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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Em 4 décadas, Gaddafi flertou com várias ideologias para se manter no poder

Coronel Khaddafi
Essa revolução não constava do programa do Livro Verde. No entanto, foi ela que consumiu um Guia desnorteado, envelhecido, desgastado e cansado, após 41 anos sozinho no poder. Muammar Gaddafi escapou de tantas armadilhas colocadas sob seus pés, ou que ele mesmo plantou com suas mudanças de estratégia, que conseguiu se impor no mundo inteiro como um personagem tão impossível quanto inevitável.

Um ditador solvente, graças a seu petróleo. Um déspota bufão e confuso, de imprecações letais ou incompreensíveis. Durante essas quatro décadas que viram no mundo árabe-muçulmano perecerem muitas ideologias, o coronel mudou continuamente de papel. Como militar, ele se deu o título de coronel, o único limite que soube se impor. Como revolucionário, ele adotou qualquer causa que fosse extrema. Visionário, ele quis ser o símbolo do arabismo, e depois o sábio da África, com o mesmo fracasso. Realista, ele praticou a revolução a 360 graus, o homem que derrubou a Cirenaica (Idriss 1º, que se tornou soberano da Líbia) e terminou como rei da Tripolitânia, com fúria e sangue.

Nascido por volta de 1942, sob uma tenda de pele de cabra, em alguma parte do deserto de Sirte, Muammar Gaddafi poderia ter ficado confinado por muito tempo em seu vilarejo, assim como tantos outros líbios. Mas a influência de sua família, que tomara parte na longa luta contra o poder colonial italiano, o lançou rapidamente em um mundo onde as preocupações políticas dominavam. Ele tinha 17 anos quando, com seus colegas da escola secundária de Sebba, organizou aquilo que depois ele chamou de suas “primeiras atividades revolucionárias práticas”, na verdade inocentes reuniões secretas.

O jovem Muammar e seus amigos, que, desde a nacionalização do Canal de Suez, assistiram maravilhados à irrupção do nasserismo no cenário internacional e ao despertar do arabismo, sentiam vagamente que seu país permanecia, por culpa de seus dirigentes, afastados do grande movimento de emancipação árabe.

Formado em História em 1963, Gaddafi entrou no ano seguinte na academia militar de Benghazi. Essa decisão foi tomada após muita reflexão: ele acreditava que o caminho mais curto para a revolução passava pelo Exército e conseguiu impor suas ideias sobre o “caminho militar para a revolução” à maioria de seus jovens amigos. Os “oficiais livres unionistas” – como eles mesmos se chamavam - , em sua maior parte de origem modesta, começaram a levar uma vida ascética por incentivo de Gaddafi: seus dias eram dedicados aos estudos e às preces. Eles não bebiam, não fumavam, não frequentavam casas noturnas e se abstinham até de relações sexuais.

Em 1965, Gaddafi terminou seus estudos na academia militar. Ele foi enviado no ano seguinte para a Inglaterra, onde fez um estágio de aperfeiçoamento de seis meses na academia militar de Sandhurst. De volta à Líbia, ele se dedicou inteiramente a suas atividades militares, ao mesmo tempo em que fazia um trabalho de solapamento clandestino. A derrota árabe de junho de 1967 frente a Israel o levou a acelerar seus preparativos. A decisão de derrubar o regime do rei Idriss foi tomada. No dia 1º de setembro de 1969, o golpe de Estado foi um sucesso retumbante.

Rapidamente ele foi superando seus pares. Seu rosto emaciado, de traços regulares, seu olhar escuro e determinado, seu sorriso tenso logo se tornaram lendários. “A revolução líbia é um aspecto do nacionalismo árabe que você defende e do qual você é o líder”. Foi nesses termos que o jovem coronel Muammar Gaddafi se dirigiu ao presidente Gamal Abdel Nasser dez dias após a queda da monarquia dos Senoussi.

Sua preocupação em imitar o modelo egípcio beirava a obsessão, e às vezes o ridículo. No entanto, a diferença era nítida entre o regime nasseriano, moderado por seus inúmeros reveses, e o impetuoso coronel, impaciente para atingir objetivos que o Cairo já há muito tempo considerava ilusórios. Após a morte de Nasser, no dia 28 de setembro de 1970, fortalecido pelos recursos petroleiros de seu país, ele acreditou ser o mais qualificado para voltar a levantar a bandeira do pan-arabismo, mas o projeto de “federação de laços flexíveis” associando o Egito e a Síria à Líbia logo degringolou. Gaddafi, que rapidamente se desentendeu com a maioria dos países árabes, foi marginalizado. Esse isolamento se acentuou após a guerra de outubro de 1973, para a qual ele não foi consultado.

Foi em parte para quebrar as reticências dos líbios, alimentadas por esses fracos resultados, que Gaddafi lançou, no mesmo ano, sua “revolução cultural”. Ele disse a seu povo que era preciso “queimar os livros que contivessem ideias importadas da reação capitalista ou do comunismo judeu”. Ele afirmava que a única ideologia autorizada seria aquela que emanasse do livro de Deus, o Corão, e convidou os “cidadãos livres” a tomarem as rédeas das instituições, dos principais serviços públicos, e a assumirem o controle dos postos de comando. “A caça aos inimigos da revolução” foi elevada à condição de virtude. Mas ela logo estagnou.

Para enfrentar uma oposição incipiente, o coronel Gaddafi contava com o apoio das camadas mais desfavorecidas da população (beduínos, trabalhadores urbanos, jovens). Ele impôs a adoção de suas ideias de “governo popular direto” para instaurar um sistema de governo que, aos seus olhos, constituía “a primeira verdadeira democracia desde Atenas”.

Baseada na “teoria da terceira via”, exposta no famoso Livro Verde do líder líbio – cujo primeiro fascículo foi publicado em 1976 - , a nova forma de “governo do povo” se exerceu pela decisão dos “congressos populares de base” (aos quais cada cidadão pertencia automaticamente), dos “comitês populares de base” (que são seus órgãos executivos) e dos sindicatos e uniões profissionais: a base de uma pirâmide em cujo topo se situava o Congresso Geral do Povo, que se tornou a instância suprema da Líbia, agora chamada de Jamahiriya (“o Estado das massas”).

Quanto ao coronel Gaddafi, ele se tornou secretário-geral do Congresso Geral do Povo. Para ele, o socialismo preconizado decorria diretamente do islamismo, que é “a mensagem eterna, a revolução contínua, uma ideologia nova e a mãe das teorias”. Considerando-se forte o suficiente, em abril de 1977 ele ordenou pela primeira vez a execução de cerca de trinta opositores. Eles não foram os últimos. Para poder se dedicar melhor à “ação revolucionária”, em setembro de 1978 o coronel Gaddafi se desobrigou de todas suas funções oficiais.

Mas em sua condição de Guia da Revolução, ele continuava sendo a autoridade suprema do país. Desapontado com seus fracassos árabes, ele se voltou para o continente africano e acusou a França, de quem, no entanto, ele voltara a se aproximar, de apoiar os “regimes reacionários” na África, e de ser apenas “a unha da pata americana sobre o continente africano”. Uma política de intervenção para todos os lados lhe valeu novas decepções no Magreb e na África negra. No entanto, ele teve sua primeira vitória política e militar em dezembro de 1980, quando os tanques líbios fizeram a batalha de N’Djamena pender a favor do presidente chadiano Goukouni Oueddei, precipitando a derrota de Hissène Habré.

Mas a vitória chadiana de Gaddafi suscitou preocupações em Washington. Com a chegada ao poder da nova administração americana do presidente Reagan, o coronel líbio se tornou o homem de quem eles deveriam se livrar. Trípoli era o centro onde se reuniam todos os movimentos de libertação nacional contrários ao “imperialismo” americano. Para o presidente Reagan, ele era antes de tudo o “principal agente de Moscou” no continente africano.

À medida que iam se delineando as ameaças americanas, aquele que foi, a exemplo de seu mestre Naser, um dos defensores da política do neutralismo, foi se alinhando cada vez mais com o bloco soviético. Teria sido então a CIA autorizada a conduzir uma operação de desestabilização contra o coronel Gaddafi, como afirmou o “Washington Post” em novembro de 1985? Depois de atentados perpetrados nos aeroportos de Viena e de Roma, em janeiro de 1986, o presidente Reagan o acusou novamente de financiar o terrorismo internacional. Ele se tornou alvo da aviação americana, que bombardeou o quartel de Bab Al-Aziziya na noite de 14 de abril. Sem sucesso.

Enquanto o marasmo econômico atingia a Líbia, em consequência da queda dos preços do petróleo e do fiasco da “revolução”, o coronel Gaddafi parecia hesitar. Entretanto, os atentados de dezembro de 1988 em Lockerbie, contra um Boeing americano da PanAm, e de setembro de 1989 no Níger, contra um DC-10 francês da UTA foram atribuídos a ele. Ele também foi acusado de lançar, a exemplo de Saddam Hussein, um programa proibido de armas químicas.

Em 1992, a ONU votou um embargo contra a Líbia. O coronel se fechou em um torturante isolamento. Foi preciso esperar até 1999 para que Trípoli se resignasse a reconhecer, relutantemente, sua responsabilidade nos casos da PanAm e da UTA. O fato de as tropas americanas derrubarem seu colega ditador iraquiano, em março de 2003, precipitou a nova troca de pele do coronel.

Para se poupar de um destino tão funesto como aquele, Muammar Gaddafi deu garantias a Washington. No caso de Lockerbie (Paris deveria esperar para obter uma solução para seu litígio), mas não só. Hábil, ele bancou o auxiliar na “guerra contra ao terrorismo” islâmico iniciada por George W. Bush depois do atentado de 11 de setembro. Um terreno ainda mais favorável pelo fato de que o coronel esmagara seus próprios jihadistas. O ex-idealizador da política da bomba, ultrapassado pela Al-Qaeda, colocou seu antigo conhecimento a serviço dos ocidentais. No dia 19 de dezembro do mesmo ano, aperfeiçoando de forma espetacular sua radical mudança de visão sobre o Ocidente, o coronel Gaddafi anunciou o abandono de seu programa nuclear.

Então Washington o absolveu, e a Europa voltou a se apressar, às vezes sem grande pudor, para Trípoli. Tony Blair foi o primeiro, em 2004. Todos o imitaram.

Somente a crise das enfermeiras búlgaras, condenadas à morte por terem supostamente inoculado o vírus da Aids em crianças líbias, impediu a conclusão dessa normalização, até o verão de 2007, com a chegada de Nicolas Sarkozy ao poder, que atacou o caso a unhas e dentes. O presidente francês pagou o preço dolorosamente, infligindo-se o calvário de uma recepção com todas as pompas do diretor líbio em Paris, durante a qual o coronel Gaddafi fez inúmeras provocações e ataques.

Bruxelas, Nova York (durante uma assembleia geral da ONU) e muitas capitais africanas seriam submetidas ao mesmo tratamento, que era tolerado por causa da solvabilidade ou das generosidades interessadas de um país pelo qual o coronel também se interessava pouco, ou só através de caprichos como a Grande Riviera artificial. A ideia era encaminhar para a costa líbia, a parte mais populosa do país, a água bombeada de lençóis artesianos situados sob o deserto, e que não pode se renovar. Foi a seu filho Saif al-Islam, que por um tempo foi a fachada de um sistema excêntrico, que se atribuiu a ideia de aproveitar essa reabilitação de imagem entre a comunidade internacional para instaurar o conceito de novo emirado (petroleiro), o eldorado magrebino.

Duro com os fracos, o Guia líbio mostrou uma última vez os limites de sua moderação, ao se enfurecer com a Suíça por ela ter prendido brevemente, em julho de 2008, seu filho Hannibal, suspeito de maus tratos contra dois de seus empregados domésticos. Prova de um estado de tensão, enquanto se esboçava o momento de uma complexa sucessão dinástica. Esta só podia estar preparando sua queda. Pego em janeiro e fevereiro entre as revoluções tunisiana e egípcia, o coronel Gaddafi, um dos poucos a lamentarem o colapso do regime de Ben Ali, viu a rebelde Benghazi se voltar contra ele no dia 17 de fevereiro.

A intervenção da Otan sob pressão dos antigos amigos britânicos e franceses evitou no último momento um banho de sangue. Salva em cima na hora, a insurreição pôde então instilar seu veneno. O Guia líbio se mostrou resiliente frente à coalizão interna incerta que ele uniu sem querer, mas novamente banido pelas demais nações, ele foi se enfraquecendo inexoravelmente ao longo dos meses. Ele descobriu tarde demais uma raiva que ele não havia notado: a de seu povo.

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