Chefe de imprensa do governo do irã diz que há "2.500 sakinehs nas prisões brasileiras" e nega a existência de gays em seu país
Ali Akbar Javanfekr |
Segundo ele, há "2.500 Sakinehs nas prisões brasileiras". "Se a presidente Dilma está preocupada, também podia criticar os EUA [na questão dos direitos humanos]", afirma.
É mais uma demonstração do desconforto iraniano com a mudança de tom da diplomacia brasileira sobre abusos praticados pelo país.
Dilma classificou como "bárbara" a possível execução de Sakineh. Seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, silenciava sobre o tema. Javanfekr defende que o país "é livre", respeita a oposição, a imprensa e os cineastas. Sua visita ao Brasil tem como objetivo tratar da abertura de um escritório da agência de notícias estatal Irna no Brasil.
Ele deu entrevista à Folha na última sexta-feira, na sede do jornal. Falou em farsi, com tradução de funcionário da Embaixada do Irã.
Folha - Há preocupação quanto a uma mudança de posição do governo brasileiro, sobretudo na área de direitos humanos, depois que a presidente Dilma se manifestou contrariamente ao apedrejamento de Sakineh?
Ali Akbar Javanfekr - Encontrei poucas informações sobre a realidade iraniana aqui no Brasil. Há notícias distorcidas e falsas. Isso é preocupante. Minha presença aqui é para tentar divulgar as informações corretas. No caso de Sakineh, informações que chegaram à presidente Dilma Rousseff não foram corretas.
A presidente Dilma está mal informada?
Sim. Foi mal informada sobre esse caso.
Independentemente do caso Sakineh, existe a pena de apedrejamento de mulheres, e a presidente Dilma se manifestou sobre isso.
Nosso presidente do Poder Judiciário enviou carta aos juízes dizendo que existem penas semelhantes que podem ser aplicadas. Esse não é o caminho correto [criticar direitos humanos], é um caminho que não tem fim. Existem 2.500 Sakinehs nas prisões brasileiras, acusadas de homicídio. Nos EUA, uma mulher foi executada recentemente. Se a presidente está preocupada, também podia criticar os EUA.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU deve votar a designação de um relator especial para investigar abusos no Irã, e o Brasil tende a apoiar. Como isso seria encarado?
Nossa esperança é que [o apoio do Brasil] não ocorra.
E se acontecer?
Vamos esperar...
Qual o objetivo da sua vinda ao Brasil?
Conversei com autoridades da Secretaria de Comunicação da Presidência e do Itamaraty para aumentar nossa cooperação. Senti grande interesse nisso.
Em que pé está a relação entre os dois países?
Nos últimos dois anos houve grandes passos para incrementar as relações em diferentes campos. Trocamos mais de cem delegações entre os dois países. As relações comerciais atingiram mais de US$ 2 bilhões. E existem muitas áreas em que podemos aumentar nossas cooperações, como na industrial, na agricultura, medicina, tecnologia, programas nucleares. Compramos do Brasil 190 mil toneladas de carne, 40% disso de de São Paulo.
O sr. concorda com Ahmadinejad, para quem o Holocausto é um mito?
Se o Holocausto é uma realidade histórica, por que não se permite que seja estudado? Qualquer pessoa que questiona é logo condenada. Devemos ficar preocupados com a distorção da história.
Existe farta evidência do massacre de judeus...
Se existiu, podia ser objeto de várias pesquisas. Por que não permitir?
Como está o programa nuclear iraniano hoje, depois do veto da ONU ao acordo mediado por Brasil e Turquia?
Estamos prosseguindo nossas atividades dentro dos regulamentos da Agência Internacional de Energia Atômica [AIEA]. Existem conversas com o grupo P5+1 [EUA, Reino Unido, França, China e Rússia, que integram o Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha].
O Irã pensa algum gesto adicional ao P5+1 para quebrar o impasse?
Cremos que temos de receber, não dar, mais.
Uma arma nuclear está descartada?
Não é nossa ideia ir por esse caminho.
Por que a ONU rejeitou o acordo para enriquecer urânio iraniano em um terceiro país?
O Conselho de Segurança age por influência dos EUA. Todo mundo sabe disso.
Que avaliação o Irã faz das revoltas árabes?
Estamos preocupados com a ameaça às vidas das pessoas. A nossa política é apoiar a vontade e a expressão dos povos.
O Irã e seu regime islâmico são exemplo para Egito, Tunísia e, eventualmente, Líbia?
Não apresentamos modelo de governança para ninguém. Cada nação é livre para tomar suas decisões.
Não é contraditório o Irã apoiar movimentos árabes e não tolerar atos parecidos em sua casa?
Não devemos misturar as coisas. A oposição do Irã tem direitos definidos na lei. Mas nenhum país permite conspirações apoiadas por forças externas.
Esse era o discurso do Egito, é o da Líbia...
Por que vocês comparam as duas coisas?
Porque a oposição iraniana diz que é reprimida, sem direito de manifestação.
Não foi reprimida. Eles têm jornais, publicam matérias criticando...
A ONG Repórteres sem Fronteiras coloca o Irã como o quarto pior país do mundo para a imprensa, só à frente de Turcomenistão, Coreia do Norte e Eritreia.
Convidamos vocês jornalistas a visitar nosso país e ver de perto a situação. Jornalismo é um trabalho sagrado. Esses relatórios são tendenciosos e irreais. Sabemos quem os patrocina.
Quem?
Sionistas.
É verdade, como diz o presidente Ahmadinejad, que não há gays no Irã?
Não temos.
É o único país do mundo que não tem gay?
Na República Islâmica do Irã, não há.
Se houver, há punições?
Nossa visão sobre esse tema é diferente da de vocês. É um ato feio, que nenhuma das religiões divinas aceita. Temos a responsabilidade humana, até divina, de não aceitar esse tipo de comportamento. Existe uma ameaça sobre a saúde da humanidade. A Aids, por exemplo. Uma das raízes é esse tipo de relacionamento.
A Aids é uma punição divina aos gays?
Não creio nisso. Mas vi que no Carnaval [do Brasil] foram distribuídos 90 milhões de preservativos, e isso é muito feio. Não é a favor da saúde da humanidade.
Por que o cineasta iraniano Jafar Panahi foi preso e proibido de filmar?
Temos milhares de cineastas trabalhando no Irã, produzindo filmes, ganhando prêmios em festivais internacionais. Se um deles pratica um crime que tem punição pela lei, será que é uma restrição das atividades do cineasta? Ser cineasta significa ter imunidade? Esse senhor praticou um ato ilegal.
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