A crise de confiança com Washington poderá levar Islamabad a relativizar sua aliança com os Estados Unidos
A direita, Asif Ali Zardari, presidente do Paquistão, a esquerda, Hu Jintao, presidente da República Popular da China |
Na segunda-feira (9), o primeiro-ministro paquistanês, Youssouf Raza Gilani, falou diante do Parlamento para dar explicações sobre “o caso Bin Laden”. Seu discurso foi bem pobre em matéria de revelações. Em compensação, ele foi eloquente sobre a estratégia diplomática que Islamabad pretende adotar para diminuir a pressão americana. Gilani elogiou a China, que, segundo ele, é “uma fonte de inspiração para o povo paquistanês”.
Entre os políticos e a opinião pública, aumenta a pressão para que Islamabad afrouxe suas relações com os Estados Unidos, cuja atitude foi considerada ingrata em relação aos “sacrifícios” feitos pelos paquistaneses no combate antiterrorista. O líder da oposição, Nawaz Sharif, chefe da Pakistan Muslim League (PML-N), pediu para que o governo reveja suas relações com Washington depois do “ataque contra a soberania nacional” que foi a incursão americana de Abbottabad, em sua opinião.
Na imprensa, aumentam os apelos para que se recorra à alternativa chinesa. Em um artigo intitulado “Distinguir entre nossos amigos e nossos inimigos”, o jornal “The Nation”, próximo do Exército, escreveu no dia 6 de maio: “Está na hora de o governo se distanciar do suposto amigo americano e se aproximar da China, cuja amizade foi provada pelo tempo.”
Em Islamabad, os analistas são da opinião de que a morte de Bin Laden irá marcar uma inflexão da diplomacia paquistanesa. “É muito provável que o Paquistão vá se aproximar da China, mas também da Rússia”, declara Imtiaz Gul, diretor do Centre for Research and Security Studies (CRSS). “A opinião pública quer saber o que ganhamos com a aliança com os Estados Unidos. O resultado é um coro de críticas e uma total falta de confiança.”
Iftikhar Murshid, ex-diplomata e hoje redator-chefe da revista “Criterion Quarterly”, modera ligeiramente o alcance da virada anunciada. “A relação entre o Paquistão e a China já é incrivelmente profunda”, observa. “Mas, é claro, pode ser ainda mais. A percepção, aqui, é de que a China é uma parceira segura que nunca deixou o Paquistão na mão. Dito isso, nós nunca colocaremos todos os ovos na mesma cesta”.
A China logo entendeu toda a vantagem que poderia tirar da crise de confiança que estourou entre o Paquistão e os Estados Unidos. Então quando Islamabad de repente se viu como alvo de suspeita generalizada no Ocidente, Pequim lhe concedeu amáveis comentários. No dia 6 de maio, a porta-voz do ministério chinês das Relações Exteriores fez um apelo para que a comunidade internacional oferecesse ao Paquistão “mais compreensão e apoio”, ao mesmo tempo em que pediu pelo “respeito à soberania dos Estados”, uma crítica implícita à incursão americana. A imprensa oficial chinesa não ficou para trás. Ela considerou “injustos” os questionamentos sobre o Paquistão no combate ao terrorismo.
Até o momento, Islamabad conseguiu encontrar um equilíbrio entre sua aliança com os Estados Unidos e sua histórica amizade com a China. A relação com Washington foi errática, especialmente em razão das ambições nucleares paquistanesas. Após o 11 de setembro, no entanto, a “guerra contra o terror” aproximou como nunca os dois países, com o Paquistão negociando habilmente seu status de “Estado linha de frente” (como na época da guerra antissoviética no Afeganistão), considerado como “renda estratégica” por certos críticos.
De 2002 a 2011, os americanos desembolsaram em torno de US$ 20 bilhões (aproximadamente R$ 32,4 bilhões) em ajuda para o Paquistão, sendo que três quartos diziam respeito a gastos com segurança. É essa ajuda que hoje está sendo questionada por iniciativa de membros do Congresso, que avaliam que Washington pouco recebeu em troca.
A China, por sua vez, reforçou consideravelmente sua presença no Paquistão em uma década. Ela construiu o porto de Gwadar (Baluchistão), um acesso ao Mar da Arábia que lhe permite garantir seu abastecimento energético. Ela também reforçou sua cooperação nuclear civil com o Paquistão a fim de fazer um contrapeso ao estreitamento de laços entre os Estados Unidos e a Índia. Esse papel de Pequim aparentemente está fadado a se ampliar, reconfigurando assim o equilíbrio geoestratégico no sul da Ásia.
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