Apesar de a China ter declarado seu desejo de manter a paz na Ásia, o país tem reivindicado de maneira assertiva as águas do Mar da China Meridional e do Mar da China Oriental. A retórica em tom de confronto sugere, para muitos observadores (e para os desconfortáveis vizinhos da China na região do Pacífico), um sentimento de direito reprimido decorrente da crescente importância de Pequim no mundo.
Mas outro fator pouco lembrado também está em jogo: o ressentimento persistente da China em relação a suas contribuições para a vitória dos aliados contra o Japão na Segunda Guerra Mundial – contribuições que para os chineses nunca foram plenamente reconhecidas e ainda têm que ser traduzidas em capital político na região.
A resistência da China contra o Japão é uma das grandes histórias não contadas da Segunda Guerra Mundial. Embora a China tenha sido a primeira potência aliada a lutar contra o Eixo, o país recebeu muito menos crédito por seu papel no Pacífico que os Estados Unidos, o Reino Unido ou até mesmo a União Soviética, que só entrou para a guerra na Ásia em agosto de 1945. A contribuição chinesa foi deixada de lado logo após o conflito, como uma história inconveniente em meio à límpida narrativa ideológica da Guerra Fria.
No início do século 20, o desejo crescente da China por soberania nacional teve que se confrontar com o aumento do imperialismo japonês no continente asiático. A guerra irrompeu, de fato, em julho de 1937, e durante os oito anos que o conflito durou, tanto as forças nacionalistas de Chiang Kai-shek quanto, em menor medida, os combatentes comunistas que respondiam a Mao Tse-tung se engajaram em extraordinários esforços de resistência.
Embora muito mais fraca e mais pobre do que os poderosos Estados Unidos ou o império britânico, a China desempenhou um papel importante durante a guerra. Cerca de 40 mil soldados chineses lutaram na Birmânia ao lado das tropas norte-americanas e britânicas em 1944, ajudando a proteger a estrada Stilwell, que liga Lashio a Assam, na Índia. Na própria China, eles contiveram cerca de 800 mil soldados japoneses.
Os custos foram elevados. Pelo menos 14 milhões de chineses foram mortos e outros 80 milhões tornaram-se refugiados durante a guerra. Muitas atrocidades foram cometidas, como o Estupro de Nanquim, em 1937, que entrou para a história como a mais conhecida delas. No entanto, ocorreram outros massacres igualmente terríveis, mas menos conhecidos: a captura sangrenta, em 1938, de Xuzhou no leste, que ameaçou a capacidade de Chiang de controlar a região central da China; o bombardeio, em 1939, de Chongqing, a capital provisória, que matou mais de 4.000 pessoas em dois dias de ataques aéreos, fato que um sobrevivente descreveu como "um mar de fogo"; e a campanha dos "três tudos" ("Queimem tudo, saqueiem tudo, matem tudo e todos"), de 1941, que devastou as áreas controladas pelos comunistas no norte.
Essas três situações de tensão colocaram uma enorme pressão sobre o que até então era um país fraco e isolado. Mas algumas das políticas do governo de Chiang tornaram as coisas ainda piores. A decisão de confiscar os grãos dos camponeses para alimentar o exército agravou a fome de 1942 na província de Henan. "Naquela época, era possível trocar uma criança por alguns pães", relembrou um inspetor do governo em suas memórias. Tais erros fizeram o governo do partido nacionalista (Kuomintang) parecer corrupto e ineficiente e o transformaram em um aliado constrangedor para os Estados Unidos – apesar de os nacionalistas terem realizado a maior parte dos combates contra o Japão –, muito mais constrangedor do que os comunistas.
Quando os Aliados venceram a guerra, em 1945, a contribuição da China para a vitória foi recompensada com um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), mas o país não recebeu muito mais do que isso. Depois de uma guerra civil, o regime de Chiang foi derrubado pelos comunistas em 1949 e, à época, Mao tinha poucos motivos para reconhecer as contribuições do governo anterior na derrota do Japão durante a guerra. Os aliados da China durante a guerra também pouco fizeram para lembrar suas próprias populações sobre o papel do país em sua vitória: o regime nacionalista, que fugiu para o exílio em Taiwan, era uma relíquia constrangedora, e o novo regime comunista era um desconhecido assustador. Para o Ocidente, a China passou de aliado de guerra a gigante comunista ameaçador em poucos anos.
Uma das principais consequências que continua tendo grande relevância hoje em dia é o fato de os velhos inimigos da Ásia nunca terem firmado um acordo multilateral do tipo que ocorreu no Atlântico Norte após 1945, que deu origem à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e que se transformou na UE (União Europeia). A decisão dos Estados Unidos de colocar a China à margem da ordem mundial do pós-guerra, que foi dominada pelos norte-americanos, fez com que a China e o Japão nunca assinassem um tratado de paz adequado. E isso fez com que, durante muitos anos, os historiadores ocidentais tratassem o papel da China na Segunda Guerra Mundial como algo secundário.
Mas, recentemente, a nova abertura política adotada pela China permitiu que uma imagem diferente dos anos de guerra emergisse. Chiang e Mao estão mortos há muito tempo, e o governo chinês vem tentando reivindicar um papel internacional mais amplo ao lembrar o mundo sobre os benefícios de sua cooperação passada com o Ocidente.
A China, ansiosa para reunificar o continente com Taiwan no futuro, também adotou uma atitude mais favorável em relação ao legado de Chiang. Cineastas e acadêmicos chineses agora têm permissão para falar mais livremente sobre a contribuição dos nacionalistas durante a guerra, seja em dramas produzidos para a TV ou em artigos acadêmicos. Uma biografia extensa e positiva de Chiang, escrita por Yang Tiens, historiador da Academia Chinesa de Ciências Sociais, tem sido um dos livros mais vendidos no continente. A antiga vila de guerra de Chiang, localizada nos arredores de Chongqing, até foi restaurada e transformada numa espécie de santuário, com fotos e legendas descrevendo o ex-líder como um patriota que se manteve firme contra os japoneses, numa reabilitação da reputação de Chiang, que teria sido inimaginável durante o governo de Mao.
Esta revisão da história tem consequências significativas para o Leste e o Sudeste da Ásia hoje em dia. Se a liderança dos Estados Unidos na derrota do Japão em 1945 continua a justificar a presença norte-americana no Pacífico atualmente, os líderes chineses se perguntam por que a contribuição da China em prol do mesmo objetivo não pode servir para aumentar o poder e a influência do país na região. Pequim está tentando cobrar hoje um cheque geopolítico que Chiang Kai-shek redigiu quase sete décadas atrás.
(Rana Mitter, professor de história e política da China moderna na Universidade de Oxford, é autor de "Forgotten Ally: China's World War II" ["Aliado esquecido: a Segunda Guerra Mundial na China"])
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E justa a reincorporação de taiwan, e ilhas q foram dos mesmos, dos Chineses,até às invasões nipônicas e de outras potências...estão certos..sds.
ResponderExcluirÉ CHINA, 2/3 da Wehrmacht estavam na frente russa, morreram 26 milhões de russos e no recuo alemão, arrasaram tudo na Rússia. Sabem o que a Rússia ganhou de prêmio: OTAN. Nisto tudo fica a compreensão do ocidente maravilha que a Rússia iria invadir a europa ocidental e ainda criaram a Cortina de Ferro, obra da invenção de sir Wiston Churchill. Portanto CHINA é melhor se acostumar com a politiquinha dos EUA/OTAN/iSSrael, só eles são os melhores e sabem tudo, e você não sabe nada.
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