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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Leste do Congo é atormentado por guerra ignorada

Criança é fotografada em Kibati, Congo

Em Bukumbirire, um homem agoniza. Samuel Kiringe, encolhido em uma cama de campanha, com o rosto emaciado, respira ofegante. “Ele foi cortado”, sussurram os aldeões que o cercam. “Cortado” a golpes de facão por milicianos de um grupo armado, o Raia Mutomboki (“cidadãos em fúria”), que está conduzindo ataques contra os vilarejos dessa região montanhosa do sul do Masisi.

Não seria possível confundir Samuel Kiringe com um miliciano, um rebelde, um soldado. Ele, que tem 73 anos de idade, perdeu uma de suas pernas há muito tempo. No entanto, o Raia Mutomboki o abandonou dois dias antes em uma aldeia perto de Remeka, que havia acabado de atacar. Casas incendiadas, população ferida sem poupar mulheres, crianças ou idosos. Seis mortos? Mais? Nessas colinas, ninguém ouve você morrer.

Um sobrevivente carregou Samuel Kiringe nas costas durante várias horas até Bukumbirire, esperando encontrar ajuda no posto de saúde. Na fachada do prédio, uma ONG que não se arrisca mais na região estendeu uma faixa proclamando alegremente: “Cólera, eu te desafio”. Do lado de dentro, o material para cuidar dos feridos se resume a um balde. Pedaços de tecido sujo servem de ataduras.  Um ferimento no pescoço não lhe permite falar. Seu agressor havia mirado na carótida. Seu punho também foi talhado.

Samuel Kiringe sobreviverá, tendo sido transportado por visitantes ocasionais até um hospital de Goma, a capital regional, após horas de solavancos quase desmaiando de dor. Mas, nas colinas do sul do Masisi, nesses vilarejos perdidos entre pastos e campos encharcados de umidade, no final de estradas enlameadas onde o único meio de locomoção é a galocha, uma guerra ignorada se encontra em plena expansão.

Desde abril, os olhares de fora estão voltados para o M23, o motim de oficiais tutsis habituados às sucessivas rebeliões e guerras no Congo, assim como seu líder original, Bosco Ntaganda, já procurado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). O M23 enfrenta as forças governamentais congolesas (FARDC), perto de Goma.

Com Ruanda ao lado do M23, como mostraram os especialistas da ONU, o medo de um conflito que tome conta da região gera calafrios. Mas é longe dessa falsa linha de frente onde ninguém combate que se dá o verdadeiro conflito, na surdina.

Esses grupos, tanto em Kivu do Norte quanto em Kivu do Sul, estão se preparando para um massacre, sem suscitar o interesse que eles merecem fora de suas zonas de ação. Eles estão se tornando os protagonistas de uma guerra por procuração. As FARDC recrutam seus aliados: milicianos hutus ruandeses das FDLR [Forças Democráticas de Libertação de Ruanda], grupos mai-mai, o APCLS [Exército Patriótico para um Congo Livre e Soberano] do coronel Janvier, milícias diversas de habitantes locais.

Do outro lado, uma coalizão se esboça em torno do M23: os mai-mai Cheka, grupo de Lafontaine e, agora, o Raia Mutomboki, que atua sobretudo entre a região mineradora de Walikale e o Masisi. “Nós temos pontos de vista em comum”, resume cautelosamente o porta-voz do M23, o coronel Vianney Kazarama.

Prática, essa Raia Mutomboki! São líderes misteriosos, com tropas de baixo custo capazes de arrasar regiões inteiras. Uma testemunha que assistiu a uma reunião recente de alguns de seus líderes, em Kivu do Sul, conta como ficou surpresa ao descobrir 3 mil combatentes, usando longas meias de futebol dobradas sobre suas botas militares, uma cor por unidade. Um trabalhador humanitário conhecido da região, que os encontrou diversas vezes, diz ter ficado com medo ao ver guerreiros “farejando o carro em busca de cheiro de hutus, prontos para matar caso seus amuletos lhes indicassem a presença de um inimigo”.

No entanto, não há riscos de processos no TPI. Não são as testemunhas que podem incomodar: ninguém mais, ou quase ninguém, vai para as zonas onde se mata sem inibições. Para a defesa de Goma, as FARDC e a missão da ONU de estabilização no Congo, a Monusco, esvaziaram bases em todo o Leste.

Isso favoreceu um pouco a expansão dos grupos estimulados por outros fatores: entregas de armas, manipulações políticas diversas. Mas ninguém consegue explicar como o Raia Mutomboki cresceu tão rápido, até conseguir tomar a cidade de Walikale no mês passado. Inicialmente, o grupo nasceu mais ao sul, na região de Shabunda. Eles se proliferaram, criaram franquias. O objetivo deles era atacar a rebelião hutu ruandesa das FDLR, obsessão da vizinha Ruanda. E fizeram maravilhas. Atualmente, eles atacam vilarejos de camponeses hutus congoleses, simplesmente pela etnia. Essa linguagem, na região, chama o sangue.

“Região irrecuperável”
Nos vilarejos do Masisi, novas milícias hutu estão se organizando, como a Nyatura (o chicote). Em Kaniro, o grupo local é dirigido por um “coronel” de abrigo esportivo amarelo. Não há armas à vista. O coronel Jean-Baptiste admite ter sido subjugado pela intensidade dos ataques da Raia Mutomboki: “Eles praticam o ataque-perseguição, e depois desaparecem”. Em maio, mais de cem pessoas foram mortas em Katoye, mais ao sul. Desde então, os ataques e contra-ataques não pararam mais.

Com base nisso, os extremistas têm boas perspectivas pela frente. Um deles discursa para a multidão e incita ao crime: “Os Raia Mutomboki percorreram 1.000 quilômetros a pé para massacrar os hutus! O terceiro genocídio começou! Preparem-se para se defender! A guerra logo vai começar, peguem facões, precisamos matar antes que nos matem!”

Estaria o Kivu perto de ser dominado por essa combinação de manipulações políticas e da loucura de uns poucos? O risco é ainda maior pelo fato de que a propagação da violência não tem nada de espontânea. “A rapidez com que os Raia apareceram e se espalharam parece indicar que houve apoio e encorajamento. Acredito que o objetivo do jogo seja tornar a província irrecuperável para Kinshasa”, analisa, desencorajado, Guillaume Lacaille, especialista em República Democrática do Congo.

Um comentário:

  1. E os EUA e o ocidente não querem saber de nada disto. Eles estão é preocupados em "proteger os civis e rebeldes coitados que estão a ser chacinados e tb a combater pela liberdade contra o tirano Assad" enquanto no congo a situação é ainda pior.

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