A polícia secreta da Alemanha Oriental estava certa em temer o rock'n'roll e toda a decadência que implicava. Os shows de Michael Jackson, Pink Floyd e Bruce Springsteen em Berlim, no ano de 1988, poderiam de fato ter inspirado uma revolução. A Stasi estava tão preocupada que espionou Michael Jackson durante sua visita.
O astro pop recentemente falecido talvez teve mais a ver com a queda do muro de Berlim do que se sabe. E também Bruce Springsteen, Pink Floyd e outros músicos do Ocidente capitalista.
Os arquivos da ex-polícia secreta da Alemanha Oriental, a Stasi, indicam que ela estava preocupada com o show que Michael Jackson, que morreu no mês passado, deu em Berlim em junho de 1988. Era um ano antes da queda do Muro de Berlim, mas a juventude da Alemanha Oriental já estava irrequieta.
Em uma nota da Stasi, encontrada nos arquivos divulgados nesta semana pelo jornal alemão de grande circulação "Bild", a polícia secreta estava preocupada e dizia que os jovens fariam "de tudo para participar do show, na região em torno do portão de Brandenburgo", e dizia que certos jovens estavam "planejando (usar a ocasião) para provocar um confronto com a polícia".
"Eles estavam preocupados que os dissidentes pediriam a queda do muro. Isso era visto como potencial ameaça de segurança, dada a quantidade de representantes da mídia estrangeira que estariam presentes", disse um porta-voz da agência do governo que cuida dos arquivos da Stasi, à Reuters, Steffen Mayer.
De fato, a Stasi tinha boas razões para se preocupar. Concertos em Berlim Ocidental como o de Jackson já tinham sido um problema no verão anterior. O promotor musical Peter Schwenkow, atualmente diretor da German Entertainment AG, firma que atualmente traz shows de Coldplay e Alice Cooper para a Alemanha, foi responsável por vários concertos perto do muro de Berlim.
Isso incluiu uma série de shows a céu aberto por três dias, com artistas como David Bowie, Genesis e Eurythmics no verão de 1987. Schwenkow mais tarde contou ao "Die Welt" que a montagem dos shows ao lado do muro em Berlim Ocidental tinha sido deliberada.
Pink Floyd voltou os alto-falantes para o Oriente
Os jovens na Alemanha Oriental souberam do show por estações de rádio da Alemanha Ocidental, mas, quando tentaram se aproximar do muro para ouvirem as apresentações, foram expulsos pelos cordões policiais. Houve briga, e cerca de 200 pessoas foram presas.
Quando outras apresentações - Pink Floyd e Michael Jackson - foram programadas para o mesmo local no verão de 1988, Schwenkow disse que o governo de Berlim Oriental reclamou com o de Berlim Ocidental. Eles disseram que os shows seriam próximos demais de um hospital e que o barulho e vibrações poderiam causar a morte de pacientes em estado grave.
"Contudo, eu já tinha vendido 30 mil ingressos para o Pink Floyd, o show não podia ser cancelado", disse Schwenkow. "Apesar de termos que tocar bem baixo e direcionar o som para o Ocidente, o Pink Floyd resolveu, durante a passagem do som, virar os alto-falantes para o Oriente e estourar Berlim Oriental com seu sucesso 'The Wall'."
Pink Floyd tocou no dia 16 de junho e Michael Jackson tocaria alguns dias depois, no dia 19. Então talvez não surpreenda que em maio daquele ano, a polícia secreta da Alemanha Oriental abriu um arquivo em seu nome. As notas do arquivo indicam que ele foi vigiado enquanto excursionou por Berlim. A Stasi observou sua visita ao "Checkpoint Charlie", um cruzamento de fronteira importante no meio da cidade.
Os espiões da Stasi observaram que três carros se aproximaram do posto de fronteira, com "muitas pessoas do sexo feminino e masculino desconhecidas. Entre as pessoas estava o cantor de rock dos EUA Michael Jackson. Acompanhando-o o tempo todo estava uma pessoa do sexo feminino, de cerca de 25 anos, 1 metro e 65 centímetros de altura, magra."
Os documentos também mostraram como a Stasi pensou em montar como distração um show em um estádio para atrair os fãs de música rebeldes para longe da fronteira. Já havia outra distração: a campeã olímpica de patinação no gelo Katarina Witt apresentaria um show de rock em Berlim Oriental com o músico canadense Bryan Adams.
No caso de Michael Jackson, foi sugerida a organização de mais uma atração alternativa, durante a qual o show de Michael Jackson poderia ser transmitido em uma tela de cinema. Haveria um atraso de dois minutos, em caso de "provocação política". Se o show de Michael Jackson tivesse qualquer coisa politicamente não apropriada, eles poderiam simplesmente passar um vídeo de uma apresentação anterior do cantor.
A polícia secreta "jogou os jovens no chão"
A distração nunca aconteceu. Em vez disso, como temido, houve confrontos violentos entre os fãs de música e a polícia, que estava à paisana misturada a uma multidão de milhares de pessoas. Alan Nothnagle, tradutor que morava em Berlim, escreveu seu testemunho em seu blog salon.com: "Vimos homens 'discretos', com roupas civis, parados nas esquinas em grupos de três, observando os transeuntes. A razão não era nenhum segredo: de alguma forma, todo mundo sabia que Michael Jackson ia dar um show na frente do Reichstag naquela noite, a poucas centenas de metros de onde estávamos... centenas, logo milhares de jovens se reuniram para ouvir a música. Os agentes da Stasi também se multiplicaram... nunca ouvimos uma nota musical naquela noite. Vozes subiram da multidão clamando 'o muro tem que cair!' e 'Gorbachev! Gorbachev!' Então, os homens da Stasi ganharam vida. Eles jogaram os jovens no chão, gritando 'O que você disse? O que você disse?' e os arrastaram pelo colarinho para as ruas laterais onde as vans da polícia esperavam para levá-los para o quartel da Stasi".
Equipes dos canais de televisão da Alemanha Ocidental ARD e ZDF filmaram a altercação e também foram atacadas pela polícia secreta. O governo da Alemanha Ocidental fez reclamações oficiais pela violência sofrida por membros da imprensa Ocidental.
Estranhamente, um mês depois, o cantor americano Bruce Springsteen tocou no "velodrome" de Berlim Ocidental para cerca de 160 mil fãs, muitos dos quais tinham entrado sem bilhete. No show, que foi organizado pelo grupo jovem comunista, houve muita provocação. Alemães orientais cantaram "Born in the USA" (nascido nos EUA) e Springsteen puxou uma jovem alemã de 17 anos para o palco para dançar com ele. "Quero dizer-lhes que não estou aqui contra ou a favor de qualquer governo", disse Springsteen para a multidão enquanto fazia a introdução de sua versão para a canção de Bob Dylan "Chimes of Freedom". "Vim para tocar rock'n'roll para vocês, berlinenses orientais, na esperança que um dia todas as barreiras serão derrubadas".
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