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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Paquistão é o segundo país mais perigoso do mundo para os jornalistas


A maior ameaça não são os terroristas, mas o serviço de inteligência, diz um conhecido âncora de talk show. O mesmo homem acabou de receber uma ameaça por mensagem de texto.

Hamid Mir apoia as costas em sua cadeira de escritório, olhando para seu telefone celular. “Medo? Se estou com medo?”, ele pergunta. Sacode a cabeça para frente e para trás. “Eu estaria mentindo se dissesse que não”. Quase por volta da meia noite de terça-feira, sua vida virou de cabeça para baixo. Seu Blackberry tocou, indicando que ele recebeu uma mensagem de texto. Ela dizia, num inglês mal escrito:

“Eu nunca vi um verdadeiro bastardo que você. Espero que alguém chegue e arranque sua roupa. Espero que algum homem do Exército não tenha feito sujeira demais com os seus entes queridos.”

Mir, 45, é um dos jornalistas mais famosos do Paquistão. Ele é âncora do talk show diário “Capital Talk” em Islamabad, entrevistando figuras públicas. Ele é o rosto da rede privada Geo TV. Seu cartão de visita diz “Editor Executivo”. Ele vem sendo ameaçado com frequência. Depois que escreveu sobre políticos corruptos há algum tempo, o ditador militar Pervez Musharraf o proibiu de trabalhar.

Alguns dizem que Mir simpatiza com o Taleban, enquanto outros acreditam que ele é um agente da CIA, um espião israelense ou que ele apoia a Índia. Ele dá risada. “Quando alguém é criticado por todos os lados, isso mostra que ele precisa ser objetivo e verdadeiro.”

Ameaça de dentro

Mas no Paquistão, a verdade é arriscada. Mais jornalistas morreram este ano do que em qualquer outro país. A organização Repórteres Sem Fronteiras afirma que dez jornalistas foram mortos no país em 2011, de um total de 66 no mundo inteiro. Pelo segundo ano consecutivo, eles elegeram o Paquistão como o país mais perigoso do mundo para os jornalistas.

“Nos últimos anos os jornalistas foram principalmente vítimas de ataques terroristas de grupos separatistas ou de partidos radicais”, disse Mir. “Ou morreram fugindo de um lugar atacado onde mais bombas explodiram.”

Ao longo do último ano, entretanto, a fonte de ameaças se alterou dramaticamente. “O principal inimigo agora é o estado, o exército, a agência de inteligência”, diz Mir.

No programa de 14 de dezembro, Mir discutiu se o general Ahmed Shuja Pasha, chefe da agência de inteligência ISI do Paquistão, havia viajado para vários estados do Golfo para ganhar apoio para um golpe no país depois que uma operação dos Estados Unidos na cidade de Abbottabad, no norte do Paquistão, terminou com o assassinato de Osama bin Laden. O rumor começou com um post no blog do jornalista Omar Waraich, que escreve para o jornal britânico “The Independent”. No post, Waraich cita o empresário norte-americano nascido no Paquistão Mansoor Ijaz, que alega que recebeu informações correspondentes de um membro do serviço secreto norte-americano.

O caso no qual Ijaz está envolvido abalou o Paquistão. Detalhes incluem relatos de que o ex-embaixador do país nos EUA, Hassain Haqqani, enviou um memorando para Ijaz para pedir que as forças norte-americanas protegessem o presidente Asif Ali Zardari de um golpe militar e limitasse o poder dos generais paquistaneses. Os militares ficaram ultrajados, Haqqani perdeu seu posto, e os efeitos colaterais entre o governo civil de Zardari e os militares foram palpáveis.

“Vivendo perigosamente”

O programa de Mir sobre o chefe do serviço de inteligência foi retransmitido inúmeras vezes na Geo TV. Em 19 de dezembro, foi registrada uma petição no mais alto tribunal do país para a retirada do general Pasha de seu cargo, por suspeita de que ele estava planejando um golpe. No dia seguinte, Mir recebeu a mensagem de texto ameaçadora.

Os militares paquistaneses e o ISI são instituições poderosas no país. O líder do Exército, general Ashfaq Parvez Kayani, e o líder do ISI, Pasha, foram listados várias vezes por revistas ocidentais como as pessoas mais influentes do mundo. Embora tenha sido eleito democraticamente, diz-se que o presidente Zardari está à mercê de Kayani e Pasha.

“Aqueles que ousam criticar os militares vivem em perigo”, diz Mir. Ele fez isso várias vezes, não se permitindo intimidar. “Mas essa mensagem de texto ainda me deixa perturbado”, acrescenta. Ele publicou a mensagem e o número de telefone do qual ela foi enviada numa tentativa de se proteger.

A um prédio dali, no escritório do jornal The News na capital, Umar Cheema está sentado no porão. Sob uma lâmpada fluorescente, ele e a equipe de jornalismo investigativo do jornal estão pesquisando histórias delicadas de corrupção e interferência militar na política. O homem de 35 anos acaba de publicar um artigo alegando que o primeiro-ministro Yousaf Raza Gilani pagou menos do que o equivalente a US$ 78 em imposto de renda este ano. Histórias como esta geram inimigos poderosos.

Mídia em expansão

Mas os jornalistas no Paquistão anseiam por esses furos, e ao longo da última década, a paisagem da mídia se transformou num grande e colorido carnaval. Em poucos meses, um novo jornal é lançado, enquanto existem cerca de 90 canais de televisão, entre eles, 30 de notícias.

Cheema é um dos jornalistas que se destacam no Paquistão. Embora ele tenha recebido ofertas para atuar nos EUA, ele vê seu futuro no Paquistão. “Podemos conquistar muita coisa aqui”, diz ele. “Não acredito que os militares do país darão outro golpe. O último foi em 1998, quando não havia mídia no Paquistão”. Ainda assim, Cheema, como Mir, vê o exército e o serviço de inteligência como a maior ameaça aos jornalistas, e não o terrorismo. Sua opinião vem da experiência pessoal.

Em 4 de setembro de 2010, Cheema estava num café com amigos às 3h da manhã. Era o Ramadã, quando os fieis jejuam durante o dia, o que torna a noite o melhor momento para encontrar com amigos para jantar. Em seu caminho para casa, dois carros o ultrapassaram. “Homens com uniformes da polícia desceram e me acusaram de atropelar um homem e causar ferimentos fatais”, disse ele. Para se poupar de qualquer problema com os policiais pouco amigáveis, Cheema concordou em subir num dos veículos, achando que tudo seria esclarecido na delegacia.

Mas ele mal entrou no carro e os homens amarraram suas mãos e pés e depois o vendaram. Cheema acredita que eles o levaram para algum lugar em Islamabad ou na cidade vizinha de Rawalpindi. Lá ele experimentou a mesma coisa com a qual Mir está sendo ameaçado. “um homem me disse que eu escrevia matérias ruins e agora deveria arcar com as consequências. Eles tiraram minha camisa e minhas calças. Então eu fui obrigado a deitar de barriga no chão.”

Cinco homens bateram nele por meia hora, usando paus e tiras de couro. “Eles me obrigaram a ficar em diferentes posições, tiraram fotos e me humilharam. No fim, eles também rasparam minha cabeça e sobrancelhas”. Depois o colocaram de volta no carro e dirigiram por duas horas. “Eles amarraram um pano em volta da minha cabeça e eu não conseguia enxergar nada”, lembra Cheema. “Depois eles me jogaram no carro no distrito de Chakwal a cerca de 150 quilômetros ao sul de Islamabad.” Eles também cuidaram para garantir que Cheema voltasse inteiro a Islamabad para que pudesse compartilhar a notícia da lição que ele havia recebido. Alguém deixou seu carro no local com o tanque cheio de gasolina. A pessoa também deixou 100 rúpias em sua mão para o pedágio que ele pagaria para voltar para casa.

Cheema teve sorte – ele sobreviveu à provação de sete horas com seus sequestradores. “Está muito claro que o ISI estava pro trás disso”, diz ele. “Eles deixaram claro que estavam descontentes com a minha matéria.” Mas não ocorreu a ele que poderia ser alvo de violência. “Eu nunca recebi nenhum SMS como o que Hamid Mir recebeu. Mas conhecidos me informaram várias vezes que o ISI não estava contente.”

Jornalista morto e encontrado num canal

Syed Saleem Shahzad não teve tanta sorte. O homem de 40 anos também foi sequestrado em Islamabad no final de maio. Logo depois ele foi torturado e encontrado morto num canal. Ele também havia feito uma matéria criticando os militares, escrevendo sobre os laços entre oficiais navais do Paquistão e a rede de terrorismo da Al Qaeda.

“Nós sabemos que o ISI estava por trás desse assassinato”, diz Hamid Mir.

“Quem mais poderia ter sido?”, pergunta Umar Cheema.

Fontes do governo dos EUA também alegam que há provas de que o ISI ordenou o assassinato.

“Isso é nonsense”, diz um alto oficial do ISI, falando sob condição de anonimato. “Que provas existem de que nós tivemos qualquer coisa a ver com isso? O fato é que, no momento, as pessoas tentam culpar o ISI por qualquer coisa errada no mundo. Mas nós na verdade somos uma instituição honrada.”

Os próprios jornalistas não têm provas para apoiar suas acusações. “Do contrário, eu já os teria processado”, diz Umar Cheema. “Mas Saleem Shahzad também foi ameaçado diretamente pelo ISI. Ele morreu pouco tempo depois”, acrescentou.

Hamid Mir buscou oficialmente que o número de telefone celular do qual ele recebeu a ameaça por mensagem de texto fosse investigado. Mas só os militares têm acesso aos dados de companhias de telecomunicações no Paquistão. Até agora ele não obteve nenhuma informação e Mir acredita que não receberá nenhuma no futuro.

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