quinta-feira, 1 de março de 2012
A queda dos aviões
A rede mundial de negócios de armamentos e equipamentos militares não tem limites éticos nem legais
A SUSTAÇÃO da encomenda, pelo governo americano, de 20 Super Tucanos da Embraer no valor de US$ 355 milhões, é mais complexa do que as frequentes perdas de negócios. E exige do governo brasileiro cuidados especiais ao tratar do assunto nos Estados Unidos.
As causas da sustação, variadas segundo os autores de considerações sobre o caso, são todas admissíveis até que os americanos exponham as suas com clareza convincente. Atitude, aliás, das menos prováveis, mesmo considerando a rudeza que os americanos se permitem, por falta de algo melhor a conduzi-los ou pelo descaso com interesses que não sejam os seus.
A preliminar do governo brasileiro conviria ser a cautela quanto a incorreções éticas no negócio. A existirem, os americanos podem usá-las para provocar brasileiro, político e moral, na hora em que a elevação internacional do Brasil nos põe fora do seu círculo de manipulação. A atitude de rejeição do governo Obama ao Brasil, depois de pedir-lhe e à Turquia um esforço (bem-sucedido) de apaziguamento do Irã, foi mais do que um agravo.
Apesar de não visto assim no Brasil (fora do governo), foi a declaração oficial de uma linha divisória nas relações Brasil-Estados Unidos.
Nos negócios de armamentos, de modo geral, a corrupção só é um componente menor do que o é nos serviços de obras públicas por empreiteiras. Ambos, no mundo todo. Os equipamentos militares contam, porém, por boas e pelas razões mais abjetas, com a vantagem de ter a cobertura do Estado para processar-se em sigilo, na medida desejada.
A rede mundial de negócios de armamentos e equipamentos militares não tem limites éticos nem legais. Não só porque a concorrência é intensa. Também porque, se houver inconveniência em operar sob sigilo, mas por vias aceitas pelas convenções internacionais, as vias clandestinas de governo a governo, ou de governo a antigoverno, o contrabando e a corrupção são praticados com o mesmo resultado. E em alguma parte do mundo estão acontecendo agora, como em todos os dias, em todas as horas.
(A autorização da ONU, por exemplo, foi para a vigilância aérea sobre a Líbia, mas logo os rebeldes, que viriam a ser governo para as futuras concessões de petróleo, lutaram com farto armamento francês e inglês, e até instrutores e comandos, como provou a mal noticiada morte de um general da reserva francesa.)
A corrupção é o motivo menos citado, entre os já referidos para a sustação. Mas tem citações oficiosas nos Estados Unidos. E é sugerida com menor ou maior clareza, inclusive nas queixas da derrotada Beechcraft. Não quer isso dizer que a Embraer seja o alvo da imputação ou de suspeitas.
A atividade interna dos departamentos de compras militares não se limitam a armas e equipamentos, são repletas de correntes industriais. E, nos Estados Unidos, é mesmo comum que congressistas tenham lugar nas negociações, sejam as visíveis ou as invisíveis.
Fosse, então, para afastar a "Beech" (hoje Hawker Beechcraft) ou outra, ou para incluí-la ou a outra, a sustação da encomenda não tem bom aspecto e requer cautela do governo brasileiro, para o Brasil não se tornar o maior prejudicado na embrulhada.
Se, porém, mostrar-se com mais firmeza um elo entre a dispensa dos Super Tucanos e as dificuldades do F-18 americano na compra de caças pelo Brasil -a capacidade de sedução francesa do polêmico Raphale volta a fazer efeito-, então é aproveitar a oportunidade: nem conversa mais sobre o F-18.
Afinal de contas, ninguém acredita que os americanos transfiram, de fato, tecnologias avançadas e permitam a venda, a quem o Brasil quiser, de F-18 feitos aqui. Tais promessas são conversas de vendedor -o que não quer dizer que o Raphale tenha vendedores com outras conversas.
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