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quarta-feira, 30 de março de 2011

O braço longo da Mossad: um palestino desaparece na Ucrânia

Tamir Pardo é chefe do Mossad desde
janeiro de 2011
Um engenheiro palestino desaparece de um trem na Ucrânia –e reaparece mais tarde em uma prisão israelense. Ele é preso sem ter sido acusado. Nos círculos de inteligência do Ocidente, cresce a suspeita de que o homem seja membro do Hamas, com informações vitais.

Em um dia frio de fevereiro, Dirar Abu Sisi foi visto vivo pela última vez. O engenheiro palestino de Gaza estava na Ucrânia fazendo os preparativos para se mudar para lá com a família. Ele, sua esposa ucraniana, Verônica, e seus seis filhos queriam deixar a Faixa de Gaza. Enquanto Abu Sisi, 42, lidava com a papelada, ficou na casa dos sogros na cidade de Kharkiv, no Leste. No dia 18 de fevereiro, ele entrou em um trem para Kiev. Ele queria ver o irmão, que há anos morava em Amsterdã e que voou para Kiev só para o encontro. Mas Abu Sisi nunca chegou a Kiev.

Não se sabe exatamente o que aconteceu nesse ínterim. Dois homens à paisana entraram no vagão de Abu Sisi na noite de 19 de fevereiro. De acordo com um condutor e um carregador do trem que foram entrevistados após o desaparecimento de Abu Sisi, perto de 1h da manhã, os estranhos o escoltaram para fora do trem. Contudo, os funcionários do trem depois retiraram essas declarações. Desde então, eles não disseram mais nada.

Seu esquecimento súbito pode ter uma explicação simples: círculos de inteligência ocidentais dizem que os agentes ucranianos sequestraram o palestino. Pouco tempo depois, supostamente os europeus entregaram a vítima para os israelenses, que haviam encomendado o sequestro.

Um informante diz que Israel considerava Abu Sisi um alto membro do Hamas, conhecedor de uma série de segredos. “Se a Mossad se dá tanto trabalho e interroga o sujeito por seis semanas, então ele deve saber algo que Israel quer ouvir”, diz a fonte, que só falou em condição de anonimato. Se Abu Sisi fosse apenas “importuno”, teria simplesmente sido morto.

Talvez Jerusalém acredite que Abu Sisi tenha informações relativas a Gilad Shalit, o soldado israelense sequestrado há quatro anos pelo Hamas, de acordo com outra fonte. Desde que Shalit, que hoje tem 24 anos, foi capturado, Israel e Hamas discutem uma troca de prisioneiros. Contudo, Jerusalém não abandonou de todo a esperança de liberá-lo com uma missão pontual. Mas as forças israelenses teriam que saber exatamente onde ele está sendo detido (presumivelmente na Faixa de Gaza) –informação que parecem querer obter de Abu Sisi.

Um muro de silêncio

Veronika Abu Sisi não sabia de nada disso em meados de fevereiro. Ela ficou preocupada quando soube que seu marido não chegara a ver o irmão em Kiev. Como ele tampouco apareceu no dia seguinte, ela procurou autoridades da ONU e grupos de direitos humanos israelenses e pediu a eles que descobrissem o que havia ocorrido.

Ela temia que o marido tivesse sido vítima de um assassinato político. O caso de Mahmoud Al-Mabhouh, traficante de armas do Hamas, ainda estava fresco na lembrança dos moradores de Gaza. Outra história poderia tê-la assustado, a do homem que desapareceu quase sem vestígios e reapareceu em uma prisão israelense. Em maio do ano passado soube-se que um tal Sr. X tivera sido mantido por anos em uma prisão de alta segurança em Israel –totalmente sem acusações.

O temor que seu marido pudesse ter sido assassinado provou-se falso no daí 27 de fevereiro. Oito dias após ele ter desaparecido, Abu Sisi fez contato com a mulher. Em um telefonema curto, ele disse a ela que estava em uma prisão em Ashkelon, na costa israelense.

Veronika então compreendeu tudo. Ela disse aos repórteres e ativistas de direitos humanos que seu marido havia sido sequestrado pela agência de inteligência israelense Mossad e arrastado de volta à Israel. Para descobrir exatamente o que acontecera, Veronika Abu Sisi fez uma perigosa viagem. Ela deixou os seis filhos aos cuidados da sogra em Gaza e rastejou por um túnel de contrabando da Faixa de Gaza ao Egito. De lá, voou para Kiev –somente para deparar-se com um muro de silêncio oficial.

Um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Ucrânia admitiu no início de março que Abu Sisi desapareceu “em circunstâncias desconhecidas”. Mas o serviço de inteligência da nação, o SBU, alegou não saber de nada. Semana após semana, a agência dizia apenas que não observara nada de incomum.

Um primeiro raio de luz surgiu no dia 20 de março, quando Israel admitiu ter Abu Sisi sob sua custódia. Até então, um embargo de notícias havia proibido a mídia local e correspondentes em Israel de falarem sobre Abu Sisi; mas uma ação movida por uma organização de direitos humanos assegurou a suspensão parcial do embargo. Alguns aspectos do caso ainda estão encobertos pelo embargo e portanto as acusações oficiais contra Abu Sisi ainda são desconhecidas.

Problemas cardíacos e infecção renal

Dirar e Veronika se conheceram em 1998. A moça tinha 19 anos e era estudante de violino em uma academia em Kharkiv; ele fazia o curso de doutorado ao lado, em um instituto de ciências agrícolas. Eles se casaram no ano seguinte, e ela se converteu ao islã. Eles se mudaram para a Faixa de Gaza e moraram lá por 12 anos. Ele era gerente da única usina elétrica do território; ela criava o número crescente de filhos. Eles teriam sido felizes, exceto pelos perigos diários em Gaza –bloqueio israelense, bombas e uma economia precária.

Quando a guerra começou em Gaza no final de 2008, Veronika, que tem 32 anos, se cansou. “Na quinta-feira, nasceu nosso sexto filho e no sábado começou a guerra. Decidimos voltar para minha terra”, disse ela ao “Kiev Post”. Ela descreveu o marido como “absolutamente apolítico”.

Veronika recentemente se mudou para a casa dos pais. Ela está em um apartamento pré-fabricado em Kharkiv e está preocupada. Na semana passada, seu marido encontrou-se com dois advogados israelenses que ela contratou. “Eles dizem que meu marido está com problemas cardíacos. E tem uma infecção renal e pressão alta”, diz ela. Aparentemente, ele também perdeu 13 kg.

Ninguém sabe quanto tempo ela ou os filhos terão que esperar para que Abu Sisi volte para casa. No domingo (27/3), uma corte israelense rejeitou uma moção dos advogados para sua soltura.

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