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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Guerra étnica intensifica-se em Mianmar, ameaçando vínculos do país com os EUA


Ainda que o governo mianmarense tenha dado início a reformas políticas em grande parte do país, ele intensificou uma guerra civil étnica aqui nas montanhas do norte de Mianmar, um conflito que pode ao mesmo tempo prejudicar a melhoria da relação com os Estados Unidos e desagradar as autoridades chinesas que se preocupam com a estabilidade na região de fronteira.

Neste mês vários tiros de morteiro disparados pelas forças armadas mianmarenses atingiram uma área situada a uns poucos quilômetros desta cidade próxima à montanhosa fronteira chinesa. Grupos internacionais de direitos humanos, soldados e autoridades políticas do grupo étnico kachin disseram que soldados mianmarenses incendiaram e saquearam casas, plantaram minas terrestres, recrutaram à força homens para atuarem como guias e guardas, e estupraram, torturaram e executaram civis. Vários milhares de moradores locais fugiram para a China. E, segundo funcionários dos grupos de direitos humanos, mais dezenas de milhares de indivíduos que foram desalojados poderão fazer o mesmo caso o exército mianmarense continue com a sua ofensiva.

Lazum Bul não fugirá. Ela morreu no dia 10 de janeiro em uma sala de concreto em um campo para refugiados. O corpo dela jaz no assoalho, envolto por lençóis.

“Eu estou triste pelo fato de a minha mãe não poder ser sepultada com o meu pai”, diz a filha dela, Hkang Je Mayun. “O exército mianmarense está vindo, e nós não queremos mais morar na cidade. Estamos com medo de que eles matem toda a população kachin”.

A luta fez com que surgissem dúvidas relativas aos limites da agenda de reformas implementada por Thein Sein, o primeiro presidente civil de Mianmar em quase 50 anos, e que liderou o movimento de abertura para o Ocidente. Mas alguns analistas em Mianmar dizem que Thein Sein não tem sido capaz ou não está disposto a controlar os generais que desejam guerra.

Mianmar, que antigamente chamava-se Burma, é um país repleto de conflitos civis étnicos, e este é o maior deles. Muita coisa está em jogo nesta luta. Situado na região de fronteira com a China, o Estado de Kachin é rico em jade, ouro e madeira e possui rios que estão sendo explorados por projetos hidroelétricos chineses. Parte do Estado é há muito tempo controlada pelo Exército de Independência de Kachin e a sua ala política, que cobra impostos sobre todas as transações comerciais. O exército permitiu recentemente que um repórter e um fotógrafo visitassem durante uma semana uma área que é raramente vista por jornalistas ocidentais.

Tanto os Estados Unidos quanto a China gostariam que esse conflito fosse resolvido. Os chineses querem garantir que haja estabilidade na fronteira, acesso a recursos naturais e implementação de importantes projetos de energia. Os norte-americanos desejam o fim dos abusos praticados pelas forças armadas mianmarenses, que são um dos principais obstáculos para que o presidente Barack Obama suspenda sanções econômicas impostas ao país. Ao mesmo tempo, algumas autoridades chinesas poderiam apreciar o controle militar mianmarense sobre as áreas ricas em recursos naturais, preferindo fazer acordos com o governo mianmarense do que com Kachin.

Mas os comandantes de Kachin dizem que um motivo para que a guerra recomeçasse em junho do ano passado, após um cessar fogo de 17 anos, pode ter sido o desejo das forças armadas mianmarenses de estender o seu controle sobre as áreas incluídas em projetos chineses de geração de energia.

Tais projetos são uma fonte de tensão. Após protestos no ano passado por parte da população kachin, Thein Sein suspendeu o projeto para a construção da Usina Hidroelétrica Myitsone, que estava sendo construída por uma companhia chinesa em uma parte do Estado controlada pelo governo mianmarense. Isso enfureceu as autoridades chinesas, algumas das quais suspeitam que Thein Sein esteja tentando fazer com que Mianmar fique menos dependente da China a fim de encorajar investimentos do Ocidente.

Apesar da guerra contra os kachins, Thein Sein, um ex-general, tentou acabar com outros conflitos étnicos e implementar reformas. Um exemplo disso foi a libertação de 651 prisioneiros políticos na semana passada. Após a libertação dos prisioneiros, o governo Obama concordou com a troca de embaixadores entre os dois países.

Autoridades norte-americanas disseram a Mianmar, que no dia 12 de janeiro firmou um acordo de cessar fogo com um grande grupo combatente de etnia karen, que o país precisa provar que está comprometido com as reformas, resolvendo os seus diversos conflitos étnicos, incluindo a guerra de Kachin. Aung San Suu Kyi, o principal líder oposicionista, disse o mesmo. No dia 10 de dezembro, Thein Sein ordenou uma suspensão dos ataques contra os kachins, mas os comandantes mianmarenses continuaram atacando.

Autoridades de Kachin disseram ter mantido negociações infrutíferas nesta semana com o governo mianmarense em uma cidade chinesa fronteiriça. As negociações do outono passado também fracassaram.

Analistas afirmam que as autoridades chinesas em Pequim estão ansiosas quanto à questão dos refugiados. Desde junho cerca de 7.000 pessoas fugiram de Mianmar para a China, e outras 50 mil estão desabrigadas deste lado da fronteira, diz Lahkang May Li Awng, diretor de uma organização local de auxílio humanitário.

O governo chinês não emitiu nenhuma declaração formal sobre a guerra, mas analistas em Pequim dizem que as autoridades chinesas desejam que haja um acordo de paz.

“As companhias chinesas que operam na área estão sendo afetadas pelo conflito militar”, diz Xu Liping, especialista em questões do Sudeste da Ásia da Academia Chinesa de Ciências Sociais. “A China obviamente deseja que o governo de Mianmar e o regime local kachin possam se reconciliar e fazer do desenvolvimento regional uma prioridade”.

Quando o conflito recomeçou no início de junho do ano passado, as forças armadas mianmarenses atacaram uma base kachin próxima a Bum Sen, perto de um projeto hidroelétrico executado pela China Datang Corporation, que transmite 90% da eletricidade que gera para a China. Os trabalhadores chineses fugiram, mas o projeto voltou a funcionar no mês passado.

Um dos motivos para a retomada dos combates foi o fato de o governo ter feito pressões em 2009 para que todas as milícias étnicas se desarmassem e se integrassem à Força de Guarda da Fronteira. Alguns grupos concordaram, mas a maioria resistiu à determinação do governo. Os kachins intensificaram os seus treinamentos militares. O objetivo deles é preservar a autonomia local. Candidatos kachins independentes foram proibidos de participar das eleições parlamentares de novembro de 2010.

“Nós queremos autonomia para a nossa área”, diz o general Sumlut Gun Maw, 49, que está em um escritório no centro de comando do exército de Kachin, em um hotel em Laiza. O escritório está decorado com uma árvore de Natal e há um retrato de Jesus Cristo na parede (a maioria dos kachins é cristã, enquanto a maioria da população mianmarense é budista). “Mas eles não foram capazes de resolver esse problema por meio da política, de maneira que nós decidimos resolvê-lo pela força das armas”.

O general afirma que pelo menos 140 soldados kachins – dentre um contingente de mais de 10 mil – morreram, e ele calcula que houve cerca de 1.000 batalhas ou conflitos desde junho do ano passado. Não há números precisos referentes a civis mortos ou feridos.

O exército de Kachin perdeu uma quantidade significativa de território nos últimos meses, e agora tanto os soldados quanto os civis veem-se pressionados de encontro à fronteira chinesa. As bases kachins consistem em sua maioria de cabanas situadas ao longo de vales ou estradas. Os soldados portam velhos fuzis automáticos, e alguns trazem atiradeiras presas aos cinturões. Grande parte dos combates recentes tem ocorrido perto de Maija Yang, a segunda maior cidade sob controle kachin, e um lugar que no passado atraía jogadores da China para cassinos administrados por chineses.

No início deste mês, os moradores ouviram um pesado fogo de morteiros desde o nascer do sol até tarde da noite. Os disparos diminuíram de intensidade após a tomada de dois postos militares kachins situados em uma estrada estratégica. Agora os moradores de Maija Yang temem que a cidade possa cair em breve. Os comandantes da Terceira Brigada do exército kachin abandonaram o seu quartel general aqui e recuaram para uma velha base nas montanhas. Eles também estão evacuando soldados que tiveram membro amputados.

“Eu creio que não é possível defender o nosso território devido à desigualdade de força entre os dois exércitos”, afirma o cabo Waje Naw Ja, 32, que está deitado em um leito de hospital manchado de sangue seco. A perna dele foi amputada abaixo do joelho devido a um ferimento provocado pela explosão de uma mina. Ambos os lados estão plantando uma grande quantidade de minas terrestres.

O governo de Kachin está tendo dificuldades para ajudar os civis desabrigados. Os campos de refugiados aqui e na China não contam com alimentação adequada, serviços de saúde e unidades educacionais. No entorno de Laiza foi construído um campo que abriga 5.000 refugiados, e no qual três famílias se espremem em cada cabana de bambu. O governo de Mianmar só permitiu que agências da Organização das Nações Unidas (ONU) entrassem uma única vez nas áreas habitadas pelos kachins.

“Nós estamos com medo. Achamos que ser kachin é uma maldição”, afirma Hpakum Kaw, 50, no dia seguinte à sua chegada no campo de refugiados de Laiza com o marido e a filha.

Ela e a família fugiram da vila em que moravam quando o lugar foi alvejado por morteiros e acabou ocupado por soldados mianmarenses. Na sexta-feira da semana passada, os soldados prenderam um vereador da vila e passaram a distribuir uma lista com os nomes de indivíduos procurados, entre os quais estava o marido dela. Cerca de 200 famílias fugiram, e apenas 20 permaneceram no local.

Pelo menos 10 mil pessoas desabrigadas vivem em campos de refugiados situados em áreas controladas pelo governo mianmarense. Em um deles, administrado pela Igreja Batista na cidade de Bhamo, um pai de três filhos diz que foi um dos cinco homens da sua vila obrigado a servir como guarda e guia para os soldados mianmarenses em outubro do ano passado.

As forças mianmarenses dispararam morteiros antes de invadir a vila. Um garoto foi morto, e muitos moradores fugiram, diz o homem, Tumai Nhkum, 29. Os soldados saquearam lojas e casas, incendiaram uma delas e atiraram em animais de criação. Eles permaneceram lá durante três dias, e depois seguiram em frente, levando os guias.

Tumai Nhkum conta ter sido obrigado a carregar baterias de rádio, arroz e uma máquina de escrever capturada do exército kachin. Os guias foram espancados, e somente 20 dias depois eles puderam ir embora.

“Eu chorei ao ser finalmente libertado porque estava preocupado com os meus filhos”, conta ele. “Eu segui direto para a minha família e a trouxe para cá, onde há mais segurança. Eu não sei quando poderei retornar para a minha casa”.

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