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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Documentos revelam atrocidades do governo britânico contra grupo do Quênia

Já são idosos, mas viajaram 6.500 quilômetros desde o Quênia para estar esta semana em um tribunal de Londres. Mal entendem o inglês, mas acompanharam com enorme atenção as audiências de um caso em que eles, junto com milhares de compatriotas, foram protagonistas há mais de meio século. São quatro sobreviventes das torturas sofridas por militantes, simpatizantes e suspeitos de pertencer ou apoiar o movimento pró-independência Mau Mau nos anos 1950, quando as autoridades coloniais britânicas sufocaram seu levante.

Os Mau Mau não eram santos. Hoje provavelmente seriam considerados terroristas, e sua crueldade levou muitos quenianos a aliar-se aos britânicos no que foi, na prática, uma guerra civil. Sabia-se também dos excessos britânicos naqueles anos, sobre os campos de internação indefinida, as execuções sumárias, a repressão, sobretudo da etnia kikuyu, na qual os Mau Mau concentravam seus apoios.

Mas hoje milhares documentos encontrados milagrosamente pelo Ministério das Relações Exteriores britânico, depois de negar sua existência durante anos, comprovam até que ponto a repressão foi brutal, sistemática e autorizada por Londres. E consciente: "Se temos de pecar, pequemos em voz baixa", chegou a escrever com cinismo o promotor geral que Londres havia destacado na colônia, ao justificar a necessidade de encobrir os abusos.

Soube-se agora de tudo isso graças a quatro homens e uma mulher que, em 2009, apresentaram uma denúncia contra o governo britânico pela sequelas físicas e psicológicas que aquelas torturas causaram por toda a sua vida. Um deles morreu antes de começarem as audiências esta semana em Londres.

Mas lá estava Paulo Nzili, 84 anos, o único deles que admitiu que em 1954 chegou a pronunciar o juramento de filiação aos Mau Mau, mas que a única coisa que fez foi lhes entregar comida. Deixou-os em 1957, aproveitando uma anistia. Quando voltava para casa, as autoridades o detiveram e levaram ao campo de Athi River. Entre outras torturas, o castraram com alicate. Saiu em liberdade sem acusações um ano depois.

Ndiku Mutua, 79, foi detido em 1954. Também o castraram. Escapou do hospital a que o levaram depois da castração. Wambugu Wa Nyingi, 83, não foi castrado, mas passou nove anos preso em diversos campos sem que jamais o acusassem de nada. Uma vez o deram por morto depois de uma surra fenomenal a um grupo de detidos que haviam se negado a cavar sua própria sepultura: passou três dias inconsciente junto de 11 cadáveres, presos que não resistiram às agressões.

Jane Muthoni Mara, 72, foi detida em 1954 quando tinha 17 anos. Em seus três anos de detenção, sofreu diversas surras e a violentaram com uma garrafa de água quente, prática que segundo ela era moeda corrente no acampamento.

Ninguém pede dinheiro para si próprio. Querem que o governo britânico se desculpe pelo que fez no Quênia e implemente um fundo de ajuda para os sobreviventes daquele horror. Mas Londres diz que não é responsável por aquilo porque passaram muitos anos e porque a responsabilidade foi assumida pelo governo do Quênia quando o país se tornou independente em 1963.

No entanto, o detalhe das atrocidades ficou registrado em milhares de páginas cuja existência havia sido negada pelo Foreign Office, apesar do requerimento judicial para que as entregasse. A obstinação de um funcionário operou um milagre: quando ameaçou ir pessoalmente buscá-los, alguém se lembrou de que havia cerca de 9 mil arquivos sobre as antigas colônias depositados em Hanslope Park, uma mansão de campo do ministério. Deles, 1.500 se referem ao Quênia e cerca de 300 abordam o levante dos Mau Mau.

Os documentos confirmam o que haviam começado a denunciar há alguns anos. Foi o que sintetizou no "Times" a professora Caroline Elkins, do Centro de Estudos Africanos de Harvard, quando a denúncia foi apresentada em 2009: "No final de 1955, as autoridades coloniais haviam detido quase toda a população kikuyu em algum dos 150 campos de detenção ou algum dos mais de 800 povoados cercados com arame farpado. Por trás do arame, agentes britânicos cometiam atos de violência inconfessáveis. Castrações, sodomias forçadas com garrafas quebradas e ratos, torturas utilizando matérias fecais e violações coletivas eram apenas algumas das táticas utilizadas para forçar os detidos a se submeter".

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