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quinta-feira, 3 de abril de 2014

O que ocorreu aos revolucionários da Síria após 3 anos de revolta?

Omar pensou que nunca deixaria sua terra natal. "Damasco é minha cidade", disse o jovem esguio, com a testa franzida, em maio de 2012. Já na época muitos de seus amigos tinham deixado a Síria, fugindo para lugares como Dubai, Abu Dhabi e o Cairo.

Hoje, porém, quase dois anos depois, Omar está sentado em uma cela de prisão a cerca de 7.500 quilômetros de Damasco, na Malásia, detido como imigrante ilegal. Os pais e irmãos do jovem de 26 anos continuam na Síria. Eles estão entre as nove pessoas de duas famílias que dividem um quarto na capital. Sua casa, no bairro de Yarmouk, em Damasco, foi destruída em um bombardeio.

Fora o fato de Omar ter chegado até a Malásia, a história de sua família não é nada incomum. Pelo menos um em cada dois sírios teve de deixar sua casa desde 2011. Eles sobrevivem de alguma forma, mas para a maioria a situação se torna mais precária a cada dia.

Faz três anos que começaram os protestos na Síria. Muitos sírios entrevistados por "Spiegel" e "Spiegel Online" desde então tiveram de deixar o país nesse ínterim. Mas pelo menos continuam vivos. Desde 2011, bem mais de 100 mil pessoas morreram nas lutas, segundo números divulgados pela ONU no último verão. Desde então, a comunidade internacional parou de contar os mortos.

O que começou como uma iniciativa do governo para reprimir protestos pacíficos se transformou em uma guerra civil que destruiu o país e sua população. A Síria desmorona um pouco mais a cada dia e se tornou a crise humanitária mais cara na história da ONU. A organização pediu US$ 6 bilhões para a Síria em 2014, mais que nunca.

"De cortar o coração"
"A Síria foi retardada 30 ou 35 anos em seu desenvolvimento", disse Muhamad Hadi, o coordenador de emergências regionais para a Síria do Programa Mundial de Alimentação. Ele está no país a serviço da ONU desde 2008. "As meninas que apoiamos na época hoje encontramos como mendigas na rua. É de cortar o coração."

Quando a "Spiegel Online" conheceu Omar, em agosto de 2012, ele ainda vivia com seus pais no bairro de Yarmouk em Damasco. Um mês depois a energia de sua casa foi cortada, no auge do verão. Seu bairro foi repetidamente visado pela artilharia.

A família de Omar fugiu para o centro de Damasco em dezembro, abrigando-se em um único quarto que lhes custa US$ 100 (Cerca de R$ 230) por mês. Antes da guerra eles pertenciam à classe média síria, e a mudança foi um luxo que ainda podiam pagar, embora com dificuldade. Isso provavelmente salvou suas vidas. Desde então Yarmouk está sitiado e as pessoas que ainda moram lá passam fome.

Omar estava preparado para fazer quase qualquer coisa para ajudar sua família, e conseguiu um visto de três semanas para a Malásia. Imaginou que a situação dos empregos estaria melhor lá do que no Oriente Médio. Em fevereiro de 2003 ele vendeu tudo o que ainda tinha, incluindo seu laptop e seus tênis, e pediu emprestado o restante de que precisava para uma passagem de avião. Em novembro passado foi detido pela polícia malaia porque seu visto estava expirado havia muito tempo, e desde então está atrás das grades.

Omar tinha imaginado uma vida diferente. Ele pretendia trabalhar no departamento de marketing de uma empresa em Damasco quando terminasse a universidade. Mas é um sonho que ele enterrou em 2012. Também pensava que o futuro da Síria seria diferente, convencido de que a economia do país continuaria se movendo em uma direção positiva e que o resultado seria mais liberdade.

Na primavera de 2011, Omar participou de uma manifestação estudantil pela primeira e única vez. Forças da segurança os perseguiram e vários foram presos e torturados. Ele decidiu que não iria novamente às ruas.

O médico das vítimas de gás
O doutor Armin é de Moadamiyah, o subúrbio de Damasco onde ocorreu um ataque com gás venenoso em 2013. Durante o último ano ocorreu esteve sitiado e seus moradores passam fome. "A fome foi pior que o gás", ele disse recentemente à "Spiegel". "Com o gás, a situação é clara: os que morrem, morrem rapidamente. Os que sobrevivem se recuperam. Mas a fome o mata lentamente". Armin aproveitou as negociações sobre um cessar-fogo local para escapar para o Líbano no início de março. Hoje ele aguarda a passagem em um cargueiro para a Turquia. De lá, quer viajar para o norte da Síria, onde pretende trabalhar em um hospital.

O conselho revolucionário de Manbij
Manbij foi a primeira grande cidade síria a ser tomada pela oposição. Quando a "Spiegel" a visitou no verão de 2012, já estava sob o controle de um "conselho revolucionário". A distância da cidade foi um fator para que as forças do governo a abandonassem sem lutar. Mas seu isolamento desde então se tornou seu calcanhar de Aquiles. Em janeiro de 2014 radicais islâmicos do grupo terrorista Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isil na sigla em inglês) está no controle de Manbij, apesar de o grupo ter-se retirado para outro lugar.

Quando os radicais do Isil marcharam em Manbij no final de janeiro, muitos membros do conselho revolucionário tinham fugido, atravessando a fronteira para a cidade turca de Kilis, incluindo o advogado e poeta Hassan Neifi. "Se não tivéssemos fugido o Isil teria nos matado", diz ele. Os radicais sequestraram vários dos mais importantes ativistas pró-democracia da Síria. Alguns foram assassinados.

Munzer Sallal, um jovem economista, também foi membro do conselho revolucionário em Manbij. Ele fugiu para o norte em janeiro deste ano, mas se recusa a desistir. "Agora temos de começar do início, mas desta vez temos de lutar", disse ele. Nas últimas semanas eles começaram a realizar ataques noturnos de guerrilha contra os jihadistas do Isil.

O farmacêutico de Irbin
Em agosto de 2013, a "Spiegel" falou com o farmacêutico Abu Ahmad, que trabalhava no hospital lá, tentando ajudar as vítimas do ataque com gás tóxico em Damasco. Abu Ahmad ainda vive em Irbin. "Devemos ser autoconfiantes", diz ele. A cidade está sitiada há dois anos e frequentemente sofre ataques. Também está falida, não há empregos, a maioria das pessoas gastou todo o dinheiro que tinha e os preços dos alimentos dispararam. O ambiente é tenso, com a euforia inicial esmagada pelas dificuldades.

Abu Ahmad parece frio, mas é insistente. Atualmente ele está preocupado principalmente com o programa de vacinação de Irbin, e coordena o perigoso esforço para contrabandear vacinas contra pólio, tétano, hepatite e os medicamentos necessários para os cerca de mil bebês de Irbin. O projeto maior, porém, são as escolas. Um total de nove escolas foram montadas em porões e casamatas para a "educação livre de propaganda", como diz Abu Ahmad.

Mais de 4 mil crianças frequentam as aulas em uma iniciativa financiada por organizações americanas e pelo grupo alemão Adote Uma Revolução. "Quando as primeiras crianças desmaiaram de fome, começamos a receber US$ 3.640 por mês a mais para refeições nas escolas. Isso só basta para os 700 alunos da escola elementar, e eles só recebem alguma coisa a cada dois dias. Mas as pessoas podem ver que a ideia de uma sociedade civil está viva. Se nossas escolas não existissem, a única coisa seria as escolas islâmicas", diz Ahmad.

Massacre
Em julho de 2012 a "Spiegel" falou com sete testemunhas oculares de um grande massacre em Houla. Desde então todas deixaram a cidade. Maryam, de 17 anos, e sua mãe, que perderam a metade da família, fugiram para a cidade de Cerablos, na fronteira. Uma família tinha parentes lá e os outros seguiram. Maryam desde então se casou com um engenheiro de Hama, mais por necessidade do que por amor. "Ela era o melhor partido no acampamento e ele também", comentou secamente um parente.

Em setembro de 2012 "Spiegel Online" conheceu Rima Dali durante sua curta visita a Beirute, vinda de Damasco. A síria de 33 anos era uma das poucas na época que ainda acreditavam que seu país poderia ser modificado com protestos pacíficos. Em novembro de 2012 ela e três outras jovens exibiram um cartaz que dizia "Parem todas as operações militares na Síria" na cidade velha de Damasco. Ela foi imediatamente presa e só foi libertada como parte de uma troca de prisioneiros alguns meses depois. Desde então não participou de demonstrações.

As famílias de Midan
"Spiegel Online" visitou Nabila, 28 , e sua família em junho de 2012 em Midan, um bairro de Damasco onde viviam muitos confeccionistas. Na época, ele estava sendo cada vez mais isolado devido às diversas manifestações. Lutadores rebeldes também haviam se entrincheirado no bairro. Em julho de 2012 o exército sírio bombardeou a área e empurrou os rebeldes para fora. Nabila fugiu para o Cairo com seus pais. "Hoje estamos espalhados em vários lugares", diz ela sobre sua família. Uma irmã vive na Jordânia e um irmão está no Líbano.

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