Combatentes da crescente franquia da Al Qaeda na Síria entram repetidamente em choque com outras brigadas rebeldes, tomando cidades, substituindo cruzes nas igrejas por bandeiras pretas e dando aulas para ensinar as crianças sírias sobre a importância de enfrentar os "infiéis", o que significa qualquer um que não seja muçulmano sunita.
Desde que o grupo, o Estado Islâmico no Iraque e Síria (Isis, na sigla em inglês), anunciou sua presença na Síria neste ano, ele despontou como a principal força de combatentes estrangeiros ingressando no país, explorando o caos da guerra civil enquanto tenta estabelecer a base para um Estado islâmico.
"Eles querem criar um Estado jihadista ou um território jihadista, e obviamente qualquer coisa que possa favorecer isso é bem-vinda, como a derrubada do regime Assad", disse Bruce Hoffman, diretor do Centro para Estudos de Segurança da Universidade de Georgetown. "Eu não acho que eles ambicionem tomar todo o país, apesar de que ficariam contentes com isso."
Apesar dos rebeldes sírios terem inicialmente acolhido o grupo como um poderoso aliado na guerra civil contra o presidente Bashar Assad, muitos agora se ressentem por ele ter colocado sua agenda jihadista internacional à frente da luta para derrubada do governo. Ativistas antigoverno dizem que detestam a brutalidade do grupo e a imposição de códigos sociais rígidos, e até mesmo outros rebeldes islâmicos dizem que o foco da luta deve permanecer na mudança do regime.
As tensões provocam combates frequentes entre os grupos rebeldes, o que mina o esforço para combater o governo e pode complicar os esforços para eliminação das armas químicas da Síria. Uma equipa da Organização para a Proibição de Armas Químicas chegou a Damasco na terça-feira para discutir com as autoridades sírias a logística da destruição do arsenal químico do país. Representantes do grupo disseram que manter seu pessoal seguro em meio a uma guerra civil em andamento será extremamente difícil.
A ascensão dos grupos extremistas exacerbou a instabilidade na Síria. O Isis atacou bases rebeldes para capturar suprimentos e desviou grupos rebeldes no mês passado para a tomada de Azaz, uma cidade estratégica próxima da fronteira turca, levando a um tenso cessar-fogo. Na semana passada, combatentes da Al Qaeda tentaram invadir uma aldeia na província de Idlib para sequestrar alguns rebeldes, deixando 20 mortos de ambos os lados, incluindo o comandante líbio dos jihadistas.
"Nós queremos manter a Síria unida como um país de liberdade e igualdade", disse via Skype o líder de um grupo rebelde islâmico contrário ao Isis chamado Suqour al-Sham, que disse se chamar Abu Bashir. "Eles querem formar um Estado islâmico unido ao Iraque."
Em uma declaração de áudio divulgada online na noite de segunda-feira, um porta-voz da Al Qaeda defendeu o grupo, dizendo que suas contribuições para a luta anti-Assad não são devidamente apreciadas e negando que ele iniciou as lutas contra outros grupos rebeldes.
"Aqueles que buscam colocar o grupo de lado são muitos, devido a crenças e doutrinas incorretas", disse o porta-voz, Abu Mohammed al-Adnani al-Shami. "Eles são ávidos por poder e pelas coisas sem valor deste mundo."
Analistas dizem que o grupo é uma ressurreição e prolongamento da Al Qaeda no Iraque, cuja insurreição alimentada pelo sectarismo levou o país até a beira de uma guerra civil em 2006 e 2007, antes do grupo sofrer grandes derrotas pelas mãos de combatentes tribais e de tropas americanas.
Na Síria, entretanto, o grupo encontrou um vasto território que caiu nas mãos dos rebeldes perto das fronteiras norte e leste da Síria e que é um ambiente ideal para se reagrupar e promover sua agenda.
A área não tem Estado e é coberta por uma fraca colcha de retalhos de conselhos locais e grupos rebeldes que lutam para administrar suas cidades, frequentemente competindo uns com os outros por recursos. Isso dá ao grupo uma ampla área para trabalhar sem inimigos imediatos. A porosidade das fronteiras iraquiana e turca também facilita para o grupo trazer suprimentos e combatentes.
Brian Fishman, um ex-diretor de pesquisa do Centro de Combate ao Terrorismo em West Point e atualmente membro da Fundação Nova América, disse que esses fatores dão à Al Qaeda um ambiente mais favorável na Síria do que jamais teve no Iraque.
"As condições na Síria estão maduras para o Isis há algum tempo", ele disse.
O grupo é comandando por um iraquiano chamado Abu Bakr al-Baghdadi. Seus combatentes vêm de todo o mundo árabe, da Tchetchênia e da Europa, comandados por emires locais aos quais eles juram lealdade, segundo rebeldes em contato com o grupo.
Apesar dos combatentes lutarem ao lado dos rebeldes contra o governo, os rebeldes dizem que o grupo parece se concentrar em áreas já tomadas de Assad, mesmo que isso signifique expulsar os rebeldes.
"A ideia é que eles estão tentando controlar as áreas que já foram libertadas", disse Thaer Shaib, um combatente rebelde da província de Idlib. "Nós vamos para a linha de frente, libertamos as áreas e deixamos poucos combatentes para trás visando avançar, e então eles chegam e nos atacam pelas costas."
Por todas as áreas espalhadas que os jihadistas estrangeiros controlam ao longo da fronteira norte da Síria, eles proibiram fumar em público e atacaram as aldeias curdas, algumas das quais com tréguas acertadas com os rebeldes.
Em Raqqa, a única capital regional que caiu sob controle completo dos rebeldes, o Isis estabeleceu bases em prédios públicos, executou publicamente membros da minoria alauita de Assad e deteve ativistas que protestavam contra ele.
"Eles controlam por meio do medo, realizando execuções públicas, circulando em máscaras, exibindo suas armas, matando e sequestrando qualquer um que se oponha a eles ou aos seus atos", disse um ativista em Raqqa, que se recusou a dar seu nome por temer ser caçado pelos extremistas.
Apesar de às vezes cooperarem em batalha, o Isis é separado do primeiro grupo da Al Qaeda a surgir na Síria, a Frente Al Nusra, cujo líder rejeitou a proposta de fusão neste ano.
Desde então, o Isis recebe o afluxo de combatentes estrangeiros, enquanto a Frente Al Nusra passou a ser mais aceita pelos rebeldes por manter seu foco na luta contra Assad.
Na semana passada, 10 brigadas islâmicas assinaram uma declaração com a Frente Al Nusra pedindo um Estado Islâmico e rejeitando a oposição no exílio, a Coalizão Nacional Síria. Membros dos grupos que assinaram disseram que a declaração também visa projetar a união entre as brigadas rebeldes islâmicas que não compartilham a agenda do Isis.
O Isis deixa clara sua visão para a Síria nos vídeos que divulga nos sites militantes, mostrando seus combatentes buscando ajudar os pobres, disseminando sua interpretação rígida do Islã e matando aqueles que considera infiéis.
Um vídeo sobre uma recente ofensiva do Isis na província central de Hama mostrou um comandante expondo os planos de combate a um grupo de combatentes, com imagens do Google Earth projetadas em uma parede.
"Nós temos que lhes ensinar que os planos deles fracassarão", disse o comandante não identificado. "A Síria será um califado islâmico, queira Deus."
Imagens posteriores mostravam vários combatentes bem armados, alguns falando árabe cheio de sotaque, partindo para o combate e cantando: "Nós estamos indo massacrá-los, ó alauitas", uma referência à seita de Assad.
O grupo não esconde suas operações transfronteiriças nem sua brutalidade para com aqueles que considera inimigos. Em outro vídeo, um grupo de combatentes para três caminhoneiros em uma estrada, que acredita-se que cruze a fronteira iraquiana, e pergunta a eles quantas vezes eles se curvam durante a oração matinal, uma pergunta fácil para um muçulmano devoto.
Os homens, que eram alauitas, chutam incorretamente. Os combatentes os declaram infiéis, os fazem se ajoelharem à margem da estrada e os fuzila. Então um combatente atira um coquetel Molotov em um dos caminhões, o incendiando.
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