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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

El País: Na ONU, Obama traçou as linhas vermelhas para as reações antiliberais no mundo árabe

Afegãos queimam uma bandeira americana em Ghanikhel por causa do filme "A Inocência dos Muçulmanos" 

Onde não há deuses não há blasfêmia. A blasfêmia é filha da divindade, uma manifestação estritamente religiosa que reforça com sua transgressão a força do sagrado. Castigar a blasfêmia é próprio de sociedades teocráticas, organizadas segundo as leis dos deuses, e não dos humanos.

Certamente, é preciso que os poderes públicos protejam a pluralidade religiosa e promovam o respeito às crenças de todos. Pertencem a um âmbito pessoal no qual ninguém tem o direito de se intrometer. Mas as liberdades de consciência e de expressão são um bem superior que não cabe degradar em nome de religião alguma. Ninguém pode castigar um suposto delito de difamação religiosa sem afetar diretamente o coração da liberdade. Mas induzir ao respeito não significa obrigação de respeitar, como defender o direito à blasfêmia não significa obrigação de blasfemar.

E isso é assim porque estamos falando de liberdades e direitos individuais. Os deuses e os livros sagrados, as religiões e os dogmas, assim como os personagens históricos e os mitos, as pátrias e as bandeiras, não têm direitos nem deveres como têm os cidadãos individuais. Não se pode atentar contra a honra de Buda ou de Confúcio, de Napoleão ou de Garibaldi, de Jesus Cristo ou da Santíssima Trindade.

Os violentos que reclamam a honra maculada de seus profetas ou de seus livros, ou que chegam até a assassinar em seu nome, exercem uma chantagem intolerável. Esse seria o caso se se transformasse em delito punível a publicação das vinhetas de Maomé que fez o jornal dinamarquês "Jyllan Posten" em 2005, a difusão no YouTube do infame vídeo californiano sobre Maomé ou a atual campanha satírica sobre o islã de "Charlie Hebdo".

Será difícil convencer os dirigentes de muitos países islâmicos onde a blasfêmia é hoje punida penalmente, inclusive com a morte. Obama o tentou com seu discurso de terça-feira diante da Assembleia Geral da ONU, embora se possa temer que de pouco servirá sua pedagogia sobre a liberdade de expressão, dirigida a governos e regimes que tiram benefícios dessas proibições em duas direções, no controle sobre os meios de comunicação e no apaziguamento dos islâmicos mais radicais e violentos.

Obama exemplificou o problema com sua defesa da liberdade para insultar o presidente dos EUA. O insulto ao soberano é uma atividade que antigamente, quando era de origem divina, também pertencia ao território da blasfêmia e era castigada severamente. Hoje, porém, a liberdade de blasfemar contra o chefe de Estado é a garantia da sociedade livre. O mesmo fez uma sentença célebre da Suprema Corte com o símbolo máximo da nação que é a bandeira.
Esse é o paradoxo: quem hoje em dia queima bandeiras com as listras e as estrelas em todo o mundo islâmico não comete delito algum, segundo a jurisprudência e os códigos americanos.

Tudo isso é uma discussão medieval, perfeitamente em dia graças à campanha organizada pelos poderes religiosos de bom número de países islâmicos, que promovem uma legislação internacional contra a denominada difamação da religião. Até 2011 esses problemas eram elucidados sem discussão pública nas masmorras e delegacias das ditaduras árabes, mas agora são debatidos nos parlamentos e nas comissões constitucionais como resultado da chegada impetuosa dos partidos islâmicos ao poder, dispostos a demonstrar a verdade de seu lema e mito de que o islã é a solução para tudo.

O único limite à liberdade de expressão é a incitação à violência. Não é o caso das imagens de Maomé. Tampouco do humor mais ou menos grosso e irreverente com o islã ou o cristianismo. Nem sequer é o caso da vulgar produção videográfica utilizada como desculpa para uma campanha de violência. Para a jurisprudência americana, não o é sequer o negacionismo dos crimes contra a humanidade, à diferença do que ocorre em alguns países europeus.

Obama traçou as linhas vermelhas. Não as que lhe pedia Benjamin Netanyahu sobre a arma nuclear iraniana, mas outras mais importantes, exigidas pelas reações antiliberais nas democracias árabes. Se as traspassarmos, ficarão indultados outros sistemas de censura que se praticam em muitos países, como a China, em nome da estabilidade e para evitar as provocações. Não há diversidade cultural que valha em relação a estes valores universais que surgem espontaneamente em todas as civilizações, onde há homens e mulheres que reivindicam seus direitos acima dos deuses e dos mitos.

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