Michael McFaul |
Nos anais da diplomacia norte-americana, poucos períodos de luas-de-mel foram tão curtos quanto o concedido a Michael A. McFaul, que chegou à Rússia em 14 de janeiro como novo embaixador norte-americano.
Por volta do fim de seu segundo dia de trabalho, um comentarista do Canal 1 estatal sugeriu durante uma transmissão em horário nobre que McFaul havia sido enviado a Moscou para fomentar a revolução. Um colunista do jornal Izvestia comentou o assunto no dia seguinte, dizendo que a nomeação marcava uma volta ao século 18, quando “a participação de um embaixador em intrigas e conspirações de corte eram negócio comum.”
McFaul, 48, chegou numa cidade agitada por conjecturas e paranoia, enquanto o Kremlin tenta retratar a onda de protestos contra o governo como um projeto liderado pelos EUA. Se o veneno que McFaul recebeu tinha a intenção de ser um alerta para que ele se mantivesse calado em seu novo papel, ele parece pouco disposto a fazer isso. No final de sua primeira semana, ele foi enérgico, dizendo que seu objetivo era “destruir os estereótipos da Guerra fria”, especialmente as “declarações grosseiras” sobre as intenções dos Estados Unidos na Rússia.
“Eu sei que simplesmente vou entrar com força total, não tenho nada a esconder, e tenho muita confiança em nossa política e em difundir nossa política”, disse McFaul, nativo de Bozeman, Montana, que passou a maior parte de sua carreira na academia. Ele não precisa se preocupar com seu próximo posto diplomático, acrescentou, porque não haverá nenhum.
“Eu não vou para nenhum outro lugar”, disse ele, com um sorriso grande. Não sou um diplomata de carreira. E portanto estou aqui para fazer isso de uma forma muito, muito agressiva.”
McFaul é uma escolha pouco comum para embaixador em Moscou, ainda mais do que parecia quando a decisão foi anunciada em maio de 2011.
Naquele momento, ele era visto sobretudo como o principal conselheiro do presidente Barack Obama sobre a Rússia e o arquiteto da chamada política “reset” (reiniciar), que colocou um fim ao gelo profundo dos últimos anos do governo de George W. Bush e convidou a Rússia a cooperar em projetos como a não-proliferação nuclear.
Do ponto de vista do Kremlin, foi um sinal positivo que McFaul, o segundo diplomata em 30 anos que não vem de uma carreira na área, seja membro do círculo íntimo de Obama, refletindo a prioridade que o presidente coloca na Rússia.
Nove meses mais tarde, o Kremlin foi sacudido por protestos que desafiaram o primeiro-ministro Vladimir V. Putin, que espera vencer um terceiro mandato como presidente daqui a cinco semanas. Em meio a acusações repetidas de que o Departamento de Estado havia mobilizado os manifestantes, a atenção se voltou para o início da carreira de McFaul – como cientista político que se especializou em revolução e construção da democracia.
Num artigo de 2007 na revista “The American Interest”, ele escreveu que “mesmo enquanto trabalhavam próximos a Putin em questões de interesse mútuo, os líderes ocidentais precisavam se comprometer com o objetivo de criar as condições para que um líder democrático emergisse a longo prazo.”
McFaul disse que seu trabalho acadêmico chegou algumas vezes a complicar seu trabalho como estrategista de Obama para a Rússia, e enfatizou que está na Rússia para “executar, aprofundar e fortalecer” o reset.
“Como eu escrevi sobre alguns assuntos, sempre houve rumores de que foi isso o que eu vim fazer aqui”, disse ele. “Isso é loucura. Só porque você escreve sobre câncer não significa que você defenda o câncer. Sou um cientista social. Escrevi sobre democratização, mas esta era minha vida pregressa.
“A coisa mais importante para as pessoas entenderem é que eu fui um funcionário do governo por três anos”, disse ele. “Em cada passo do caminho, em cada grande tópico para lidar com esse país, eu estive intimamente envolvido com o reset”.
Não demorou quase nada para que McFaul colidisse contra as forças que o esperavam: o escrutínio penetrante direcionado aos embaixadores norte-americanos em Moscou, os códigos arcaicos da vida diplomática, e os golpes de discurso que vêm da televisão pró-Kremlin. A ocasião foi um encontro ao qual McFaul compareceu em seu segundo dia de trabalho, depois de dedicar seu primeiro dia a conversas com funcionários do governo.
Várias figuras da oposição chegaram à Embaixada dos EUA na terça-feira para se encontrar com um funcionário visitante dos EUA, o vice-secretário de Estado William J. Burns. As reuniões de Burns foram agendadas antes que a data de chegada de McFaul estivesse marcada, e os dois homens debateram se McFaul devia comparecer, uma vez que o protocolo exigia que ele primeiro apresentasse suas credenciais ao Ministério de Assuntos Exteriores. McFaul fez isso na segunda-feira, e depois compareceu às reuniões, uma prática comum durante visitas de funcionários de alto escalão, disse ele.
Naquela noite, o telejornal do Canal 1 reportou as reuniões como “os primeiros passos do novo embaixador norte-americano na Rússia”. Uma equipe de gravação encheu os visitantes de perguntas enquanto esperavam para entrar na embaixada, e as imagens foram intituladas “Recebendo Instruções na Embaixada dos Estados Unidos”. Um comentário que acompanhava as imagens ressaltou um livro de McFaul chamado “A Revolução Inacabada da Rússia”, e perguntava: “É possível que McFaul tenha vindo à Rússia para trabalhar em sua especialidade? Ou seja, terminar a revolução?”
Durante o fim de semana passado, dois outros programas falaram sobre o episódio. O âncora de talk show Alexei K. Pushkov, que também é presidente do comitê de assuntos externos do parlamento, alertou que McFaul podia perder a habilidade de se encontrar com oficiais de alto escalão se fosse visto como um aliado da oposição. Os líderes russos são muito sensíveis a qualquer indicação de que os EUA tenham escolhido um lado nas eleições vindouras, disse ele, embora “Moscou não tenha nenhuma vontade de ter uma grande crise com os Estados Unidos.”
“Muita coisa vai depender de Obama, se Obama der a impressão de que os EUA não querem Vladimir Putin no governo para um terceiro mandato”, disse ele. “Se Obama mostrar que não é este o caso, talvez nós possamos de certa forma reiniciar o reset. Se houver demonstrações de que esta impressão é a correta, então não acho que veremos um futuro muito agradável.”
McFaul ficou sabendo da reportagem original quando Alexei Navalny, um blogueiro e líder da oposição enviou o clipe para ele via Twitter. O embaixador lançou um comentário pontual instantaneamente, via Twitter, observando que havia sido bem recebido por altos funcionários ao longo de oito horas na segunda-feira, sugerindo que havia divisões dentro do governo russo quanto às relações com Washington.
Essa resposta oferece um vislumbre da intenção de McFaul ao dizer que pretende ser um “embaixador do século 21”, usando blogs e a mídia social para se comunicar diretamente com os russos. Isso é por si só uma diferença em relação à tradição, na qual os diplomatas norte-americanos negociavam tempos curtos na mídia com os funcionários soviéticos e russos.
“Não só o meu estilo vai ser diferente, mas os métodos que vou usar também podem ser diferentes”, disse McFaul. “Tem muitas coisas do meu passado que podem ser restritivas, mas uma coisa que eu sei como fazer, ou acho que sei como fazer, é ficar na frente de 500 pessoas de 20 anos de idade.”
O jeito aberto e apaixonado de McFaul servirá aos interesses dos Estados Unidos, diz Sergei A. Markov, um velho amigo e coautor. Markov, agora leal a Putin e membro da Rússia Unida, lembra-se de suas discussões com McFaul como algumas das mais acirradas de sua vida.
“Os diplomatas são frios e McFaul é quente, esta é a diferença”, diz ele. “Uma pessoa determinada representando os EUA é sempre bom para os EUA. Os EUA são um país muito determinado.”
Também há riscos. Alguns membros da oposição ficaram desgostosos com as cenas do lado de fora da embaixada, dizendo que elas deram crédito aos argumentos do governo sobre a interferência dos EUA. E o trabalho de McFaul exigirá que ele construa laços com todas as partes da sociedade russa – incluindo seus líderes, alguns dos quais acreditam genuinamente que os Estados Unidos estão trabalhando para prejudicar Putin, disse Dmitry V. Trenin, diretor do Centro Carnegie Moscou e um velho amigo.
“Ele estará sob uma pressão tremenda”, disse Trenin. “Ele tem qualidades extremamente boas que poderá usar para se tornar talvez o melhor embaixador norte-americano da história deste país – quer seja o Império Russo ou a União Soviética ou a Federação Russa. Ou ele pode ser um desastre. A diferença em como você se porta pode ser muito sutil.”
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