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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Examinando o legado do caçador de nazistas

Simon Wiesenthal

Até sua morte em 2005, Simon Wiesenthal era o mais conhecido caçador de nazistas. Mas uma nova biografia encontrou falhas na forma como ele perseguia suas presas e se pergunta se seu “ego inflado” e “tendência a fantasiar” não atrapalharam sua missão.

A polícia austríaca procurava Adolf Eichmann. Rumores davam conta de que ele se escondia numa casa no número 8 da rua Fischerndorf, no vilarejo central de Altaussee nos Alpes.

Mas os policiais bateram acidentalmente na porta errada, no número 38 da rua Fischerndorf. Em vez de encontrar o gênio da logística do Holocausto à porta, como se esperava, encontraram Anton Burger, um ex-colega de Eichmann que se tornou comandante do campo de concentração de Theresienstadt.

Foi um erro – mas que acabou se tornando um golpe de sorte.

Simon Wiesenthal, que informou a polícia, ficou mais contente ainda com a captura inesperada logo após o final da guerra. E é claro que ele estava na cena, disse Wiesenthal ao descrever o episódio, acrescentando que ele entregou pessoalmente Burger para o Exército norte-americano depois da captura.

O outro lado do caçador nazista

Chamar atenção para si mesmo e seus sucessos era o modus operandi do caçador de nazistas – e ele se tornou famoso no mundo inteiro nesse processo. Tendo sobrevivido ao Holocausto, Wiesenthal passou os próximos 60 anos procurando criminosos de guerra nazistas que tinham conseguido desaparecer.

De fato, a busca incessante de Wiesenthal o transformou numa celebridade. Ele foi retratado como herói em filmes, presidentes norte-americanos o convidaram para a Casa Branca, e dezenas de universidades concederam a ele títulos honorários de doutorado.

Mas também há um outro lado do caçador de nazistas: ele usava métodos questionáveis. Ele assumia o crédito pelas conquistas alheias. E, ao longo dos anos, acabou se opondo a muitas pessoas que na verdade compartilhavam dos mesmos objetivos.

Esse lado de Wiesenthal é apresentado em “Simon Wiesenthal: The Life and Legends”, uma nova biografia escrita pelo historiador e jornalista Tom Segev. Embora Segev descreva Wiesenthal como um “homem bravo que havia lançado algumas algumas aventuras de tirar o fôlego”, ele também escreve que Wiesenthal tinha um “ego inflado” e uma perigosa “tendência a fantasiar”.

As raízes de Wiesenthal

As atividades de Wiesenthal tinham bastante a ver com o país em que ele vivia. A Áustria foi ainda mais indulgente do que a jovem República Federativa da Alemanha ao tratar os funcionários nazistas que haviam escapado para a vida civil comum. Eles eram protegidos por simpatizantes da direita que ocupavam posições de liderança política e no judiciário, mas também por um desejo amplo de esquecer. Para se fazer ouvir, Wiesenthal tinha que berrar.

Wiesenthal teve uma relação de amor e ódio com os austríacos. “Sou sua consciência pesada”, disse ele uma vez, “porque cada um deles deveria ter tomado para si o que eu fiz pela sociedade austríaca”. Em troca, ele recebeu quilos de cartas com insultos e ameaças, como a que chegou até ele apesar de ter sido endereçada apenas ao “Porco Judeu, Áustria”.

Wiesenthal nasceu em 1908 em Buchach, uma cidade que hoje fica no oeste da Ucrânia, numa família que apoiava a monarquia habsburga. Seu pai, representante de vendas para uma refinaria de açúcar, morreu na 1ª Guerra Mundial. Simon estudou arquitetura em Praga e depois se mudou para a cidade de Lvov na antiga Polônia (hoje conhecida como Lviv no oeste da Ucrânia). Lá, ele se casou com Cyla Müller, também judia, em 1936.

Quando as tropas alemãs ocuparam Lvov em 1941, a vida se tornou um inferno para seus moradores judeus. Apenas 3.400 dos 160 mil integrantes da comunidade judaica sobreviveram. Wiesenthal foi obrigado a trabalhar como escravo numa oficina de conserto de linhas de trem. Mais tarde ele fugiu, foi recapturado e passou por uma série de campos de concentração – incluindo Plaszow, Gross-Rosen, Buchenwald e Mauthausen – antes de ser libertado por soldados norte-americanos em 5 de maio de 1945.

Depois da guerra, ele descobriu que sua mulher havia sobrevivido, trabalhando como trabalhadora forçada com um passaporte falso na cidade de Solingen, no oeste da Alemanha. Quando o casal se reencontrou num campo de refugiados em Linz, Áustria, calculou que 89 de seus parentes tinham sido assassinados.

O nascimento do caçador de nazistas

Wiesenthal então assumiu um papel que dificilmente alguém imaginava na época. Trabalhando para a administração militar dos EUA, ele entrevistava sobreviventes judeus para documentar suas memórias sobre seus carrascos.

O registro que emergiu tornar-se-ia a pedra fundamental do arquivo que Wiesenthal montou primeiro em Linz e depois transferiu para Viena. Ele custeou a iniciativa com doações – e pagamentos regulares da Mossad, a agência de inteligência israelense. Para Wiesenthal, emigrar para Israel não era uma opção. Em vez disso, era seu dever servir como um “patriota austríaco” e “fornecer um alerta contra futuros excessos”, escreveu ele.

Wiesenthal passou seus dias num pequeno escritório cheio de arquivos, cartões e registros. Ele tinha uma secretária e alguns voluntários, que o chamavam de “Herr Engineer”. Mas era só isso. “Ao contrário dos mitos que ele criava em torno de si”, escreve Segev, “ele nunca operou uma rede mundial, e trabalhava quase sozinho num pequeno apartamento, cercado por pilhas imensas de jornais velhos e cartões de indexação amarelados”. O caçador de nazistas compensava a falta de recursos com seu pronunciado senso de ter uma missão.

E ele lutava contra a concorrência. Uma vez, por exemplo, ele denunciou a caçadora de nazistas Beate Klarsfeld dizendo às autoridades da Alemanha Ocidental que ela estava trabalhando para a Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental – apesar da falta de provas.

Histórias inventadas


Em 1960, depois de localizar Eichmann em Buenos Aires, agentes da Mossad o levaram para Israel. Quando o julgamento de Eichmann começou em Jerusalém, Wiesenthal publicou um livro chamado “Ich jagte Eichmann” (“Eu cacei Eichmann”). Dado que o criminoso de guerra nazista foi perseguido por uma armada de pesquisadores e agências de inteligência, e não por Wiesenthal sozinho, o título era um pouco exagerado. Ainda assim, Wiesenthal teve um papel fundamental: alguns anos antes, em 1953, foi ele que alertou os israelenses de que Eichmann estava morando na Argentina.

Entretanto, a maior parte das informações fornecidas por Wiesenthal estava erradas, como suas conclusões sobre o paradeiro do médico de campo de concentração nazista Josef Mengele. Informações que ele forneceu depois de mandar um repórter da revista alemã “Quick” para a ilha grega de Kythnos. Quando o jornalista voltou de mãos vazias, Wiesenthal disse que Mengele havia deixado a ilha apenas 12 horas antes. Na verdade, entretanto, Mengele estava no Brasil – um dos poucos países que Wiesenthal nunca mencionou – onde ele morreu afogado em 1979.

Wiesenthal também inventou lendas em torno da história do Holocausto e de seu próprio sofrimento. Levou anos para que ele corrigisse uma afirmação que fez depois da guerra de que os nazistas haviam usados os corpos de judeus mortos para fazer sabão. Da mesma forma, o número de campos em que ele supostamente foi preso cresceu com o tempo – até a lista chegar a 12 campos, incluindo Auschwitz.

Em um de seus memorandos, até os israelenses descobriram que ele era um “caçador de publicidade” e reclamaram que ele costumava afirmar coisas que não tinham como ser provadas. O memorando dava a entender que ele era egomaníaco e viciado em publicidade.

“Sleazenthal”

Essas palavras foram escritas no auge da briga de Wiesenthal com Bruno Kreisky, o carismático chanceler social-democrata austríaco. Kreistky, que era judeu, ironicamente chegou ao poder em 1970 com a ajuda do Partido Austríaco da Liberdade (FPÖ) de direita. Como ele liderava um governo de minoria, foi obrigado a levar vários ministros de passados duvidosos para seu gabinete. Os ministros da agricultura, construção, transporte e de interior todos haviam sido integrantes do Partido Nazista.

Ao publicar as histórias dos novos ministros, Wiesenthal provocou Kreisky, que via a si mesmo como um homem do povo e percebeu que os austríacos não estavam interessados em discutir o passado. “Estou apenas esperando que Wiesenthal apareça com provas de que eu também estava na SS”, disse ironicamente o chanceler. Ele foi citado na imprensa dizendo que Wiesenthal era um “judeu fascista”.

Kreisky pediu até para sua equipe procurar informações incriminadoras sobre Wiesenthal. Embora ele nunca fosse capaz de provar nada, Kreisky disse à imprensa que Wiesenthal só sobreviveu à guerra por ter colaborado com os nazistas. Em 1987, os dois rivais acabaram no tribunal. No final, Kreisky foi considerado culpado por difamação, mas morreu logo depois sem ter pago a multa determinada pelo tribunal. Segev caracteriza o conflito como uma disputa entre dois judeus que queriam desesperadamente fazer “parte da sociedade austríaca”.

O comportamento de Wiesenthal em outro caso nazista ressaltou sua necessidade de aprovação. Quando foi revelado que o presidente austríaco Kurt Waldheim havia escondido alguns aspectos de sua atuação no exército alemão durante a guerra, Wiesenthal apoiou o político, com quem ele tinha um contato próximo.

A reputação de Wiesenthal sofreu por causa disso. Em documentos internos do Congresso Mundial Judeu, ele foi chamado de “Sleazenthal”. Durante uma entrevista para a televisão alemã em 1996 para um documentário sobre Wiesenthal, Eli Rosenbaum, chefe de caça aos nazistas do Departamento de Justiça dos EUA na época, descreveu Wiesenthal como “incompetente”, “egomaníaco”, “alguém que difundia falsas informações” e “uma figura trágica”. O escritório de Rosenbaum escreveu certa vez ao centro de Wiesenthal que nenhuma de suas acusações havia levado a um julgamento.

Legado de Wiesenthal
É praticamente impossível verificar se Wiesenthal de fato levou 1.100 criminosos de guerra para a justiça, como ele alegava. Ele sempre foi muito mais um relações públicas do que um investigador sério – talvez seu principal serviço para uma sociedade determinada a esquecer o passado.

Hoje, o Centro Simon Wiesenthal continua a realizar esse papel de relações públicas. Ridicularizada por promotores criminais, o centro publica uma lista dos criminosos nazistas mais procurados assim como um relatório anual das iniciativas dos países para procurá-los.

Wiesenthal morreu em setembro de 2005, com 96 anos, dois anos depois de sua mulher Cyla. Ao falar sobre sua vida ao lado do famoso caçador de nazistas, ela disse certa vez: “Não estou casada com um homem, estou casada com milhares, talvez milhões, de mortos.”

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