Rebeldes sírios patrulham uma rua na cidade Qusair, próxima a cidade de Homs |
Há relatos que forças leais ao presidente sírio, Bashar al-Assad, massacraram mais de 200 pessoas na aldeia de Tremseh. Vídeos no YouTube indicam que uma guerra religiosa selvagem está ocorrendo em algumas zonas rurais –e que os soldados estão incitando as chamas do ódio.
Imagens assustadoras voltaram a surgir da Síria. Novamente, as pessoas estão tentando descobrir quem cometeu os crimes terríveis. A oposição síria acusa o regime de matar mais de 220 homens, mulheres e crianças na aldeia de Tremseh, no centro da Síria. Algumas teriam sido atingidas por bombardeios do exército sírio, enquanto outras foram mortas por capangas pró-governo de aldeias próximas.
O enviado internacional Koffi Annan disse na sexta-feira (13) que ficou provado que artilharia, helicópteros e tanques foram usados em Tremseh. Ele acrescentou que isso comprovava que o exército sírio havia violado seriamente o plano de paz que deveria pôr fim à crise de 16 meses na Síria, que deixou milhares de mortos. Enquanto isso, a Organização da Conferência Islâmica (OIC) pediu que a ONU usasse todos os meios para intervir no conflito.
Como tantas vezes tem ocorrido neste conflito sangrento, é quase impossível confirmar as informações em relação ao massacre. Uma razão para isso é o fato da ONU ter retirado seus observadores por preocupações de segurança. Outra é que o regime sírio se recusa a permitir que representantes da Comissão de Direitos Humanos da ONU, jornalistas e autoridades de organizações internacionais examinem o que está acontecendo no país de forma livre e independente.
Uma versão apenas, mas reveladora
Os vídeos amadores que os ativistas sírios vêm carregando no YouTube contam apenas um lado da história. Mesmo assim, são reveladores, pois sugerem que o conflito nas regiões rurais do centro da Síria, onde pessoas de diferentes crenças moram em aldeias próximas, porém separadas, está se tornando uma guerra religiosa brutal. E mais, as chamas dessa guerra parecem estar sendo inflamadas pelo exército sírio, cujas ações só vêm ajudando a provocar as tensões religiosas.
Tremseh é uma pequena aldeia que fica aproximadamente 15 km a noroeste de Hama, mas não é a primeira vez que chega às manchetes. Os primeiros vídeos gravados na aldeia chegaram ao YouTube no dia 5 de julho de 2011. Eles mostram uma procissão de manifestantes cantando: “O povo quer que o regime caia”.
Nos meses que se passaram desde então, uma série de novos vídeos de protestos desse tipo foram parar no YouTube. Algumas imagens mostram as pessoas em celebração. Algumas centenas de pessoas –homens, mulheres e crianças- falam e dançam enquanto um homem grita a palavra de ordem: “Bashar, vá embora!” Quando se dirigem dessa forma ao ditador sírio Bashar Assad, fica claro o lado dos manifestantes.
As primeiras imagens de cadáveres apareceram no dia 2 de dezembro de 2011. Elas mostram dois rapazes em macas em uma sala. Um levou um tiro no abdome, enquanto o outro tem uma grande ferida suturada no estômago. Eles teriam sido mortos por defensores do regime. Um vídeo gravado no dia seguinte mostra a bandeira da oposição sobre a procissão funeral.
Apesar das vítimas, as manifestações continuaram. Um vídeo que teria sido gravado em dezembro de 2011 mostra protestos sob o título: “Vamos continuar até o regime cair!” No dia 15 e 19 de fevereiro de 2012, novamente imagens de pessoas mortas por um grupo de 10 defensores do regime de vilas próximas.
Política ou religião?
Um pouco mais tarde no mesmo mês, o exército sírio aparentemente lançou sua primeira ofensiva contra Tremseh. Vídeos mostram as casas cheias de buracos de tiros e um minarete que foi destruído por fogo de artilharia, no que se equipara a uma provocação religiosa consciente. No vídeo, um ativista grita: “Deus é maior que você, Bashar!”
De fato, não é a primeira vez que os soldados de Assad ofendem os sunitas. Por exemplo, no ano passado, o exército iniciou intencionalmente uma ofensiva de forma a coincidir com o início do Ramadã, mês sagrado de jejum muçulmano. Mas o que é novo é que o exército –ou o que sobrou dele após as deserções- está abertamente do lado dos alawis, membros da seita religiosa muçulmana que compõe menos de 10% da população do país, mas tem virtualmente o monopólio das principais posições de poder político e militar. Já em maio, havia relatos que o exército se associou a mercenários alawis para cometer o massacre de Houla.
O vídeo do dia 28 de março de 2012 é chocante. Ele mostra a saída do exército sírio de Tremseh. Nele, os soldados estão em ônibus brancos, caminhonetes e caminhões cheios de caixotes. Uma caminhonete está enfeitada com a palavra “Bashar!” O comboio também inclui reboques puxando carros. De fato, parece mais que os soldados estavam em uma missão de pilhagem do que deixando uma batalha contra insurgentes.
O vídeo também mostra pessoas saudando a passagem do exército pelas ruas. “Eles estão saindo de Tremseh!”, grita um deles. Os soldados buzinam, enquanto as pessoas nas ruas cumprimentam os soldados que passam. A legenda do vídeo indica que as pessoas na rua vêm de uma das aldeias vizinhas a Tremseh.
Em certa altura, o vídeo mostra uma mulher de cabelo claro e rabo de cavalo; em outro, uma mulher alta com rabo de cavalo escuro. Nas regiões rurais da Síria, é incomum mulheres sunitas não cobrirem o cabelo. Isso leva a pessoa a crer que os habitantes dessas aldeias próximas pertencem a uma das religiões minoritárias da Siria. Presumivelmente, são alawis, como Assad e a maioria do aparato de segurança do país. Assim parece que motivos religiosos conscientes estavam por trás das ações dos soldados sírios.
Este é o cenário desse massacre, que segundo os relatos teve vizinhos matando vizinhos. A perspectiva do outro lado é desconhecida. Será que os moradores de Tremseh haviam ameaçado, roubado ou matado alawis da aldeia próxima? Não se pode ter certeza. Mas, de qualquer forma, parece que o conflito agora se tornou uma guerra religiosa impiedosa nas pequenas aldeias do centro da Síria.
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