O túmulo de Rosa Luxemburgo há muito tempo atrai visitantes de esquerda. Mas um patologista de Berlim acredita agora que corpo dela pode não ter jamais ocupado a tumba. O médico afirma que um corpo que ele descobriu nas profundezas do porão de um hospital de Berlim pode ser o da revolucionária comunista que foi assassinada em 1919.
Por mais de 90 anos, Rosa Luxemburgo tem sido uma inspiração para esquerdistas e feministas de todo o mundo. Revolucionária comunista na Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial, a sepultura dela é uma espécie de templo, sendo visitada todos os anos por uma procissão de velhos comunistas e jovens ativistas de esquerda, que caminham pelas ruas da antiga Berlim Oriental para depositar cravos vermelhos na sua tumba no Cemitério Friedrichsfelde, em Berlim.
Mas agora, uma descoberta surpreendente sugere que o corpo de Rosa Luxemburgo pode não ter jamais habitado essa sepultura tão reverenciada. Caso Michael Tsokos, diretor do Instituto de Medicina Legal e de Ciências Criminalísticas do Hospital Charité de Berlim estiver correto, o corpo de Rosa Luxemburgo ficou guardado no porão do hospital desde 1919.
Tsokos encontrou recentemente um corpo - sem cabeça, pés ou mãos - guardado no porão do museu de história médica do hospital. Ele achou suspeito o relatório da autópsia e decidiu realizar um teste por meio de tomografia computadorizada.
O resultado foi surpreendente. O corpo mostrou sinais de ter sido saturado com água. O teste indicou ainda que ele pertenceu a uma mulher que à época da morte tinha entre 40 e 50 anos de idade, que a mulher sofria de artrite e que ela tinha uma perna mais longa do que a outra.
Tsokos disse a "Der Spiegel" que, após refletir mais sobre a descoberta, ele concluiu que o corpo apresenta "notáveis similaridades com Rosa Luxemburgo".
À época da sua morte, Rosa Luxemburgo, conhecida também como a "Rosa Vermelha", tinha 47 anos de idade. Ela sofria de uma doença congênita da bacia que a deixou permanentemente manca, o que, por sua vez, fez com que as suas pernas tivessem tamanhos diferentes. E, após a sua morte violenta nas mãos de paramilitares de direita, o corpo dela foi jogado no Canal Landwehr, em Berlim.
Um laboratório na cidade de Kiel, no norte da Alemanha, realizou testes com o corpo usando datação com carbono 14, e confirmou que o cadáver é realmente daquele período.
Um fim bem conhecido e horrível
O episódio da morte de Rosa Luxemburgo é um dos mais famosos da história moderna da Alemanha. Originalmente integrante do Partido Social Democrata (SPD), Rosa Luxemburgo rompeu com o partido quando este apoiou o ímpeto imperial rumo à guerra em 1914. Após ter passado a maior parte da Primeira Guerra Mundial na prisão, a acadêmica nascida na Polônia emergiu para ajudar a fundar o Partido Comunista da Alemanha com o seu colega e líder esquerdista Karl Liebknecht.
Em novembro de 1918, uma rebelião de marinheiros e soldados levou à derrubada da monarquia Hohenzollern, à criação da primeira democracia da Alemanha e ao fim da Primeira Guerra Mundial apenas alguns dias depois.
Mas, em janeiro de 1919, uma segunda onda de rebeliões de esquerda eclodiu. Após Liebknecht e Rosa Luxemburgo terem manifestado o seu apoio àquela que eles esperavam que fosse a tão esperada criação de uma Alemanha comunista, a liderança do SPD achou que já aguentara o suficiente. Trazendo ainda fresco na memória o episódio recente do destino que tiveram o czar russo e a sua família (eles foram assassinados por revolucionários bolchevistas em 1918), os líderes do SPD deram carta-branca aos paramilitares de direita, os Freikorps, para seguir adiante e esmagar a rebelião.
Em 15 de janeiro, Rosa Luxemburgo e Liebknecht foram capturados em um esconderijo e levados para o luxuoso Hotel Eden, em Berlim, onde foram interrogados e torturados. Os dois foram levados de carro separadamente para o Parque Tiergarten, próximo do hotel, e lá foram assassinados. Liebknecht foi levado para o necrotério municipal, enquanto que Rosa Luxemburgo foi morta com um tiro e jogada nas águas geladas do canal.
O corpo dela só foi recuperado quase cinco meses depois, após o derretimento do gelo de inverno. A seguir, após uma autópsia conduzida no Hospital Charité, ela teria sido enterrada no Cemitério Friedrichsfelde, perto da sepultura de Liebknecht. Desde então os dois são homenageados como mártires da causa comunista.
Dados inconsistentes da autópsia
Inconsistências surpreendentes no relatório da autópsia original, realizada em 13 de junho de 1919, em um corpo que seria o de Rosa Luxemburgo, parecem conferir credibilidade à hipótese de Tsokos.
Por um lado, os médicos legistas da época relataram detalhes que não condizem com as peculiaridades anatômicas do corpo de Rosa Luxemburgo, disse Tsokos a "Der Spiegel". A autópsia cita explicitamente a ausência de danos na bacia e afirma também que não havia evidência de que as pernas tinham comprimentos diferentes. A autópsia tampouco cita a existência na parte superior do crânio de sinais de dois golpes com a coronha dos fuzis que os soldados teriam desferido em Rosa Luxemburgo.
Quanto ao tiro na cabeça que matou Rosa Luxemburgo, os médicos legistas originais observaram a existência de um buraco na cabeça do cadáver, entre a orelha e o olho esquerdos. Mas eles não viram nenhum ferimento de saída de projétil e não encontraram nenhuma bala no crânio. Tsokos está convencido que isso não teria sido apenas fruto de negligência. "Não havia como tal coisa ocorrer em se tratando de pessoas com tal capacitação profissional", afirma ele, observando que o principal patologista, Fritz Strassman, escreveu um manual consagrado na época em que fazia autópsias.
Algo que surpreendeu Strassman e o seu colega Paul Fraenckel, entretanto, foi o "ferimento grave na base do crânio", conforme eles relataram no relatório de autópsia. Embora os dois cientistas não tenham chegado a uma conclusão definitiva sobre o ferimento, Tsokos acredita que sabe o que era aquilo. "Parece aquele tipo de fratura que ocorre quando alguém cai de uma grande altura", afirma ele. Será que Strassman e Fraenckel podem ter examinado o corpo de uma vítima de suicídio?
O próprio Fraenckel parece ter duvidado de que o corpo que examinou pertencesse de fato a Rosa Luxemburgo. Em um anexo assinado, ele se distancia das conclusões do seu colega altamente respeitado, o que, segundo Tsokos, "foi uma ocorrência um tanto incomum". "Assim como ocorre hoje em dia, naquela época os colegas resolviam as suas diferenças em conversas pessoais", afirma Tsokos.
Conforme Tsokos explica, foi esse anexo e as inconsistências entre o relatório e os fatos conhecidos a respeito de Rosa Luxemburgo que o levaram a examinar mais detalhadamente o corpo.
Além do mais, no Hospital Charité há muito circulam boatos de que o corpo da Rosa Vermelha jamais teria deixado de fato a instituição. Alguns dizem que a cabeça de Rosa Luxemburgo foi preservada no Instituto de Medicina Legal e Ciências Criminalísticas. Até mesmo as mãos e os pés que estão faltando encaixam-se na teoria de Tsokos. Quando a revolucionária foi jogada no canal, as testemunhas dizem que pesos foram atados com arame aos seus pulsos e tornozelos. O arame poderia facilmente ter decepado as extremidades dos membros durante os meses em que o corpo ficou debaixo d'água.
A busca por mais pistas
Tsokos e os seus colegas estão agora procurando mais pistas para resolver o mistério. Porém, de nada adiantaria examinar a própria sepultura de Rosa Luxemburgo. Em 1935, elementos nazistas e anticomunistas atacaram as sepulturas de Rosa Luxemburgo, e os restos mortais dos dois sumiram. Buscas subsequentes pelos restos mortais conduzidas pelos funcionários do cemitério em 1950 não tiveram sucesso.
Tsokos já extraiu amostras de DNA do corpo e está procurando material para fazer uma comparação com elas. A saliva de selos de cartas enviadas por Rosa Luxemburgo não proporcionou material suficiente para a realização de um exame. Ele agora está tentando localizar uma sobrinha de Rosa de Luxemburgo, que tem problemas mentais, e que moraria em Varsóvia, para fazer uma comparação dos materiais genéticos.
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