Sob uma cobertura prateada de oliveiras, homens e mulheres cercavam a sepultura de um tenente de 24 anos do exército sírio. Enquanto o comandante entregava à mãe do morto uma bandeira síria dobrada em forma de triângulo, o som dos galhos balançando ao vento podia ser ouvido em meio ao choro discreto e orações.
Uma salva de disparos de fuzil foi dada pelos amigos e parentes do morto, com cliques de vários cartuchos vazios caindo no chão pedregoso.
"Deus permita a vitória de nosso presidente, Bashar Assad, que cure nossos feridos, liberte nossos prisioneiros e permita que nossas palavras sejam uma só palavra", entoou um xeque em uma túnica branca e gorro. "Não pensem que aqueles que morrem pelo bem de Deus estão mortos. O mártir é precioso por toda a eternidade."
Morto em uma emboscada no outro lado do país, o tenente --cuja família pediu que fosse chamado por seu apelido, Abu Layth-- foi o primeiro soldado a cair em combate desta aldeia de 125 pessoas, nas serras costeiras da Síria, após dois anos de uma guerra que apenas recentemente chegou próxima o bastante para que os disparos pudessem ser ouvidos.
Funerais como este têm se repetido dezenas de milhares de vezes por todo o país. Eles afetam profundamente muitos na Síria, onde o serviço militar é obrigatório, mas especialmente aqui na província costeira de Latakia, onde o apoio ao governo é forte.
Até mesmo alguns críticos do presidente ou do governo ainda professam lealdade ao exército como símbolo do país, um que é regularmente homenageado nos feriados nacionais e retratado heroicamente em filmes clássicos sobre antigas guerras contra Israel.
O governo sírio não fornece números oficiais sobre quantas baixas na guerra civil sofreu o Exército Árabe Sírio, como ele é oficialmente conhecido em uma referência à história nacionalista árabe do Estado. Mas o Observatório Sírio de Direitos Humanos, um grupo de monitoramento antigoverno que acompanha o conflito, diz que das 115 mil mortes que computou, quase 29 mil são do exército e mais de 18 mil são de milícias pró-governo.
O funeral --e o pomposo cortejo portando a bandeira que trouxe o corpo da capital provincial, a cidade de Latakia-- propicia um vislumbre da confiança dos apoiadores do governo na região costeira, onde muitos homens seguem carreira militar, e o modo nacionalista como emolduram o conflito.
O tenente morto em combate e sua família são alauitas, membros da seita à qual Assad pertence, que é desproporcionalmente representada nas forças de segurança e cujos membros enfrentam ameaças sectárias dos rebeldes. Mas no funeral não foi feita nenhuma menção a essa identidade. Seja nos discursos ou nos repentes emocionais, as pessoas falavam na defesa do Estado sírio.
Emoções conflitantes estavam em exibição o tempo todo. Em sua sala de estar lotada, a mãe de Abu Layth, Jamila, disse: "Deus permita que haja um entendimento", enquanto outra pessoa enlutada dizia: "Nós queremos beber o sangue deles". Muito foi dito sobre proteger os recursos do país, mas na entrada da aldeia, uma barreira de concreto foi pichada: "Assad ou incendiaremos o país".
Funerais militares ocorrem virtualmente todo dia na Síria, mas é quase impossível ter acesso a um em Damasco, a capital. Os jornalistas sírios pró-governo disseram que isso se deve em parte porque os mortos são desproporcionalmente das aldeias da região costeira, e mesmo as famílias urbanas tendem a realizar os funerais em suas aldeias ancestrais. Outros apenas temem realizar cortejos para combatentes pró-governo tão perto de território mantido pelos rebeldes nos subúrbios.
Mas aqui, ao longo da costa do Mediterrâneo, onde a família de Assad tem suas raízes, não há essa hesitação.
Do hospital militar na cidade de Latakia, o corpo viajou em uma ambulância com luzes piscando, seguida pelos enlutados saindo para fora das janelas e tetos solares de táxis e carros com bandeiras da Síria.
Na cidade, que testemunha esses cortejos diariamente, algumas pessoas mal dão atenção. Mas à medida que o comboio percorre lentamente a periferia norte --inchando de uma para duas e três pistas-- famílias inteiras e equipes de obras param para observar. Em uma barreira militar, homens em uniformes de camuflagem dispensam a checagem de segurança habitual e saúdam enquanto o cortejo passa.
Os homens no cortejo dão vários disparos para o ar. Sorrindo, um declarou: "Ele é um mártir, mas o mais importante é que a Síria está bem".
Mais adiante, o cortejo passa por pomares carregados de limões verdes e galpões de trabalho envoltos em glórias-da-manhã azuis. Na saída da estrada principal, crianças em idade escolar vestiam a insígnia do clube jovem do Partido Baath do governo, segurando pôsteres de Assad e cantando: "Mártir após mártir!"
A estrada percorre colinas de romãzeiras e oliveiras, com vistas para o mar. A aldeia de Daqdaq, parte da cidade de Shabatliya, estava repleta de pôsteres de Abu Layth, de ombros largos e musculoso. Seu caixão foi levado para a casa da família, com suas antigas portas de madeira lascadas.
As pessoas jogavam arroz, que colaram no rosto da tia de Abu Layth, que estava úmido de suor e lágrimas. O pai dele se curvava de pesar, dando tapas em suas coxas.
Muitas pessoas na aldeia estão desempregadas há anos, disseram moradores. O serviço militar de 18 meses foi prolongado, para muitos para mais de três anos. A mãe de Abu Layth, cujos três filhos restantes estão todos nas forças armadas ou em empregos de segurança, disse tê-lo visto apenas poucos dias nos últimos três anos. Por telefone, ela disse, quando ela perguntou como ele estava, ele apenas disse: "Estou aqui".
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