A Hungria vira para o autoritarismo. O governo muda as regras do jogo político com emendas constitucionais. A extrema-direita assedia a comunidade cigana nos municípios que controla
Ponte Chain, em Budapeste, na Hungria |
O partido de extrema-direita Jobbik, que governa esse povoado de 2.880 habitantes, é a única formação húngara que ganha apoio nas pesquisas. No final de novembro estava com 22% das intenções de voto, ultrapassando os socialistas (20%), a segunda força do país. Já nas eleições de 2010 conseguiu 46 deputados depois de obter 16,7%.
O fenômeno coincide com uma queda de popularidade do partido do governo, o Fidesz, concentrado em uma espécie de efervescência legislativa para remodelar o Estado que preocupa a Europa pelo viés autoritário que imprime o primeiro-ministro, Víktor Orban; com a cisão da esquerda e com uma duríssima crise econômica.
[O Parlamento aprovou na sexta-feira (30) uma nova lei sobre o Banco Central que ameaça limitar a independência do banco emissor e impedir as negociações com o FMI e a UE, informa a agência Efe. A lei recebeu duras críticas da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu.
Também emendou a Constituição para definir o Partido Socialista como herdeiro do regime comunista e anular a prescrição dos crimes cometidos sob a ditadura. Outra norma aprovada só reconhece oficialmente 14 igrejas, entre elas diferentes cristãs e a judia, e impõe obstáculos às demais.]
"Uma das causas da ascensão do Jobbik é que conseguiu se conectar com o descontentamento social, com os que desconfiam dos políticos e estão decepcionados com a democracia em geral. Isso ocorre em um momento em que os socialistas estão desacreditados e o Fidesz, a direita populista, está perdendo apoio devido aos cortes sociais e por sua ação de governo", afirma Péter Krekó, principal pesquisador do instituto Political Capital de Budapeste. Outro motivo, segundo o especialista, é que se trata "do único partido que cuida da questão cigana". Explica que "os grandes grupos políticos húngaros preferem evitar o tema da integração".
Pendurada na parede do escritório do prefeito de Gyöngyöspata há uma bandeira que se identifica com a Guarda Húngara, uma organização de civis uniformizados declarada ilegal em 2009, que se dedicava a patrulhar os povoados e intimidar a população cigana. Foi fundada em 2007 por Gábor Vona, líder do Jobbik, que significa Movimento para uma Hungria Melhor. Em abril o povoado se transformou em cenário de incidentes violentos. Membros de grupos de extrema-direita (restos da extinta Guarda Húngara, mas também outros novos, sobretudo um chamado Védero, que significa Força Defensiva) foram patrulhar o povoado e amedrontaram a população cigana, formada por cerca de 400 pessoas. Houve quatro feridos. Oito meses depois o prefeito afirma orgulhoso que "é a cidade com mais segurança pública do país", embora lamente que restem "algumas famílias de criminosos".
A uma centena de quilômetros, em Budapeste, Márton Gyöngyösi, deputado do Jobbik e encarregado de relações internacionais do grupo, explica as principais ideias de seu partido. A retórica é mais sofisticada do que em Gyöngyöspata, mas no fundo é a mesma mensagem. Os preconceitos raciais mais clássicos (a associação dos ciganos com um tipo de criminalidade), somam-se à constante distinção entre "nós os húngaros" e "os ciganos".
Gyöngyösi explica que uma de suas ideias é "separar as crianças ciganas em internatos, embora isso possa soar cruel". Argumenta que "trata-se de tirar as crianças dos que as rodeiam, sobretudo de sua comunidade". Também considera que "depois de ter uma certa quantidade de filhos, dois ou três, não sei, não se concedam mais benefícios estatais [ao ciganos]". Ao seu ideário somam-se o euroceticismo - "os dois grandes projetos da Europa fracassaram: o euro e Schengen" - e as alusões irônicas à "democracia liberal".
"O Jobbik concentra seu poder nas regiões do nordeste - onde ficava a antiga indústria pesada da época comunista, hoje empobrecida - e o sudoeste, ambas com uma substancial presença de população cigana", aponta István Toth, do centro de estudos sociológicos Tárki.
Em Gyöngyöspata, cercada pela paisagem invernal de vinhedos nus e retorcidos, a comunidade cigana vive em uma região próxima de um riacho, na parte baixa da cidade. Ali está Helene, 45 anos, que enche uma jarra de água em uma fonte. Há água corrente nas casas, "mas agora a cortaram". "Temos medo porque este povoado é para ter medo", explica. "Desde que veio a Guarda Húngara e o Jobbik está no governo todos se tornaram racistas."
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