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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Diários de ex-líder servo-bósnio, apontam população muçulmana como o "inimigo comum" dos Bálcãs

Muçulmanas choram entre urnas fúnebres durante o enterro de 775 vítimas do massacre de Srebrenica recentemente identificadas
A escapada de Ratko Mladic, o fugitivo por excelência da justiça internacional pelo genocídio de Srebrenica, tem letra e voz próprias. Seus diários de guerra foram traduzidos do cirílico depois de ficarem ocultos durante 15 anos, e indicam um "inimigo comum" nos Bálcãs: a população muçulmana. São 3.500 páginas de anotações minuciosas que registram a colaboração entre a Sérvia e o exército servo-bósnio na busca por uma nação etnicamente pura.

Pelo menos é o que pretende demonstrar a promotoria do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPII), que recebeu em maio passado 18 livros com anotações escritas em cirílico, além de 99 fitas com 250 horas de conversas. Os juízes já admitiram algumas passagens para acrescentar como prova em vários dos processos em andamento em Haia, sede do tribunal.

Com seus textos, Mladic se transforma no relator de um plano gestado entre políticos como o falecido presidente sérvio, Slobodan Milosevic, e o líder servo-bósnio Radovan Karadzic, além de militares e policiais sérvios, servo-bósnios e servo-croatas. Ou apenas croatas. Com uma letra rápida e um tanto barroca, o general fugitivo anota as palavras de Jadranko Prlic, ex-líder croata processado por crimes de guerra e contra a humanidade, sobre o "inimigo comum muçulmano". Mladic cita seus interlocutores entre aspas, mas não baixa a guarda em nenhum momento sobre si mesmo. Evita mencionar ataques como o de Srebrenica, embora relate um encontro em 1993 para falar sobre a situação humanitária dos civis na cidade bósnia.

"Precisamos de observadores da ONU para saber quem está violando o cessar-fogo. O general Morillon [chefe das forças de proteção da ONU --Unprofor-- na Bósnia-Herzegovina em 1992] vai estacionar uma companhia canadense em Srebrenica", diz o texto.

Dois anos depois, só aparecerão algumas linhas assépticas sobre o pior crime cometido na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. É o apontamento de uma reunião realizada em Belgrado em 15 de julho de 1995. Nesse dia, oficiais da Otan e altos funcionários da ONU "discutem a situação dos moradores da cidade bósnia". O genocídio foi cometido em 11 de julho. Uma entrada em janeiro de 1995 afirma claramente que [os agressores] "destruíram a Sérvia com a ajuda dos muçulmanos".

Muitos anos depois, um dos "capacetes-azuis" holandeses encarregados de proteger os civis da cidade bósnia lembrava assim o general: "Mladic entrou sorrindo na cidade. Distribuía pão para as crianças e lhes dizia para não se preocuparem, olhando para as câmeras. Quando estas iam embora, retirava o lanche de suas mãos". O genocídio de Srebrenica não consta, mas da leitura dos diários surge a rota que conduziria à tragédia. Em 1993, por exemplo, Karadzic já mencionava a necessidade de "ajudar os croatas para que forcem os muçulmanos a aceitar a divisão da Bósnia".

Na mesma reunião, Slobodan Praljak, ex-general do Conselho de Defesa croata, hoje julgado por crimes de guerra e contra a humanidade, expôs seus interesses de forma crua. "Nos convém que tenham [os muçulmanos] seu próprio cantão para que vão para lá". Um ano depois, Praljak diria algo surpreendente: "Matar 50 mil muçulmanos a mais não leva a nada; eles logo se recuperam. É preciso intercambiar a população".

Mladic cita mais adiante Milosevic com uma frase reveladora sobre o controle da causa nacionalista sérvia que o movia. "Os EUA flertam com os muçulmanos porque têm interesses no Oriente Médio (petróleo) e devem lhes fazer concessões à nossa custa. Seremos fortes se ficarmos unidos em torno de um comando supremo e único", disse. Para Mladic, o ex-presidente sérvio advertiu sobre a ânsia de poder de Karadzic: "Você não pode deixar que ele faça o que quiser. Deve ditar suas prioridades". O próprio general servo-bósnio abandona seu trabalho de escriba da guerra balcânica para transcrever integralmente um discurso seu, pronunciado para cadetes em 1993.

Começa dizendo que os Bálcãs "se transformaram no palco da luta entre as forças que querem germanizar e islamizar a Europa". Continua com uma crítica à comunidade internacional, "que nos declarou guerra de forma individual e como coalizão, embora não tenham vencido". "Escolheram a fórmula do avanço indireto para transformar os sérvios e outros povos dos Bálcãs em hordas de vagabundos, em campos e montanhas, de acordo com a fórmula 'democrática' vista na Somália." A arenga termina elogiando o resultado da guerra defensiva da Sérvia, com a formação da República dos Sérvios de Krajina e a República Srpska. "Ambas mostraram que continuaremos treinando, não para conquistar, mas para defender nossa terra do agressor."

Serge Brammertz, promotor chefe do TPII, considera os livros de anotações como "uma das provas mais importantes recebidas pelo tribunal relativa a um de seus maiores acusados". Na opinião dele, não há nada parecido nos demais sumários. "Será relevante também para os historiadores que analisarem o conflito." Com duas décadas de profissão nas costas, ele vê claramente o valor do material. "Não é a confissão de um crime. É a prova do que suspeitávamos, que houve reuniões [entre Belgrado e os demais líderes do entorno sérvio], e poderá ser usada em outros processos. Sei que a justiça é lenta e o que ocorreu nos Bálcãs há 15 anos pode parecer distante. Para as vítimas, no entanto, continua no centro de suas vidas. Portanto, é preciso encontrar e deter Mladic", salienta.

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