As manifestações separatistas ocorrendo no leste da Ucrânia aumentaram os temores de uma invasão ao estilo da Crimeia pelos 40 mil soldados russos posicionados na fronteira russa.
Mas as metas de Moscou são mais sutis que isso, concentradas em uma ampla estratégia para impedir a Ucrânia de escapar da órbita econômica e militar da Rússia, segundo analistas políticos aliados do Kremlin e diplomatas entrevistados nesta semana.
Para isso, o Kremlin fez uma exigência central, que à primeira vista não parece terrivelmente despropositada. Ele quer que Kiev adote um sistema federativo de governo, dando mais poder aos governadores por toda a Ucrânia.
"Uma estrutura federativa assegurará que a Ucrânia não será antirrussa", disse Sergei A. Markov, um estrategista político russo que apoia o Kremlin.
As autoridades russas disseram que imaginam um sistema no qual as regiões elejam seus próprios líderes e protejam suas próprias tradições econômicas, culturais e religiosas –inclusive o estabelecimento de laços econômicos independentes com a Rússia.
Mas muitos especialistas rejeitam o plano russo como uma desculpa para minar a independência ucraniana. "É outra forma de desmontar e subjugar a Ucrânia", disse Lilia Shevtsova, uma analista do Centro Carnegie Moscou. "Isso significaria que Moscou poderia pegar e descascar qualquer parte da Ucrânia a qualquer momento", disse.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, "quer que a Ucrânia seja, primeiro, absolutamente neutra e, segundo, dependente de Moscou", disse Vladimir A. Ryzhkov, um político de oposição.
"Se você tem um governo central fraco e governadores fortes, você pode lidar diretamente com os governadores, passando por cima do comando em Kiev", afirmou.
Os Estados Unidos, apesar de apoiarem a descentralização, são contrários a dar poder demais às regiões.
Muitos analistas disseram que as questões que pairam sobre a Ucrânia não são simplesmente definidas na dicotomia de um leste contra oeste.
A realidade do poder russo é tamanha que os ucranianos precisam realizar um ato de equilibrismo delicado, dando a Putin influência suficiente para satisfazer suas exigências e preservando ao mesmo tempo a independência deles.
Isso pesará na questão constitucional da federalização e merecerá um monitoramento atento, disseram analistas.
A única outra exigência da Rússia, declarada com frequência, é a preservação do russo como língua oficial –como já ocorre nas regiões onde ela é amplamente falada.
Apesar de o que exatamente o Kremlin optará por fazer nas próximas semanas ser impossível de prever, os analistas citaram três resultados potenciais.
No primeiro, a Rússia consegue influenciar a eleição presidencial com um candidato de sua preferência, ou tem sucesso em implantar a Constituição Federal que deseja para ter poder de veto sobre políticas econômicas e militares estrangeiras.
Até o momento, nenhum candidato está abertamente aliado a Moscou. Mas as duas principais possibilidades são Mikhail Dobkin, o candidato do Partido das Regiões, o partido favorito de Moscou, e Yulia V. Tymoshenko, que estabeleceu um relacionamento estreito de trabalho com Putin quando foi primeira-ministra de 2007 a 2010.
No final, nenhum líder ucraniano se arriscará a ter relações abertamente hostis com Putin, dado que aproximadamente um terço das exportações do país vão para a Rússia.
O Kremlin quer ver uma Constituição proposta que ceda mais poder aos governadores do que a atual.
Os analistas sugeriram que a melhor concessão seria algo parecido com o que muitos chamam de "federalização e finlandização" da Ucrânia.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a Finlândia adotou uma abordagem prática em relação à sua vizinha gigante, porém nervosa – não se juntar à OTAN até hoje e evitar o ingresso na União Europeia até bem depois do colapso da União Soviética em 1991.
O segundo resultado é uma espécie de Anexação da Crimeia Parte 2, com os moradores do leste e sul votando em um referendo se querem ou não se juntar à Rússia. Os manifestantes em Donetsk no fim de semana já anunciaram a realização desse referendo em 11 de maio, apesar de Moscou não ter endossado imediatamente a proposta.
Mas o que preocupa as autoridades ucranianas é que o Kremlin poderia mudar de curso e exigir um referendo caso considere a nova Constituição insuficiente. Isso, por sua vez, poderia levar a uma incursão militar.
Esse segundo resultado sem dúvida desestabilizaria a Ucrânia e impediria um abraçar pleno do Ocidente, mas implicaria em riscos significativos para Moscou.
Primeiro: não há garantia de que a Rússia poderia tomar grandes áreas do leste da Ucrânia sem luta, como ocorreu na Crimeia.
Além disso, uma incursão provocaria quase certamente sanções americanas e europeias muito mais severas, prejudicando seriamente uma economia russa já em estagnação. Os Estados Unidos disseram na segunda-feira (7) que qualquer interferência russa na Ucrânia seria considerada uma "escalada séria" que poderia provocar mais sanções.
Tentar arrancar um pedaço da Ucrânia também poderia ser impopular entre os russos, e o oeste da Ucrânia poderia se transformar em um sólido aliado antirrusso do Ocidente, muito próximo da fronteira russa.
Também há um forte motivo para acreditar que em uma votação justa, o referendo resultaria em uma derrota. Não há um movimento popular significativo para ingressar na Rússia, como havia na Crimeia, que fez parte da Rússia até 1954 e é lar de uma população significativa de veteranos militares russos.
Talvez mais importante, os oligarcas no leste da Ucrânia, vários deles agora governando a região, permanecem contrários a se tornarem parte da Rússia.
O terceiro resultado e o menos provável é uma invasão militar plena.
O apoio doméstico a Putin foi às alturas após a anexação da Crimeia e as Olimpíadas de Inverno em Sochi. Mas o custo financeiro da invasão, juntamente com o potencial de russos voltarem para casa em sacos de corpos, poderia reverter rapidamente o índice de aprovação de cerca de 70%.
Todavia, disseram analistas, uma invasão não pode ser descartada. Se Putin é movido exclusivamente pelo desejo emocional de recriar o império russo, ou se pessoas de língua russa forem mortas em números significativos, ele pode sentir que não tem escolha a não ser responder com força.
A máquina de propaganda do Kremlin certamente está preparando o terreno para essa possibilidade, com constante fluxo de reportagens de que o nazismo está ressurgindo na Ucrânia e que ela está se preparando para se aliar à OTAN.
"Putin acredita que se permitir que essa junta ultranacionalista consolide seu poder, uma guerra estará fadada a ocorrer, mas com um exército mais forte controlado pelos Estados Unidos", disse Markov. "É melhor resolver o problema enquanto a situação está mais favorável", alertou.
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