Nicolas Sarkozy e Angela Merkel |
A dupla liderança da UE, de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, tornou-se gradativamente mais importante no curso da crise do euro. Em uma entrevista ao “Spiegel”, um assessor de Sarkozy apresenta sua visão do relacionamento mais crucial da Europa.
Alain Minc nasceu em Paris, filho de imigrantes judeus da Polônia. Seu pai, Joseph Minkowski, era dentista e membro do Partido Comunista. Após terminar os estudos nas universidades prestigiosas Sciences Po e École Nacional d`Administration, Minc começou uma carreira singular como intelectual, assessor político e empresário. Apesar de não ter um cargo oficial, ele faz parte de um grupo próximo de assessores de Nicolas Sarkozy.
Minc escreveu mais de duas dúzias de livros, participou do conselho de diversas empresas e tem um papel central nos círculos da elite parisiense. Sua firma de consultoria, AM Conseil, consiste de uma secretária, um motorista e o próprio Minc. Em 2010, a firma teve uma receita de mais de $ 7,8 milhões de euros (em torno de R$ 20 milhões). Várias semanas atrás, Minc tornou-se diretor da operadora francesa de estradas Sanef.
Para esta entrevista, Minc recebeu o "Spiegel" em seu majestoso escritório da avenida George 5, em Paris 8. Pendurados nas paredes havia dois grandes retratos de Samuel Beckett pelo fotógrafo Richard Avedon. Em um canto, um busto de Joseph Stalin, um presente de um amigo, o bilionário Fraçois Pinault.
Pergunta: Sr. Minc, vamos começar pelas coisas importantes. O presidente francês realmente gosta da chanceler Angela Merkel ou apenas finge gostar?
Minc: Acho que aprendeu a gostar dela. No início, não dava para imaginar duas pessoas mais diferentes. Ela vem do norte, enquanto ele vem do sul. Ela é cientista, e ele, advogado. Ela é metódica, enquanto ele age por intuição. Ela é mulher, e ele é homem. Ela dirige uma coalizão impossível, enquanto ele é o rei da França.
Pergunta: Ela é muito controlada, enquanto ele não é.
Minc: Ele está aprendendo a se controlar. Acho que ambos progrediram muito: passaram da necessidade para a cumplicidade e depois, como Nicolas Sarkozy me conta, para a verdadeira afeição. Você sabe, só há três mulheres na vida de Sarkozy: Carla Bruni, sua filha e Ângela Merkel.
Pergunta: Houve um momento em que esta mudança tornou-se visível?
Minc: A opinião de Sarkozy sobre a chanceler mudou quando ele passou a compreender mais a Alemanha. Eu realmente pude sentir essa mudança. No início ele dizia: "Ela não quer". Hoje ele diz: "Ela não pode". Essa uma enorme diferença. A maior parte dos políticos que chega ao poder neste sistema monárquico francês não compreende o sistema alemão. Mesmo quando têm assessores como eu, que tentam explicar, eles não sabem que é o país mais democrático da Europa.
Pergunta: E agora Sarkozy entende os alemães?
Minc: Ele hoje é especialista nos resultados da pesquisa do Partido Democrata Livre, nas votações na Bundesrat (a câmara alta do parlamento alemão) e nas especulações sobre possíveis diferentes coalisões de governo alemãs. Se não for reeleito, você pode contratá-lo para seu escritório em Berlim.
Pergunta: Foi o senhor que explicou Alemanha para ele?
Minc: A equipe de Sarkozy mudou consideravelmente. Diferentemente do início, ele hoje é cercado por pessoas que conhecem bem a Alemanha. Tome por exemplo o ministro de relações exteriores, Alain Juppé, e o chefe de gabinete, Xavier Musca. Ele se tornou um especialista.
Pergunta: Então a chave para um relacionamento melhor foi a instrução cívica alemã?
Minc: O relacionamento melhorou na extensão da necessidade gerada pela crise, mas também foi resultado de uma evolução por parte da Alemanha e da chanceler. Os alemães compreenderam que eles têm muito a perder se a zona do euro desmoronar, então eles aceitaram o governo econômico, que era uma preocupação francesa. E a França admitiu que tem que fazer seus orçamentos de acordo com os critérios alemães. Esse é o acordo.
Pergunta: Ainda assim, muitas vezes eles discordam.
Minc: Mas os dois adotaram o hábito de se comprometerem a se entenderem. Quando eles dizem que vão apresentar propostas unidas no dia 29 do mês, isso quer dizer que discordam de tudo, mas estão começando um processo que os obriga a concordar no final. Isso funciona.
Pergunta: A partir de sexta-feira, dia 13 de janeiro, quando a agência de classificação de risco Standard & Poor's privou a França de seu grau AAA, a balança pesou ainda mais na direção da Alemanha.
Minc: Não, apenas o desequilíbrio que existia antes está se tornando mais evidente. Quando Sarkozy discutia as coisas com Merkel, ele sempre sabia que era economicamente inferior, mas também que era politicamente mais forte do que ela, devido ao sistema político francês. Eu tenho um problema diferente com essa decisão, pois a considero perversa, não tanto em relação à França quanto à Itália. Essas agências de classificação de risco se comportam como bombeiros piromaníacos: precisamente no momento em que os mercados italianos estão começando a se normalizar e o governo de Monti está fazendo um trabalho notável, eles cortam suas pernas.
Pergunta: O senhor mesmo disse, há algum tempo atrás, que o grau AAA é uma questão de orgulho nacional, e que definiria o destino de Sarkozy. A classificação tão valorizada terminou. E Sarkozy?
Minc: Era necessário dramatizar um pouco na época, para que dois planos de austeridades fossem aprovados. E sim, é desagradável, é irritante e a uma situação política difícil. Mas temos que distinguir entre os efeitos atuais e o impacto nas eleições da que três meses. Imediatamente, Sarkozy vai se apresentar como aquele que diz para as pessoas o que é preciso para melhorar nossa competitividade. Seus oponentes terão que reagir a isso. Isso os coloca em uma posição difícil, especialmente o candidato socialista, François Hollande.
Pergunta: O senhor elogia a harmonia entre Sarkozy e Merkel, mais a impressão permanece que os dois líderes não podem resolver a crise da Europa.
Minc: A Europa fez muito progresso nos últimos dois anos, mas anda como caranguejo e por isso não é elegante. Ainda assim, o sistema europeu funcionou mais efetivamente do que Washington. Os 27 estados membros aprovaram o primeiro pacote de ajuda para a Grécia em um mês.
Pergunta: A grande diferença de opinião, contudo, é um problema: a França quer que o Banco Central Europeu intervenha mais ativamente nos mercados, algo que os alemães se não querem.
Minc: Acho que os dois resolveram esse problema de forma muito inteligente, ou seja, concordando que o BCE é independente. No dia em que intervierem, os alemães poderão dizer: não gostamos disso, mas são independentes. E o banco vai intervir se isso for necessário. Você jamais ouviu falar de uma instituição que se autodestrói? O BCE fará todo o possível para assegurar que o euro sobreviva e ele mesmo sobreviva.
Pergunta: É difícil para França aceitar que a Alemanha recentemente vem dando as cartas na Europa?
Minc: No BCE, ao menos, nem os alemães nem os franceses estão no comando. Mas há duas mesas de negociação na Europa: a primeira é para questões econômicas, enquanto questões militares, estratégicas e diplomáticas são discutidas na segunda. A Alemanha é parceira sênior na primeira mesa, mas nem quer estar presente na segunda, como (a questão da) Líbia demonstrou. Acho que isso resulta em um relacionamento equilibrado.
"A crise ajudou Sarkozy a se tornar um adulto"
Pergunta: Os franceses costumavam fazer piadas sobre a pasmaceira dos alemães. Agora, subitamente são vistos como modelos econômicos. Seria um pequeno milagre?
Minc: Foi Sarkozy quem trouxe Alemanha para o centro da discussão, como modelo de mudança e de reforma e para levar os franceses a adotarem maior austeridade. Você verá questões nessas eleições nessa campanha que lembram Hartz III e Hartz IV (nota do editor: reformas controversas do mercado de trabalho alemão e do sistema social promovidas pelo ex-chanceler Gerhard Schröder como parte de seu pacote "Agenda 2010"). Depois da perda do grau AAA, Sarkozy vai revelar sua própria Agenda 2010 neste mês e também vai implementar reformas antes das eleições.
Pergunta: Foi por isso que o presidente convidou Schröder ao Palácio do Eliseu recentemente?
Minc: Fui eu quem trouxe Schröder ao Eliseu. Achei que seria interessante que Sarkozy ouvisse alguém que executou reformas até o último dia de seu mandato. Foi isso que Schröder fez. No final, ele quase venceu as eleições de qualquer forma. Schröder é a prova positiva que se pode vencer eleições sendo reformista.
Pergunta: Em outras palavras, a Agenda 2010 de Schröder hoje está servindo como mapa para Sarkozy?
Minc: Em 1995, a França tinha uma vantagem competitiva de 10% sobre Alemanha, que tinha sido enfraquecida pela reunificação. Em 2007, a França perdeu 20%. Por quê? Porque cometemos o erro duplo de reduzir a semana de trabalho para 35 horas e aumentar o salário mínimo. Ao mesmo tempo, a Alemanha estava no processo de implementar a Agenda 2010.
Pergunta: Diferentemente de Schröder, Sarkozy anunciou uma "ruptura" antes de sua eleição, mas ele não seguiu com as reformas prometidas.
Minc: Houve uma importante ruptura após as eleições de 2007, que foi a crise. Com um crescimento de 2,5%, você consegue estabelecer um programa político diferente do que nesse tipo de situação. Quando a economia encolhe 3%, você não se preocupa mais com a semana de 35 horas, porque você passa a combater incêndios.
Pergunta: Sarkozy desapontou muitos franceses, que acharam que seu comportamento não foi suficientemente presidencial.
Minc: Sarkozy não considerou que os franceses realmente elegeram um rei. O papel do presidente francês é muito complicado. Ele é simultaneamente a rainha da Inglaterra e o primeiro-ministro. É por isso que a França é tão incompreensível para os alemães. Sarkozy se comportou como um capitão de time de futebol, a princípio. Depois ele assumiu o papel que os franceses queriam dele. Ele aprendeu que questões privadas devem permanecer privadas. Veja como ele lidou com o nascimento de sua filha.
Pergunta: O senhor quer dizer que Sarkozy tornou-se adulto durante seu mandato?
Minc: Eu diria que a crise definitivamente o ajudou a se tornar adulto.
Pergunta: Qual será a imagem deste Sarkozy adulto na campanha eleitoral?
Minc:Veremos um presidente que se posiciona como um europeu dedicado. Ele vai se parecer com Gerhard Schröder em política doméstica com Angela Merkel em política europeia. As coisas vão ser reviradas nessas eleições. Normalmente, o presidente permanece discreto enquanto o opositor promete toda espécie de coisas. Será diferente desta vez.
Pergunta: E Sarkozy pode vencer, com seu fraco desempenho nas pesquisas?
Minc: Talvez ele não possa vencer, mais Hollande pode perder. Dois indivíduos respeitáveis estão concorrendo entre si. Será uma disputa apertada.
Pergunta: Como devemos compreender o seu papel na rede do presidente?
Minc: Sou um amigo. É só.
Pergunta: Um amigo que está constantemente ao telefone com ele e que é conhecido como "visitante noturno" na França?
Minc: Eu não revelo, nem mesmo a você, como exatamente me comunico com presidente. Tenho a liberdade de um amigo que o conhece há 25 anos e diz a ele o que pensa. Temos um relacionamento muito pessoal. O problema na monarquia francesa é que as pessoas no Eliseu não ousam falar abertamente. A chanceler alemã passa o dia todo ouvindo as pessoas que discordam dela. Sarkozy só ouve uma frase: "Sim, senhor presidente", o dia todo, assim como os ex-presidentes Jacques Chirac, Francois Mitterrand, Georges Pompidou e Charles de Gaulle. É por isso que você precisa de amigos que o conhecem há muito tempo e que podem falar abertamente.
Pergunta: O senhor tem muitos amigos, inclusive Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI atingido pelo escândalo. Teria sido uma campanha de eleição diferente se ele fosse candidato socialista?
Minc: Sou uma dessas pessoas que sempre acharam que Dominique Strauss-Kahn não poderia se tornar candidato.
Pergunta: Porque todos no pequeno mundo de Paris sabiam de tudo há muito tempo?
Minc: Os detalhes não eram conhecidos, mas as pessoas sabiam sobre sua fragilidade. Um ex-assessor de Mitterrand disse certa vez: Dominique Strauss-Khan vai concorrer em uma primária, mas não será candidato presidencial.
Pergunta: O senhor discutiu isso com Nicolas Sarkozy?
Minc: Sim. Strauss-Kahn me ligou em 2007, porque o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, havia proposto que ele dirigisse o FMI. Eu disse a ele que ligaria para o presidente para saber sua opinião. Sarkozy achou que era boa ideia e eu perguntei: "Mas não estaríamos colocando seu competidor no leme do FMI?" Sarkozy respondeu: "Você sabe perfeitamente bem que Dominique não pode ser candidato". Ele estava certo disso.
Sr. Minc, obrigado por esta entrevista.
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