Com suas casas de blocos de concreto muitas vezes inacabadas, até pouco tempo atrás Ersal lembrava uma cidade fronteiriça libanesa como tantas outras. Com sua população de 40 mil pessoas, instalada no alto do vale do Beqaa, ela parecia uma massa cinza de ar desolado, dominada pelos cumes pedregosos da cordilheira do Antilíbano que conduzem à Síria.
As tendas dos acampamentos onde se amontoam as famílias sírias que fugiram dos combates agora se espalham entre as construções de concreto, formando grandes manchas de branco e azul. Barreiras do exército libanês cercam o vilarejo.
Com a ajuda do Hezbollah, Damasco está prestes a expulsar os insurgentes do Qalamoun, maciço sírio a leste do Beqaa. Ersal, como base de apoio dos rebeldes, está preocupada com as repercussões da batalha. Desde março suas colinas vêm sendo bombardeadas pela aviação síria, e vários incidentes já abalaram a cidade.
Ersal manteve a aparência de vilarejo rural. Alguns homens circulam usando o tradicional keffieh na cabeça, outros vão para os campos e para as pedreiras, de picape ou de moto velha. Mas, com a vinda de refugiados sírios mais numerosos que os habitantes de Ersal (50 mil, segundo o Acnur - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, e 100 mil segundo as autoridades locais), os comércios proliferaram. Foi aberto um hotel, assim como um hospital privado, com fundos kuaitianos. Inaugurado em fevereiro, este logo ficou lotado com os feridos de Qalamoun.
"O apoio de Ersal continua"
Em 2011, os governantes de Ersal, cidade sunita, defenderam o levante sírio. Os habitantes têm orgulho de seu espírito rebelde. Ali al-Hojeiri, presidente do conselho municipal, ressalta seu antigo caráter ao falar sobre o clima de insurreição da época do mandato francês (1920-1943). São raras as imagens que demonstram fidelidade a um partido (a coalizão do ex-premiê Saad Hariri é a mais popular) ou a um líder, contrariando uma prática corrente no Líbano. Os habitantes lamentam seu isolamento e a falta de infraestrutura.
Dizem que foi porque o Estado se esqueceu deles que eles começaram contrabandos de todos os tipos com a Síria. O povo de Ersal conhece todos os segredos dessa fronteira porosa, que eles colocam a serviço da rebelião contra Bashar Assad. Desde 2011, o tráfico passa por terras agrícolas adjacentes à Síria, situadas vários quilômetros ao norte de Ersal e em grande parte exploradas por camponeses locais. A fronteira, invisível, se atravessa de moto. Entre abril e junho de 2013, a batalha de Qussair esteve no auge ao norte dessa região, tornando-a intransitável. Alimentos, armas e combatentes sírios agora se dirigem para Qalamoun, a leste de Ersal. Ainda que Damasco hoje esteja tentando fechar a fronteira, "o apoio de Ersal continua", atesta o rebelde Abou Brahim.
"Nós apoiamos nossos irmãos com o coração e a mente", já afirmava em 2011 Mohammed al-Hojeiri, um parlamentar de Ersal, insistindo na proximidade entre sunitas libaneses e sírios. Houve homens que também pegaram em armas na Síria, segundo um ex-parlamentar, "assim como em 2003, após a invasão americana, outros foram lutar no Iraque", ele diz.
A ajuda não se limita somente aos insurgentes. Os habitantes logo abriram ou alugaram suas casas para os refugiados. O primeiro acampamento informal foi montado em 2012 nas terras de um devoto local. ONGs árabes e ocidentais também tentam atender às necessidades, mais urgentes desde 2013, com o afluxo de refugiados vindos de Qussair e de Qalamoun. Mas a ajuda é mal coordenada. O Ministério dos Assuntos Sociais admite não ter o controle dos financiamentos que chegam a Ersal.
"A cidade está saturada. Queremos instalar um acampamento fora de Ersal", afirma Jean-Paul Cavalieri, vice-representante do Acnur. Para isso, é necessário o aval de Beirute, que se recusa a oficializar a instalação dos acampamentos sírios. O projeto do Acnur também atende a preocupações com a segurança: às vezes a violência impede o acesso a Ersal. A infiltração de combatentes compromete o caráter civil dos acampamentos.
Tensões crescentes
No Beqaa, que é uma região de maioria xiita e bastião do Hezbollah, aliada de Bashar Assad, Ersal logo foi vista como uma ameaça. Com a batalha de Qalamoun, as tensões se elevaram. Vários vilarejos xiitas foram alvo de foguetes, atribuídos aos rebeldes. Habitantes de Ersal foram acusados de serem cúmplices desses ataques. O exército também diz ter rastreado indivíduos suspeitos de participação nos recentes atentados contra o Líbano.
Dentro dos acampamentos, há controvérsias. "A maioria dos deslocados não quer que unidades insurgentes se estabeleçam por lá, para não se tornarem alvos de bombardeios de Damasco", relata Merhi Fliti, coordenador da Amel, uma ONG libanesa. Abou Anwar, um deslocado sírio, constata que "uma parte de Ersal acredita que a estabilidade foi comprometida pela presença de refugiados".
Os caminhos que levam ao jurd --terras agrícolas na montanha--, outrora percorridos por caçadores e agricultores, hoje estão cercados pelos soldados libaneses. Desde meados de março, os militares vêm tentando conter o fluxo de combatentes sírios --centenas, segundo um militante pró-rebeldes-- que se refugiaram no jurd. Segundo uma fonte do setor de segurança, preocupada com "ações no Líbano", as últimas chegadas foram "em sua maioria da Frente Al-Nusra, afiliada à Al-Qaeda". Eles foram enviados para uma faixa de terra entre Ersal e a Síria, com 15 a 20 quilômetros de extensão. O exército libanês não vai até essa terra de ninguém.
Os militares estão recebendo o apoio das autoridades locais. Mas os moradores os criticam: "O exército está protegendo Ersal ou fazendo o jogo do Hezbollah?", pergunta Abou Omar, militante pró-rebeldes. Abaixo da cidade sunita, no vilarejo xiita de Labue, as rondas de milícias do Hezbollah atiçam a ira de Ersal. Somente as relações antigas estão contendo, por ora, essas tensões.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
"Assim como em 2003,após a invasão americana,outros foram lutar no Iraque"O melhor seria dizer"fomos morrer no Iraque"ou"fomos explodir iraquianos e hoje explodimos os sirios"E o que eles fizeram contra os americanos?Garanto que esses partidários de confissão religiosa mataram 10.000 vezes mais iraquianos do que americanos.Morreram mais americanos em em 30 DIAS de luta na Europa em 1944,do que em quase 10 ANOS no Iraque.Por isso odeio partidarismo que pra mim nada mais é que se submeter a um senhor politico ou religioso.Só lembrando que o Iraque foi cedido aos xiitas por quem?Em vez de trabalhar,produzir,conquistar...essa gente vive esse circulo perpétuo de miséria e morte enquanto os financiadores dessa panóplia toda estão muito bem e acima de tudo ganhando muito dinheiro.E o que restou aos partidarios?Somente o paraiso.
ResponderExcluirPaulo Pereira