Mohamed Morsi |
Quando era estudante do Colégio Nacional de Guerra, em Washington, o chefe das forças armadas do Egito argumentou em um artigo que a presença militar americana no Oriente Médio e seu apoio “parcial” a Israel estavam alimentando o ódio contra os EUA e mergulhando o país em uma guerra mundial impossível de ser vencida, contra militantes islâmicos.
A tese, escrita há sete anos pelo general Sedky Sobhi, é uma janela para a forma de pensar de um importante membro da nova geração de oficiais que ascendeu ao poder na reforma realizada pelo recém-eleito presidente do Egito, Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana.
Sua dura crítica à política norte-americana é especialmente impressionante porque hoje ele chefia a instituição militar que foi a maior aliada norte-americana no mundo árabe, com a qual os oficiais americanos contaram como força crucial no apoio à segurança israelense e contra a influência iraniana. Apesar de décadas de colaboração militar, ele defendeu a total retirada das forças norte-americanas da região.
Acadêmicos dizem que a tese é ainda mais significativa porque muitos dos temas incluídos refletem opiniões comuns entre os egípcios, seu novo presidente e as pessoas da região –um fator cada vez mais importante na política externa regional, na medida em que o Egito e outros países avançam na direção de uma democracia.
As autoridades norte-americanas disseram que sua confiança no Egito não foi abalada, enquanto os analistas argumentam que, apesar de mudanças na liderança civil e militar da nação, qualquer realinhamento nas relações com Washington seria lento, em parte por causa da necessidade urgente que o Egito tem de assistência dos EUA e do Ocidente.
“Com certeza haverá grandes mudanças no relacionamento do Egito com Washington”, disse Shibley Thelhami, cientista político da Universidade de Maryland e acadêmico da Instituição Brookings, que estuda a opinião pública árabe e egípcia.
Em pesquisas pelo mundo árabe por mais de uma década, disse ele, cerca de 70% do público nomeou os EUA como segunda maior ameaça à segurança regional, depois de Israel – até no Egito, onde Washington fornece US$ 1,3 bilhão (em torno de R$ 2,5 bilhões) em ajuda militar por ano, e na Arábia Saudita, outro próximo aliado dos EUA.
Segundo Tehlami, Sobhi argumenta que “sempre houve duas questões centrais alimentando a revolta árabe e egípcia contra os EUA, a questão palestina – o prisma da dor pela qual os árabes veem o Ocidente – e a presença militar dos EUA”.
A tese de Sobhi, divulgada pelo jornalista independente do Cairo Issandr El Amrani, oferece um raro vislumbre da visão de política externa de uma instituição militar muitas vezes considerada praticamente impenetrável para quem é de fora.
Durante décadas de governo de Hosni Mubarak, o exército egípcio e a política externa do país foram aliados dos EUA e de seus interesses regionais. Houve preocupação em Washington que, com a queda de Mubarak, o relacionamento talvez nãos sobrevivesse, e essa ansiedade foi reacendida quando Morsi foi eleito presidente.
Mas Washington sabia que o antigo ministro da defesa, o marechal Mohamed Hussein Tantawi, e seu chefe das forças armadas, Sami Hafez Anan, ainda detinham considerável poder e eram aliados confiáveis.
Então, depois do ataque terrorista vexaminoso no Norte do Sinai neste mês, Morsi aproveitou para consolidar seu poder anunciando a substituição dos líderes militares, enquanto os manteve como assessores presidenciais. A reforma levantou pela primeira vez a possibilidade que Morsi possa começar a exercer alguma influência de verdade sobre a política externa do Egito, e o artigo de Sobhi sugere que pelo menos parte do quadro mais jovem de generais talvez também compartilhe um interesse em um movimento por maior independência de Washington.
“Se o relacionamento for entre iguais, com respeito mútuo e interesse mútuo, então nada muda”, disse Mahmoud Hussein, secretário-geral da Irmandade Muçulmana, nesta semana sobre o relacionamento com os EUA. “Mas se os EUA pensarem que o relacionamento com o Egito é de mestre e seguidor, isso nunca acontecerá”.
Samer Shehata, professor de política árabe na Universidade de Georgetown, disse que os políticos norte-americanos seriam ingênuos se achassem que a posição de Morsi e da Irmandade – inclusive as críticas dos EUA e o forte apoio aos palestinos- representavam um pensamento marginal.
“A Irmandade é o Kansas do Egito”, disse Shehata. A posição deles sobre política externa “reflete o que o centro egípcio pensa”, disse ele.
Em Washington, as autoridades disseram que não se preocupavam com a tese ou com as mudanças na liderança militar egípcia. Membros da defesa norte-americanas disseram que realmente têm um forte relacionamento positivo com Sobhi e seu chefe, o novo ministro da defesa, general Abdul Fattah el-Sisi, que também estudou no Colégio Nacional de Guerra em Washington.
“Muitas teses acadêmicas oferecem ideias interessantes que não vão muito longe e, muitas vezes, terminam nas prateleiras”, disse um membro do governo Obama sobre o artigo de Sobhi, falando sob condição de anonimato por causa da delicadeza na relação com o Egito. “Isso não causa exatamente preocupação. Acreditamos que vamos trabalhar bem com os novos líderes militares egípcios”.
Outros analistas, porém, argumentam que a reforma na defesa, que marcou uma aparente consolidação do poder de Morsi, inevitavelmente pressagia uma mudança adiante nas relações do Egito com Washington.
Diante da pressão da opinião pública sobre líderes democraticamente eleitos – sem falar no histórico de críticas da Irmandade e de Morsi à política de Oriente Médio dos EUA - “é razoável que a remoção das maiores autoridades de segurança e defesa por Morsi possa em parte representar uma mudança na política externa do Egito, para longe dos EUA”, disse Steven A. Cook, acadêmico argumentou nesta semana no site da “Foreign Affairs”. “Em direção de qual país, contudo, não está claro. Não há outro poder que possa ser patrocinador do Egito, mas Cairo talvez não precise de um. O Egito representa um quarto do mundo árabe e está estrategicamente localizado no Canal de Suez e na fronteira afro-asiática, ou seja, é uma potência por si só”.
Sobhi escreveu sua tese como argumento para os políticos norte-americanos sobre seu interesse de longa data. Mas ele defendeu sua opinião concentrando-se naquilo que chamou de enganos americanos sobre a região, argumentando que os ocidentais minaram seu suposto apoio à democracia árabe com sua hostilidade ao papel da lei islâmica em muitos Estados árabes. A promoção da democracia “deve ter e projetar legitimidade política, social, cultural e religiosa”, escreveu.
Sobhi também argumentou que era errado caracterizar a Al Qaeda e outros grupos militantes meramente como “organizações terroristas irracionais”. Em vez disso, ele sugeriu que eles haviam explorado críticas populares contra a política dos EUA, “tornando-se um movimento internacional de insurgência”.
“Eu recomendo a retirada permanente das forças militares norte-americanas do Oriente Médio e do Golfo como um objetivo da estratégia norte-americana nesta região”, escreveu, acrescentando que os EUA devem perseguir seus objetivos por “meios socioeconômicos e a aplicação imparcial da lei internacional”.
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