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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Londres poderia liderar a defesa europeia

Acima um dos escritórios da BAE Systems, empresa britânica tida como a maior empresa de material bélico do mundo
A crise da zona do euro e as perguntas que ela levanta sobre a futura integração e a forma institucional da Europa passaram, compreensivelmente, a dominar o debate sobre a Europa nos últimos anos. Mas o imperativo de poupar e gastar de modo mais inteligente pode oferecer um incentivo para revigorar as discussões sobre mais cooperação em questões de defesa e segurança - especialmente quando se trata de somar e compartilhar ativos militares. Além disso, devemos falar sobre a crise de confiança em relação às extensas atividades de vigilância da inteligência britânica.

Enquanto grandes segmentos da sociedade britânica passaram a desconfiar de Bruxelas e tudo o que ela deveria representar, com os políticos alimentando essa desconfiança, muitos europeus começam a se perguntar em voz alta se o Reino Unido realmente é uma parte indispensável da Europa - ou se não seria melhor separar-se de maneira amigável.

Essa é uma dinâmica perigosa, para dizer o mínimo. Parte das críticas dirigidas do continente a Londres é compreensível. Afinal, enquanto todas as forças se uniram para salvar o euro, e com ele a integração europeia, algumas opiniões manifestadas do Reino Unido não foram nada construtivas. Ao mesmo tempo, porém, os europeus continentais têm de admitir a natureza muito particular da opinião pública britânica e deveriam reconhecer o que o Reino Unido pode pôr na mesa.

Os maiores países da UE sempre tiveram ideias diferentes sobre o formato e o propósito da UE. Mas até que a crise expusesse as falhas fundamentais na construção da UE e da zona do euro foi comparativamente fácil, embora às vezes feio, superar essas diferenças. Não é mais. O debate sobre de quanta Europa precisamos, em termos de coesão institucional e transferência de soberania, para sairmos da crise e construir uma fundação para uma Europa funcional do futuro também é um debate sobre se o Reino Unido continuará fazendo parte da UE.

Áreas de interesse comum
Não sabemos como isso se desenrolará nos próximos anos. Mas há um risco real de saída britânica da UE se não se encontrar um terreno mediano. Sob essas circunstâncias, é ainda mais importante concentrar-se nas questões em que nosso interesse comum pede de modo predominante uma cooperação mais próxima, e não alienação. A política externa e a defesa são uma dessas áreas.

De início, poderia parecer contra-intuitivo. Afinal, a política externa e de defesa foi dominada por políticas e preocupações nacionais, e caracterizada por uma falta de progresso conjunto europeu. Veja o fornecimento da defesa, por exemplo, onde os interesses pessoais reinam supremos, desde as fornecedoras às forças armadas e aos políticos.

É verdade que os países europeus têm diferentes culturas e prioridades estratégicas, mas elas colocam ênfases diferentes na importância da política de segurança e relutam em criar dependências de outros nesse campo. Colocado de maneira simples, é notável como a Europa está adquirindo pouca influência pelo dinheiro que paga em questões de defesa. Assim, a política comum europeia de defesa e relações exteriores parece ainda mais confusa que os assuntos europeus em outras áreas políticas.

No entanto, não é totalmente irreal esperar uma cooperação em defesa muito mais significativa e profunda na Europa em um futuro previsível. Os que meramente consideram que conceitos como "defesa inteligente" e "reunir e compartilhar" ideias antigas ligeiramente repaginadas subestimam as pressões que recaem sobre o meio de defesa europeia.

Apertando os parafusos
Essas mudanças estruturais receberam um impulso significativo para uma mudança concentrada da ideia de cooperação em defesa como visão política para cooperação em defesa como necessidade pragmática. Primeiro, o setor de defesa está sentindo um aperto dos parafusos financeiros. Segundo, ao mesmo tempo, maiores demandas são feitas às forças armadas, o que apenas aumentará conforme os EUA continuem "reequilibrando-se em direção ao Pacífico", pressionando ainda mais a Europa para que possa cooperar efetivamente em sua própria vizinhança se houver uma crise. Finalmente, a imprevisibilidade do futuro ambiente de segurança exigirá maior coordenação e eficácia das forças europeias.

Em outras palavras, dadas as restrições financeiras em todos os países europeus, combinadas com as maiores exigências na defesa europeia, a capacidade de atuação da Europa só pode ser garantida se houver uma vontade de alcançar uma cooperação muito mais próxima, pois nenhum país membro é capaz de manter todo o espectro de capacidades por si só. Os tratados de defesa e segurança franco-britânicos atestam essa observação básica e são um exemplo notavelmente positivo do que a cooperação pode alcançar.

Em longo prazo, uma cooperação em defesa mais próxima na Europa não só economizará dinheiro como aumentará a confiança e as capacidades militares. A cooperação mais estreita em defesa também poderá ajudar a convergir as culturas estratégicas, tornando a cooperação mais provável, criando uma espécie de círculo virtuoso que com o tempo contribuirá para uma política externa europeia mais coesa.

Além disso, o que é importante, iniciativas comuns europeias mais fortes incluindo o Reino Unido devem ser muito mais fáceis hoje do que nas últimas décadas, já que reforçar as capacidades europeias e a Otan não parecem mais cursos de ação mutuamente exclusivos. Nada em melhorar as capacidades da UE significa que nossa aliança com os EUA será menos importante no futuro. Pelo contrário: os EUA estão deixando claro como é importante para eles uma Europa unida e funcional. Para citar o vice-presidente Joe Biden, em seu discurso na Conferência de Segurança de Munique em 2013: "(Uma) Europa forte e capaz é profundamente do interesse americano, e, eu acrescentaria, supostamente do interesse mundial".

Mudança incremental
Dito isso, não devemos esperar milagres, quanto menos passos na direção de um exército europeu. Isto permanece um objetivo válido em longo prazo, mas sobre tal questão excepcionalmente complexa a mudança incremental talvez seja o máximo que possamos esperar. Essa mudança será baseada em uma abordagem pragmática baseada em projeto, consistindo em elementos de cooperação, priorização e especialização. No início, ela se concentrará nas áreas de educação e treinamento, logística e manutenção, com mais áreas críticas a seguir. Se a Europa avançar decisivamente em questões de defesa, o impulso terá de vir do topo, com os líderes tomando decisões vitais sobre o âmbito e a profundidade da cooperação.

É quase desnecessário dizer que qualquer tentativa de reunir e compartilhar (mais) ativos militares na Europa seria impensável sem o forte envolvimento do Reino Unido. Pelo contrário, nisto o país poderia oferecer um dos motores, por exemplo, forçando a Alemanha a prestar mais atenção na política de segurança. A cooperação bilateral de defesa britânico-alemã, que é notavelmente pouco desenvolvida, receberia um reforço no caminho.

Se a cooperação em defesa na Europa é dificilmente concebível sem um papel importante do Reino Unido, isso é ainda mais verdadeiro quando se trata de política externa e de uma previsão estratégica global em um sentido mais geral. Todos temos consciência de que a importância relativa e influência dos países europeus no mundo diminuirá constantemente nos próximos anos e décadas.

Ou agiremos juntos estrategicamente ou seremos amplamente irrelevantes - dependentes dos EUA para salvaguardar a ordem liberal internacional. Se a Europa quiser ter o papel de um grande ator global capaz de defender seus interesses e valores em uma ordem internacional multipolar e cada vez mais complexa, o Reino Unido terá de ser uma parte essencial dela.

Contendo os fantasmas
O Reino Unido também deverá ser uma parte essencial dos esforços para restaurar a confiança nos negócios transatlânticos e intereuropeus com relação à espionagem mútua. Grande parte da revolta alemã pode ter-se concentrado nos EUA e no grampo da NSA ao telefone da chanceler Angela Merkel. No entanto, os alemães também tomaram nota das atividades do GHCQ britânico. O Reino Unido terá de exercer um papel convincente e construtivo nos debates sobre um acordo antiespionagem europeu. Os serviços clandestinos dos países europeus deveriam ter de respeitar a privacidade de todos os cidadãos da UE.

Em termos das questões maiores de política de defesa, embora houvesse vantagens em ter uma Europa menor, mais coesa e integrada, uma saída britânica da Europa prejudicaria gravemente a previsão global do continente. A experiência britânica em diplomacia e assuntos internacionais, incluindo seu lugar no conselho de segurança da ONU, seus militares capacitados, sua defesa do livre comércio e suas funções como ponte sobre o Atlântico são ativos críticos.

Sem eles, a Europa do futuro adotaria uma perspectiva mais estreita, voltada para dentro e talvez até protecionista, o que não seria aconselhável. Nas palavras do jornalista alemão Jan Ross, a UE sem o Reino Unido seria uma "Europa com um horizonte encolhido".

No entanto, o Reino Unido deverá perder ainda mais que a Europa se optar por um rumo fora da mesma. A independência de Bruxelas pode parecer libertadora por algum tempo, mas em médio e longo prazo prejudicaria severamente a prosperidade britânica. O ministro das Relações Exteriores polonês, Radek Sikorski, que foi correspondente estrangeiro e de guerra para várias organizações de mídia do Reino Unido, como a BBC e o "Telegraph" entre 1986 e 1991, e que desenvolveu o hábito intrigante e bem-vindo de falar em público o que pensa sobre alguns países-chaves da UE, colocou a coisa deste modo em um discurso no Palácio de Blenheim em setembro de 2012:

"Seus interesses estão na Europa. Está mais que na hora de seus sentimentos os acompanharem. Seus líderes precisam defender mais claramente seus interesses europeus. (...) Vocês poderiam, se quisessem, liderar a política de defesa europeia."

De fato, o Reino Unido poderia. E esperamos que o faça em um futuro não muito distante.

(Wolfgang Ischinger, 66, é um diplomata alemão. Entre 1998 e 2001 ele serviu como secretário de Estado no Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Depois passou cinco anos como embaixador alemão nos EUA, seguidos de três anos como embaixador no Reino Unido. Hoje ele atua como diretor da Conferência de Segurança de Munique.)

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