros da boina dos militares que recebem os eleitores.
O xeque salafista Mohammed Ahmed Gaber é candidato na sétima circunscrição do Cairo para o segundo turno da primeira fase das eleições legislativas que terminou na última terça-feira (6). Seu adversário é um membro da Irmandade Muçulmana: o Dr. Khaled Mohammed Mahmoud. Ambos são personalidades locais bem conhecidas dos moradores, que se empolgam com essa briga eleitoral entre islâmicos.
Por trás das declarações de respeito mútuo, o ódio entre os dois movimentos é bem conhecido dos egípcios. Os salafistas desprezam a Irmandade Muçulmana, que eles acusam de difundir um islamismo suavizado e insosso. A Irmandade não tolera bem os exageros dos salafistas, que questionam sua religiosidade e sua fidelidade ao islamismo ao pé da letra.
Depois de terem dominado no primeiro turno, esses irmãos inimigos se enfrentaram no segundo turno em cerca de vinte duelos. "Nós trabalhamos em fraternidade e em amizade", afirma Mohammed, um membro salafista muito popular que distribui panfletos perto de um posto de votação. "Desde o primeiro turno, ficou combinado: os salafistas desistiram de brigar por determinadas cadeiras em troca de outras. Somos todos islamitas no final, nós cooperamos".
Distribuição de papéis
Embora a competição seja feroz, na verdade parece haver uma distribuição tácita dos papéis entre os militantes: a zona situada entre a Praça Bab al-Shariya e a mesquita Al-Hossein é monitorada exclusivamente por jovens salafistas. Estes empregam esforços notáveis para promover a figura de seu candidato, o xeque Mohammed Ahmed Gaber. "Não falamos em doutrina religiosa, nós centramos tudo na personalidade de nossos candidatos", explica Mohammed.
Isso lhe parece ser mais sensato, em relação à confusão que reina na mente de muitos dos moradores desse bairro pobre. Sentado à mesa e tomando chá com Mohammed, Ahmed, um vendedor de ferro-velho com as mãos mutiladas, se empolga: "Eu votei no Dr. Khaled, o candidato da Irmandade Muçulmana, porque com as conexões que ele tem, tudo pode acontecer, as coisas se realizam. Há rumores de que a Irmandade é ruim, que ela quer cortar a mão dos ladrões e colocar o niqab [véu] nas mulheres, mas não é verdade".
"Não, isso são os salafistas, você está se confundindo", corrige Mohammed, que reconhece sem acanhamento que seu partido milita pela instauração das penas islâmicas.
Diante das redes da Irmandade Muçulmana, os salafistas dispõem de suas próprias estruturas, mesquitas e meios de financiamento. Xeques conhecidos, que voltaram ao país depois de fazerem fortuna no Golfo, distribuem grandes doações. Eles gozam de forte legitimidade religiosa, e a clareza de seu posicionamento político é um verdadeiro desafio para a Irmandade, cujo discurso é cada dia menos legível, sobretudo na questão das penas islâmicas.
Por ora, a confraria tem tentado atrair os eleitores não-islâmicos mostrando um aspecto de abertura. Mas não é certeza de que estes respondam ao apelo.
Espremido em uma pequena carteira escolar, o juiz que supervisiona a votação na escola para meninas Amir Al-Gouyoush está aflito: "Faz uma hora que não aparece nenhum eleitor, 50% das pessoas que vêm são analfabetas que votam em quem mandaram. Eles são incapazes de ver a diferença entre os bons candidatos e os 'selvagens'. De qualquer forma, todos os que têm mais de 60 anos querem ir ao paraíso, é o objetivo deles".
Uma mulher finalmente aparece para votar. "Atrás da cortina!”, grita o juiz, exaltado. “Por acaso estou fedendo?", resmunga a senhora, dirigindo-se para a urna. "De qualquer forma, uma coisa é certa", ela garante ao sair da sala, "durante todos esses anos podres, os únicos que apoiaram os pobres foram os barbudos [fundamentalistas]".
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